Candidatos mais ricos das eleições de 2024 somam mais de R$ 655 milhões em dívidas com a União
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Felipe Vaso (3º semestre) e Duda Travalin (2º semestre de Jornalismo)
Nas eleições municipais de 2024, as empresas dos dez candidatos mais ricos do país somaram uma Dívida Ativa da União (DAU) de R$ 655,9 milhões. De modo geral, corporações adquirem dívidas com o Estado Brasileiro ao não pagarem impostos. Desse valor, 46% representam dívidas trabalhistas ou previdenciárias e 53,59% equivalem às não-previdenciárias.
Dentre os dez mais ricos, apenas três não possuem dívidas ativas. Aqueles que se elegeram no pleito de 2024 são responsáveis por 63% do valor total. Confira no gráfico abaixo quem são:
A maior parte da Dívida Ativa da União (54%) está relacionada ao não pagamento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
No caso do INSS, a Previdência Social funciona como uma “poupança”, fruto da colaboração dos empregadores, que contribuem com uma alíquota referente à folha de pagamento total da empresa, e dos trabalhadores, que contribuem sobre o valor do seu salário. É dessa “poupança” que saem os pagamentos para os beneficiários.
Giovanna Luz, advogada tributária, afirma que as dívidas das empresas têm um impacto significativo na sustentabilidade do sistema: “A falta de pagamento das contribuições pode resultar em déficit financeiro, comprometendo a capacidade de pagar benefícios aos aposentados, pensionistas e demais segurados”.
Do montante das dívidas das empresas dos candidatos, R$ 301,2 milhões são valores devidos para a Previdência Social. Com esse valor é possível pagar a média de benefício da aposentadoria a centenas ou milhares de contribuintes por mais de uma década.

Fonte: Elaboração própria com dados da Previdência Social
Já o FGTS diz respeito aos depósitos mensais obrigatórios de 8% do salário dos funcionários feitos pelos empregadores. Pode ser utilizado principalmente em demissões sem justa causa, na aquisição da casa própria e em casos de doenças graves. Segundo Vinícius Basilio, advogado previdenciário, essa perda de acesso a direitos trabalhistas prejudica não só o próprio trabalhador, mas também gera um efeito em cascata em todo o sistema: “Afeta diretamente a estabilidade econômica e social do país, com o prejuízo da circulação de capital e a fragilização do sistema bancário da Caixa Econômica Federal”, comenta.
A dívida dos empregadores no Fundo de Garantia sofreu um aumento de 7,53% em quatro anos. Saltou de R$ 47,8 bilhões, em 2020, para R$ 51,4 bilhões em 2024.
Há ainda outras dívidas referentes a tributos como o ISS (Imposto sobre Serviços) e o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) não pagos pelos responsáveis na forma e prazo estabelecidos em lei. Os devedores podem enfrentar restrições, como a impossibilidade de obter certidões negativas de débito, dificultando sua participação em licitações e acesso a financiamento, além de delimitações em seus patrimônios para a quitação da dívida.
Eleitos
Seis dos dez candidatos mais ricos do Brasil foram eleitos: quatro são vice-prefeitos e um é prefeito de uma capital.
Dentre os eleitos, quatro têm dívidas trabalhistas, e elas somam aproximadamente R$ 415 milhões da dívida total dos dez candidatos mais ricos (63,26%).
O empresário e atual vice-prefeito de Guaramirim, Denis Lunelli (PL-SC), concentra mais da metade do total de dívidas dos candidatos em uma única empresa. Apesar de ter um patrimônio declarado de R$ 285 milhões, a empresa Lunelli Comércio do Vestuário, especializada na confecção e comercialização de peças de roupas, deve mais de R$ 350 milhões para a União.
Sozinha, a corporação representa 54,3% de todo o valor devido pelas empresas dos dez candidatos mais ricos – 82,1% desse valor são dívidas previdenciárias, aproximadamente R$ 292 milhões que não foram pagos à Previdência Social.
O oitavo candidato mais rico também está associado a três rádios: Rádio Bela Aliança (93 FM), Rádio Jaraguá (101.3 FM) e DJ Comunicações e exploração de serviços de radiodifusão (105 FM).
Soluções possíveis
Além de prejudicar a manutenção dos direitos trabalhistas, os candidatos inadimplentes, caso eleitos, enfrentariam dilemas éticos, segundo especialistas.
A falta de pagamento dos impostos pode levantar dúvidas quanto ao seu compromisso com a lei e a gestão. “Especialmente quando busca ocupar cargos públicos que exigem respeito à moralidade e à probidade administrativa, que são princípios legais aos quais o Estado deve se sujeitar”, diz Basílio.
Além disso, as dívidas fiscais podem gerar potenciais conflitos de interesse entre as esferas privadas e públicas. “Um candidato endividado pode se beneficiar, ao ocupar um cargo público, de decisões que facilitem renegociações ou parcelamentos de suas próprias dívidas, prejudicando o equilíbrio entre os interesses pessoais e coletivos”, completa.
Ainda não existem formas de impedir a candidatura de indivíduos e suas empresas com Dívidas Ativas na União, porém, o Projeto de Lei complementar 449/17 procura reverter essa situação, tornando-os inelegíveis.
Apresentado em novembro de 2017, o PLP sugere tornar inelegível os que tenham débito inscrito em dívida ativa da União. A proposta altera o primeiro artigo da Lei de Inelegibilidade, de 1990, e está parada desde 2019.
No texto, o então deputado Celso Maldaner (MDB) defende tornar os devedores da união inelegíveis pois, segundo ele, falta a esses candidatos “a moralidade e a conduta ilibada indispensáveis a quem se propõe a ocupar as mais altas funções políticas do Estado”.
Além disso, o deputado aponta incoerência na forma como a União trata os inadimplentes: quem tem débitos com a DAU não pode firmar contratos com o Estado nem participar de licitações públicas, mas pode concorrer nas eleições. “Enxergo muita incongruência quando um gestor público, que recebe dinheiro público, é responsável por lesar o próprio Tesouro Nacional, sem prejuízo do desdobramento social dessa inadimplência”, reafirma Basílio.
Outro lado
Os candidatos João Henrique Pinheiro (PRTB), Francis Maris Cruz (PL), Cleri Camilotti (PDT), Denis Lunelli (PL), Jonas Afonso (Podemos), Sandro da Mabel (União) e Gilson Lari (PL), os quais possuem dívida ativa da União, foram procurados para falar sobre os débitos via e-mail ou redes sociais quando possível.
Apenas João Henrique Pinheiro, candidato mais rico do país, respondeu. Ele alegou que as dívidas de suas empresas, um total de R$ 216,7 milhões, originaram-se de questões pessoais e que, após as eleições, fez um levantamento para quitação do valor. A reportagem verificou que a Vara Regional Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem de São José do Rio Preto (SP) declarou falência à empresa Sugar Brazil, responsável pela importação e exportação de commodities e, também, por 95% da fortuna do candidato.
A reportagem será atualizada caso os demais candidatos respondam.
Metodologia
A partir da reportagem do Correio Braziliense, foram analisados os dez candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador com maior patrimônio do Brasil.
Com a lista, foram levantadas as empresas ligadas aos candidatos por meio do site do CruzaGrafos, assim como as Dívidas Ativas da União, sejam elas previdenciárias ou não.
Apesar dos dados do TSE serem de acesso público, o uso da plataforma CruzaGrafos requer filiação à Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Por meio das informações adquiridas nos portais anteriormente mencionados, a equipe elaborou infográficos que ilustram a situação dos candidatos em relação às dívidas e às questões gerais de perfil. Somente um deles precisou de um cálculo estatístico
O Gráfico “Dívidas trabalhistas de candidatos pagariam 13 anos de INSS” foi pensado com base em dois dados centrais: a dívida trabalhista de R$ 301.216.436,14 dos candidatos e a aposentadoria média paga aos trabalhadores urbanos (R$ 1.848,65) e rurais (R$ 1.247,98) segundo dados do próprio Boletim Estatístico da Previdência Social. O valor da dívida foi dividido pelas aposentadorias médias, resultando na quantidade de meses que seriam pagos de aposentadoria para um único indivíduo (162.938,6 meses para urbanos e 241.363,2 para rurais). Em seguida, esse valor foi dividido por 12, para descobrir quantos anos essa pessoa estaria recebendo esse benefício (cerca de 13 mil, urbanos; e 20 mil, rurais). Para fins de melhor aproveitamento do gráfico, foram divididos os valores mencionados por 1.000 trabalhadores urbanos e 1.500 rurais, resultando em 13,57 e 13,4 anos, respectivamente.