Rebanho que pasta no arco-íris
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Eduardo Fabricio – 4º semestre de Jornalismo
O foguete de Jeff Bezos caiu, uma nova presidente do Supremo assumiu, a rainha Elizabeth II tinha morrido há quatro dias, mas o acontecimento que travou a redação e o meu trabalho foi uma “simples” greve que afetaria quatro linhas do metrô de São Paulo.
Depois de terminar minhas outras laudas, fiquei aguardando exclusivamente a tomada de decisão dos metroviários, que estavam votando sobre fazer ou não a paralisação. Mas afinal, qual é a importância disso para um mundo com tantos acontecimentos curiosos? Foi então que, voltando para casa, entendi.
O caminho da estação Palmeiras Barra Funda, que fica na linha vermelha, até a estação Giovanni Gronchi, na linha lilás, é longo. Trata-se de um percurso de, em média, uma hora e meia, que faço todos os dias entre 22h e 23h. Depois de esperar sem obter uma resposta se a greve ia acontecer ou não, escrevi uma nota simples genérica para que o jornal não fosse ao ar sem dar a “possível notícia”. Fui para casa me perguntando o que elevava aquele acontecimento em potencial ao patamar de “notícia”.
Tive minha resposta quando as portas para a estação Chácara Klabin, minha última baldeação, se abriram. Como só ando uma estação para mudar da verde para a lilás, estava bem na frente e fui o primeiro a desembarcar. Foi quando vi pessoas saindo correndo em direção à escada rolante. O objetivo é claro, conseguir um assento para ter o mínimo de conforto na próxima das intermináveis etapas do caminho até sua casa. Até porque, acho muito improvável que alguém esteja ocupado para um compromisso às 22h40. Definitivamente, aquela corrida significa cansaço.
Aquela corrida é o retrato de uma construção social, de um problema que tira a periferia e os mais pobres do centro. O caminho até o trabalho é uma segunda jornada para aqueles homens e mulheres que saem correndo do vagão.
Caso existisse uma modalidade olímpica de corrida acompanhada de descida de escada, tenho certeza de que o Seu João, que mora no Capão Redondo, leva duas horas para chegar no seu trabalho e demora outras duas para voltar para casa usando o transporte público, teria mais medalhas douradas que Michael Phelps.
O sistema venceu pela insistência, conseguiu alienar as pessoas a ponto de colocar um antolho em seus rostos e fazer do ser humano uma fusão entre um cavalo, que só consegue olhar para frente, e um boi no rebanho. Se o macaco é considerado o animal irracional com características mais próximas do homem, o homem, para mim, pode ser considerado o animal racional que tem características mais semelhantes às do gado.
Para provar minha tese, nem preciso sair do metrô. Somos conduzidos em um grupo grande, que se move uniformemente e é guiado por avisos sonoros, sobre a hora de parar ou continuar. Muitas vezes, isso se torna tão automático que nem nos damos conta das nossas ações. “Em que estação eu tô mesmo?”
São as dez, oito ou seis horas trabalhadas mais as outras quatro perdidas no caminho de ida e volta que levam alguns a se desgarrarem do rebanho e correrem em direção às escadas. A recompensa: ter o luxo de ocupar um dos assentos, que assim como as pessoas que enchem o vagão, foi moldado para ser exatamente igual ao outro.
Para finalizar, volto ao começo. Por que a greve era tão importante? Porque é por onde o gado se locomove. Porque, infelizmente, ele ainda acha e, na maioria dos casos, ainda precisa muito do sistema. Mas também porque o sistema precisa do gado, já que agro é tudo. Por isso, pouco importa quem vai sentar no trono real. O importante mesmo é que esses desgarrados vão correr e conseguir um lugar que não os obrigue a levantar quando alguém da idade da finada Elizabeth II aparecer.
Se durante todo o caminho de volta me perguntei o motivo da possível greve ser notícia. Enquanto escrevo esse texto me questiono constantemente se sou um desgarrado observador atento, ou só sou mais um em meio ao gado alienado, mas que desembarca duas portas ao lado e já não tem mais disposição para correr até a próxima estação com nome de cor do arco-íris.