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Edição 17 - Covid-19 Entrevistas Plural

Um país em alerta

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Como o Brasil em poucos meses se transformou em um dos epicentros da pandemia e qual o impacto disso para o futuro

 

Nikolas Ambrosano, Renan Gabriel (4º.sem)

 

A humanidade não estava preparada para um vírus tão poderoso e que se espalha tão rápido, deixando em poucos meses mais de um terço da população mundial em quarentena, para evitar o contágio da doença que já vitimou milhares de pessoas e infectou outras milhões ao redor do planeta. Um dos maiores desafios para os profissionais de saúde e cientistas ao lidar com o coronavírus, de alta disseminação, é o tempo curto para identificar os sintomas, especialmente em grupos de risco, e encontrar o tratamento mais adequado. Além disso, em uma situação em que milhares de pessoas são infectadas ao mesmo tempo, o sistema de saúde de nenhum país comporta tantas internações, o que tem levado a uma triste situação, na qual os médicos têm que escolher quem ficará internado ou não.

No Brasil, onde enfrentamos um sério problema de educação e conscientização das pessoas para respeitarem as medidas de segurança da Organização Mundial da Saúde (OMS), a situação fica ainda mais alarmante, e o futuro do país corre sérios riscos. Especialista em Infectologia pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SIB), Naihma Salum Fontana, que trabalha no Hospital São Camilo de Itu e no Ambulatório Médico de Especialidades de Itu como coordenadora do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar, alerta sobre os cuidados que devemos tomar, a possibilidade de uma vacina e principalmente, explica sob o ponto de vista profissional, os impactos da doença na sociedade brasileira.

A infectologista classificou como “sucateado e negligenciado” o sistema público de saúde brasileiro, além de se posicionar contra possíveis medidas para se adotar um isolamento vertical, pois a população que mais morre é a idosa. “Mas existe uma população que cuida dessa população idosa, que são os jovens, então como vou conseguir isolar totalmente a população de risco?”, questionou.

 

Como você imagina o Brasil após a pandemia?

Eu vejo com bons olhos essa questão da valorização da saúde, do que é básico, e mais do que nunca nós vemos quais são as áreas básicas para a nossa sobrevivência neste planeta, e principalmente, o quanto nós somos frágeis, o quanto as 10 trilhões de células do nosso organismo são frágeis frente ao microrganismo invisível. Então, talvez essa pandemia tenha chegado para nos ensinar e para nos mostrar que nós não somos onipotentes. Por muito tempo o ser humano dominou o planeta e as outras espécies, mas é bom um caldo de realidade: “basta estar vivo para morrer”. Eu espero que continue toda essa sensação de solidariedade, e que a humanidade caminhe para essa conscientização para que possamos ter um futuro mais harmonioso.

 

A medicina e a ciência sairão mais fortes dessa pandemia?

Estou vendo um movimento muito positivo em prol da saúde, que deveria ter sido visto há muito tempo, e só agora essas mazelas e falhas estão sendo expostas, porque precisamos muito da saúde nesse momento. Mas o que me preocupa, estritamente em relação à saúde, é que estamos vendo hospitais sendo feitos e aparelhados, leitos sendo aumentados, mas a questão é: quem vai trabalhar nesses hospitais? Nós não temos intensivistas nesse número em nosso país. Eles têm uma formação longa, complexa, é uma das áreas mais complexas da medicina, que exige “expertise” do médico não só em medicina, mas em matemática, física, para entender complacência, elasticidade pulmonar, pressão de pico, e todos esses conceitos básicos para saber mexer no ventilador respiratório, o que me deixa preocupada.

 

Este momento pode servir para as autoridades entenderem a necessidade de um maior investimento na saúde pública ou uma possível superlotação dos hospitais é realmente impossível de controlar?

O sistema público já é lotado, sucateado, negligenciado, e isso não é de hoje. Essa negligência e esse sucateamento no sistema público vêm de décadas, que os governantes e os seus sistemas públicos sempre deixaram como a última prioridade, e agora vamos sentir toda essa negligência, todo esse abandono. Mesmo que a gente tenha um investimento massivo na área da saúde, nós não vamos conseguir. Não temos tempo hábil para conseguir a quantidade de leitos de UTI que nós precisamos, devido ao tempo. Atualmente nós temos aproximadamente 42 mil leitos de UTI no Brasil inteiro, sendo que mais da metade desses leitos se encontram na região sudeste. Temos “diversos brasis” dentro do nosso próprio país, cada região tem as suas carências, necessidades, tradições e essa desigualdade será sentida nas próximas semanas. A superlotação é uma realidade, nós teremos que escolher quem vai para a UTI e isso não foge muito da nossa realidade atual.  As UTIs já são superlotadas, pelo menos na área pública. Nós trabalhamos sempre em regime de 90% da lotação das UTIs, então a realidade do intensivista que trabalha no sistema público é essa, escolher quem vai, e quem não vai.

 

Qual a sua visão sobre a estrutura hospitalar brasileira?

Acredito que diversas fragilidades e décadas de negligência, que nós que trabalhamos na área da saúde verificamos diuturnamente dentro dos hospitais, estão sendo ajustadas neste momento. Estamos vendo o conserto de leitos, monitores, ventiladores e aparelhagem hospitalar que estava obsoleta há muito tempo, dentro do próprio hospital.

 

A construção de novos leitos de UTI é uma solução viável?

Não temos tempo hábil para aumentar os leitos de UTI dentro da nossa capacidade. Façamos uma conta rápida: existe uma estimativa que 80% da população vai se contaminar, ou seja aproximadamente 150 milhões de pessoas. Desse número, sabemos que cerca de 7% irão apresentar um quadro mais grave, e mais da metade irá precisar de UTI, sendo que temos 42 mil leitos. Mesmo que sejam expandidos para cerca de 50 mil leitos, a conta ainda não fecha. Existem estados fortes, como o de São Paulo, onde estamos vendo um posicionamento muito proativo em prol de ajudar, fortalecer e fomentar a saúde, no sentido de aumentar leitos e garantir fornecimento de equipamentos de proteção  individual e outros materiais. Mas existem regiões muito pobres e desprovidas de recursos, onde está morrendo muita gente.

 

Vivemos em um país no qual 48% da população não têm acesso a saneamento básico. Como controlar um vírus tão contagioso nesse cenário?

Nós vivemos em um país pobre. Se nós formos olhar só para o estado de São Paulo, quem mora no estado de São Paulo, especialmente na cidade de São Paulo, não sabe a realidade do resto do país. Eu já morei na região norte, em Manaus, e é uma realidade completamente diferente da que a gente tem aqui, muitas pessoas moram na ribeira, à beira do rio, e não têm acesso a um sabonete, um xampu, itens básicos de higiene, então com certeza isso é um problema. Além disso (da questão de saneamento e da falta de higiene pessoal), noções básicas de higiene pessoal, muitas vezes eu me vi ensinando mães a dar banho em crianças. E com certeza a questão das aglomerações, pois o pobre não tem esse luxo de isolamento social. Primeiro que ele não consegue se isolar do resto da família dele, e segundo que ele não se dá o luxo de não ter que trabalhar. Ele tem que trabalhar, ele tem que se virar, muitas vezes para conseguir o que vai comer no dia. Sim, isso é um problema sério no nosso país. E é dever dos governos pegar o dinheiro dos nossos impostos, que estão injetados em outras áreas, e focar no apoio financeiro a essas famílias. Então, sim, esse é um desafio que nós temos no Brasil, não fácil de resolver, porque nós batemos sempre em ganância, corrupção, políticos que não querem abrir mão de seus salários, que não querem abrir mão dos seus luxos, em prol da população mais carente.

 

Devido ao período de quarentena, na China 20% da população apresenta sinais de estresse pós-traumático. Quando o vírus não estiver mais circulando no Brasil, essa deve ser a principal preocupação na área da saúde?

Essa questão psicológica com certeza vai ser uma das mazelas que a pandemia vai deixar, e nós já estamos vendo. Meu irmão é psiquiatra, eu converso com ele, realmente está ocorrendo. Pessoas que já têm transtornos psiquiátricos, transtornos de humor, transtornos esquizofreniformes, elas estão tendo uma descompensação dos seus quadros devido a essa questão que a gente está vivendo. Quem está em casa está sofrendo de ansiedade por estar em casa, por estar no ócio. Nós estamos verificando também o aumento do alcoolismo, da ingestão de bebida alcoólica, devido ao ócio.

 

Em relação a uma possível vacina, quanto tempo poderia levar para produzi-la e como funcionaria a sua distribuição em território nacional?

Existem várias vacinas em desenvolvimento. Têm pelo menos três que estão em desenvolvimento, mas isso só será possível comercializar e distribuir no final do ano. E quando for, isso será amplamente distribuído para todas as faixas etárias, e grupos de risco dependem do tipo de vacina que eles vão produzir. Se for uma vacina de vírus vivo inativado, não terá restrição para gestantes, lactentes, imunossuprimidos, será irrestrito. Agora, se a vacina que eles desenvolverem for de vírus vivo atenuado (como é o caso das vacinas de febre amarela, dengue, varicela e herpes) há restrições.

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