Moradores de rua são vozes silenciosas

No bairro de Vila Mariana, em meio à pressa do dia a dia, mendigo chama atenção. Foto: divulgação

A caminho da faculdade, pela manhã, ando pelas ruas Humberto Primo e Álvaro Alvim com calma e sem pressa de chegar ao meu destino. Pessoas passam correndo, carros e ônibus em constante turbulência se apressam para alcançar o ponto de chegada sem atraso, e aquele caos está instaurado. Xingamentos, falta de educação e pressa: é assim que começa o dia na cidade de São Paulo, que parece nunca dormir.

Alguém chama minha atenção: aquele mendigo que parece viver na rua onde moro, cada hora em frente a um prédio ou a uma casa diferente, levando sempre sua manta para onde quer que vá. Deve ter em torno de 40 anos de idade, 1,80 metros de altura, trajes rasgados e sujos, pele morena e cabelo estilo black power. Aquele mendigo, com sua carência material absoluta, nunca me pediu esmolas e nunca o vi incomodar alguém das ruas da Vila Mariana.

De início, medo, mas logo sua presença virou costume e comecei a sentir compaixão por esse ser humano que, largado nas ruas, estava sujeito ao frio, à fome, à solidão. Como ele chegou a esse ponto? Que pessoas, que fatos aconteceram para fazê-lo estar ali? Decisão?

Há várias hipóteses. Assistindo a um noticiário, ouvi dizer que um mendigo optou por ser morador de rua, dizendo que se sentia livre das regras do Estado. Dizia que nenhum lugar era sua casa, mas que, ao mesmo tempo, todos os pontos onde pudesse se abrigar eram moradias. Não tinha que se preocupar com a sua vida, só em viver um dia de cada vez. Uma vida livre por uma vida de riscos?

Riscos. Os riscos pelos quais esses moradores de rua passam todos os dias, ruas onde 195 desses cidadãos foram assassinados em 15 meses, entre fevereiro de 2011 e maio de 2012, segundo dados do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (CNDDH), de acordo com reportagem publicada no jornal Folha de S.Paulo. A matéria permite perceber que o governo não acompanha nem presta um bom atendimento à população de rua, reduzindo drasticamente os recursos destinados aos programas sociais.

Nas entrelinhas da reportagem fica a suspeita de que isso ocorre porque a administração pública está mais preocupada em manter uma cidade aparentemente “limpa” sem se importar com os moradores de rua. Só se importa se eles atrapalham a rotina da cidade, mudando-os de lugar.

Não importa como denominem esses cidadãos: moradores de rua, mendigos, pedintes, sem-teto ou vagabundos, por terem vida errante. Mas são dotados apenas de pobreza material, não espiritual. Alguns se afundam nas drogas? Sim. Outros fingem ser o que não são? Sim. Mas cada um procura a válvula de escape para vida que julga ser melhor pra si.

Essas pessoas, moradores de rua, são as vozes silenciosas dos excluídos. Vozes daqueles que só recebem desprezo, descaso, indiferença. Podem ser parentes seus ou meus. A vida é cheia de esquinas e ladeiras, de altos e baixos. Eles são humanos. São crianças, mulheres, homens e idosos que sorriem e que também choram. Uma dessas vozes eu ouço todos os dias a caminho da faculdade.

Tatiani Rigotti (4º semestre)