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Tem algo fora do ritmo: o baixo número de negros como carnavalescos nas escolas de samba de São Paulo

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Eduardo Fabrício, Fernanda Delgado, Gabriella Figueiredo, Isabelle Gregorini e Pedro Cohem (3º semestre de Jornalismo) *

1.    Onde tudo termina

Todos os olhos se fixam na avenida. Logo, será sua vez de desfilar e representar a sua escola com todo o entusiasmo e euforia que preenchem o seu corpo por inteiro. A fantasia, na maioria das vezes, pesada, por ser repleta de adornos e enfeites, passa despercebida. A adrenalina é tamanha, que nem o vento gelado, que sopra em uma madrugada fria no fim de abril, chega a arrepiar. Toda a sua atenção está voltada para a próxima uma hora dentro do Sambódromo do Anhembi, em São Paulo.

Duas horas antes de botar os pés no asfalto, os integrantes começam a ser levados para a área de concentração para tomarem suas posições. Colocam os membros dos carros alegóricos em seus devidos lugares. Eles são os primeiros, já que a tarefa precisa do auxílio de uma plataforma elevatória.

Logo em seguida, chegam os participantes das mais variadas alas, incluindo as baianas, com suas saias grandes, volumosas e brancas, seus colares coloridos representando a cor de sua escola e seus exuberantes turbantes.

Depois, é a vez de uma das mais importantes partes da escola, a bateria, com seus chamativos e barulhentos instrumentos, seguidos pela comissão de frente. Os destaques são os únicos que recebem o privilégio de terem um tempo a mais no hotel para descansar e chegarem na concentração mais perto do horário da entrada na avenida.

                                         Foto: Reprodução Instagram @ligacarnavalsp
Carro alegórico da Nenê de Vila Matilde com mascote da escola em destaque

Uma coisa pode ser percebida em todos eles: a animação. Ficar diante de mais de 20 mil pessoas e ainda ser avaliado por juízes a todo momento não é uma tarefa fácil, mas empolga e enerva qualquer um só de imaginar.

Após um ano sem Carnaval, esse desfile é um dos mais esperados por todos. O trabalho incansável de organização e produção, de meses e meses, finalmente toma forma e se estrutura na avenida, com um espetáculo multissensorial cheio de cores, sons e texturas.

A escola, a poucos minutos de entrar na avenida, começa a se posicionar exatamente na ordem pré-determinada. Começa pela comissão de frente e o carro abre-alas, seguido das diversas alas, destaques, bateria e carros alegóricos, que compõem o desfile.

Muito brilho, cor e concentração são vistos pelos olhos e sentidos na pele da repórter Gabriella Figueiredo, que vai desfilar neste ano. A euforia e ansiedade toma conta do seu coração, está chegando o momento mais esperado.

O samba-enredo se inicia, e todo o sambódromo, em coro, começa a cantar. As pessoas à sua frente começam a andar e, poucos segundos depois, ela também se move para acompanhar o grande fluxo de pessoas. Tudo está em jogo. Meses de dedicação e anos de espera, por conta de uma pandemia que não permitiu a realização do Carnaval em 2021. “É agora, está acontecendo”, pensa ela, empolgada.

                                    Foto: Reprodução Instagram @ligacarnavalsp
Carro alegórico da Mocidade Unida da Mooca no Carnaval de 2022

 

Perto da bancada dos juízes, a dança deve estar impecável. Seus pés, em coordenação com seu corpo, se movimentam conforme a música toca. Não se pode parar de dançar, cantar ou sorrir por um minuto sequer enquanto você está passando pela avenida.

O menor erro, se avistado pelos jurados, já pode ser considerado um motivo para descontarem pontos de sua escola. Cada detalhe conta e cada milésimo vale na luta para o primeiro lugar. Ninguém quer ser rebaixado, todos querem se destacar para levar o título mais almejado de “Campeã do Carnaval”.

A cada passo, a avenida se aproxima cada vez mais. O samba-enredo fica mais alto, as pessoas ficam mais animadas, e agora seus sentimentos já estão à flor da pele. Até que, finalmente, você entra. Porém, todo esse glamour e beleza camuflam problemas de representatividade e de respeito à tradição que os negros têm dentro do Carnaval.

Na hora que a folia está rolando, a história do povo preto sendo representada, as origens sendo relembradas e a história sendo revivida, você mal repara que essas problemáticas estão aparentes, bem à frente dos seus olhos e podem ser vistas com uma simples observação da avenida. Devido à emoção, sua mente e seu corpo estão totalmente concentrados na dança e no desfile. A única coisa, na qual você está prestando atenção é em sua performance, e em como os juízes estão te avaliando.

No entanto, ao olhar para o lado do camarote, você se depara com um mar de pessoas. Apenas pessoas brancas. Enquanto nas arquibancadas, o volume de pessoas é muito menor. Você para e pensa: “Onde está o público negro do Carnaval? Cadê essas pessoas de que o samba-enredo está falando, que os carros alegóricos retratam, que as fantasias e origens do Carnaval representam?”. Os pretos são a grande minoria dentro do público do sambódromo.

                                        Foto: Reprodução Instagram @ligacarnavalsp
Carro alegórico da Acadêmicos da Tatuapé no Carnaval de 2022

 

O fim da avenida se aproxima. A ansiedade para chegar logo e ver se tudo deu certo é imensa, sendo capaz de se manifestar por todo o seu corpo. O samba não pode parar em momento algum, já que os juízes estão distribuídos ao longo da avenida. Sorriso no rosto, samba no pé e a voz alta cantando o samba-enredo. Nada disso pode parar.

A área da dispersão está cada vez mais próxima. Depois de somente 20 minutos – tempo que durou a participação da repórter no desfile – de ansiedade, euforia e nervosismo disfarçado por um sorriso no rosto, é lá que o fim se encontra. As arquibancadas, os juízes, os camarotes e a avenida ficam para trás. Seus colegas de escola, independentemente dos cargos, se abraçam e comemoram a realização final de um trabalho que demandou tempo, estudo, expectativa, esperança e dedicação.

A maior felicidade vem depois de o portão fechar: a uma hora de desfile foi seguida e cumprida. Tudo deu certo e foi feito corretamente com muito amor, alegria e orgulho. A única coisa incerta é: as pessoas que são donas dessas histórias participam de como elas são contadas? A repórter tirou a fantasia e se juntou com os integrantes da equipe. Pegamos a caneta, o bloco de notas e fomos descobrir.

2.    Carnaval é coisa de gente preta

 Segundo o artigo O Carnaval no Brasil: da origem europeia à festa nacional (1999), de Iris Germano, o Carnaval chegou no Brasil trazido pelas caravanas portuguesas, sendo representado, principalmente, em festividades chamadas de “entrudo”, em que ocorriam brincadeiras em que jogavam farinha, tinta e água nas pessoas. Com o decorrer dos anos, a festa passou a ser influenciada pelas culturas indígena e africana por meio dos escravos, que tornaram a festa uma grande manifestação cultural, algo observado até hoje que revela a identidade brasileira.

O Carnaval brasileiro é a união de diversos povos que vieram para o Brasil, mas aos poucos, os negros tornaram-se protagonistas e grandes influentes, que com seus ritmos, músicas, instrumentos e danças, contavam suas histórias e apresentavam para o Brasil o que é o samba, o axé, o batuque.

                                                            Foto: Reprodução Facebook
Fantasia presente no desfile da Águia de Ouro no Sambódromo do Anhembi em 2022

Fábio Gouveia é um homem preto que sempre trabalhou e esteve envolvido com arte. Hoje, ele é carnavalesco da escola Nenê de Vila Matilde. “O samba vem dos batuques de Pirapora, o samba vem dos batuques da senzala, os batuques lá do recôncavo da Bahia. O samba é um produto de resistência, eu enquanto carnavalesco e preto sempre vou dizer”. Fábio trabalha para que o negro continue sendo protagonista no Carnaval.

O Carnaval, hoje, mantém viva a cultura negra, representada no próprio ritmo ou nas temáticas abordadas pelas escolas de samba. É uma forma de o brasileiro conhecer sua própria história e desconstruir preconceitos raciais. Sidnei França, carnavalesco negro da Águia de Ouro, comenta que “a representatividade do samba e das escolas para a comunidade preta é de um tamanho sem fim no Brasil, porque resume muita coisa. Resume história ancestral e resume o dia a dia de um povo sofrido que tem pouca oportunidade, que ali expressa seu jeito de ser.”

O Carnaval é ferramenta essencial de resistência e exaltação do negro e sua cultura. “A escola de samba é uma instituição preta. Ela é da negritude, ela é herdeira da diáspora africana diretamente. O Brasil decodificou a cultura preta de várias maneiras. Mas eu acho que o samba é a mais representativa. O samba é o herdeiro direto da senzala, dos fundamentos pretos. Antes e depois da escravatura. Eu vejo o samba como um símbolo de resistência”, afirma Sidnei.

O Carnaval é uma maneira que esse povo tem de preservar sua tradição, unindo pessoas das mais diferentes culturas, etnias e condições sociais em um espaço democrático para celebrar o negro e sua história, uma história que é do Brasil e preta.

3.    Carnaval, o espelho da sociedade

Em pleno ano de 2022 o Brasil ainda enfrenta um problema grave de racismo estrutural. Assim como relata o livro Escravidão, de Laurentino Gomes, o país, em 1888, foi o último do continente americano a abolir a escravidão e ainda, os negros, mesmo livres, foram deixados sem nenhum suporte.

Essas pessoas estavam em uma sociedade com visão eurocêntrica: que privilegia e, por vezes, só considera o homem branco e cristão como cidadão. Esta herança histórica se reflete na sociedade brasileira até hoje. Isso pode ser visto em diferentes situações, inclusive no Carnaval, uma festa que representa resistência, cultura e ancestralidade do povo negro.

No Carnaval de 2022, a Liga de SP contabilizava apenas oito carnavalescos negros entre as 34 principais escolas divididas entre Grupo Especial, Acesso I e Acesso II.  Das 14 escolas do grupo de elite, apenas uma tinha um carnavalesco negro.

Nessa classificação consideramos apenas os negros chamados de retintos, que é uma classificação usada pelo “colorismo”, para designar aqueles de pele mais escura. O colorismo é um termo que diferencia as tonalidades da pele negra. Ele surgiu com a escritora Alice Walker, em 1982.

Por outro lado, seis dessas escolas tiveram figuras ou a história negra como tema dos seus enredos. Pessoas brancas têm pensado por pessoas pretas, contando sua história, tradição e festividade.

Segundo o carnavalesco Fábio Gouveia, da Nenê de Vila Matilde, escola da zona leste da cidade de São Paulo, os brancos não devem opinar sobre o assunto. O carnavalesco defende a ideia de que a festa, que nasceu do sangue e suor negro como um modo de resistência ao eurocentrismo, sempre presente na sociedade brasileira, deve ser falada por pessoas pretas. Dessa forma, para ele, “não há lugar de fala”.

Porém, para Sidnei França, historiador e artista do Carnaval, a festividade pode ser comentada pela população branca também, já que, perto do todo, a opinião e o comentário de apenas uma pessoa são praticamente irrelevantes e comparados ao Carnaval completo, que é decidido em conjunto com o restante da escola.

Uma vez que a escola de samba decide falar sobre algo, não é a opinião do carnavalesco que está sendo apresentada, e sim a visão de toda a comunidade. “Quando a escola de samba assume a minha ideia, isso deixa de ser uma fala minha e passa a ser a fala de uma comunidade, de uma instituição”, comenta Sidnei. Apesar disso, o historiador defende que, sim, quem deve realmente opinar é o povo preto, pois, em suas próprias palavras, “a escola de samba é a própria negritude”.

De certa forma, as falas de Sidnei e de Fábio se complementam, já que ambos defendem que o Carnaval pertence ao povo preto, que muito lutou para ter seus direitos, muitas vezes com a expressão artística como principal característica na figura do Carnaval.

   
                                               Foto: Reprodução Facebook
Desfile da Tom Maior no Carnaval de 2022

Em um país que em 2019, segundo o IBGE, tem uma população negra que representa mais de 53% da comunidade geral, é no mínimo curioso que uma das principais representações culturais do país tenha um déficit tão grande em relação à presença de negros e brancos no comando da festa.

O Carnaval de São Paulo ainda é um dos maiores do país. Ele atrai mais de 110 mil espectadores e mais de 30 mil participantes. Em 2022, o movimento apresentou mais de R$ 56 milhões em investimento, número 14% maior que o de 2020, o último Carnaval pré-pandemia, que foi de aproximadamente R$ 45 milhões.

A comercialização da festa é um dos principais motivos para esse cenário. “Quando a classe média começou a frequentar as escolas de samba, ela também foi se tornando mais consumista, mais comercial. Ela foi deixando de lado um pouco da essência estritamente popular”, diz Sidnei.

Para ele, isso se concretizou quando as escolas passaram a colocar portarias, cobrar a entrada ou carteirinha nas quadras. O desfile também sofreu mudanças. “Só desfila quem paga a sua fantasia. Antigamente, não era isso. Lá atrás, era um trabalho de comunidade. Só quem tem dinheiro entra no sambódromo hoje, quem tem dinheiro para pagar ingresso de camarote ou de arquibancada”.

“Crescimento é igual ao investimento, investimento requer retorno financeiro, então você vai percebendo que a escola de samba também se comercializou demais”, finaliza Sidnei.

O Carnaval é o resultado e também o reflexo de problemas da sociedade. Segundo os dados mais recentes da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), em 2019, a população negra é a que mais sofre com falta de escolarização no Brasil. Em todos os cenários de todas as idades pesquisadas, a população preta apresenta números de escolaridade – em qualquer nível – e alfabetização menores do que a população branca.

Por trás de todo desfile de Carnaval, da escolha do enredo, pesquisa, carros alegóricos, desenho e confecção das roupas, existe uma função. A pessoa responsável por toda essa orquestra é o carnavalesco. Esse profissional precisa ser completo e entender sobre os mais diversos campos, como arte e história. Exigências que tornam essa realidade distante de quem não tem acesso à escola ou à arte.

Sidnei comenta sobre essa realidade na prática. “Quando você começa a escolher que carnavalesco contratar para a escola de samba, vai ser uma pessoa que na vida teve a oportunidade de conhecer um pouco de tudo isso. E quando você usa a palavra oportunidade, você já ´passa o facão´ numa camada da sociedade que não tem chance. É óbvio que a comunidade preta, por uma questão histórica no Brasil, não teve acesso a uma série de ferramentas de promoção sociocultural. Se ele não sabe de histórias e ele não sabe de artes plásticas, ele não pode ser carnavalesco”.

Pensando no contexto histórico do Carnaval e, inclusive, no povo que ele representa, deveria ser natural ter negros ocupando esses cargos. Mas como os números mostram, não é o que acontece. Angélica Ferrarez, negra, historiadora e jurada do prêmio Estandarte de Ouro, da Globo, afirma que o fato das pessoas negras não ocuparem os locais de carnavalescos é um reflexo da sociedade, que deve ser pensado e discutido. “Pensar o lugar do carnavalesco e pensar que não existe mulher negra dentro desse universo do Carnaval é pensar que isso é um reflexo social. O Carnaval é um espelho da sociedade, do que está acontecendo”.

A teoria interseccional, apresentada no ted talk The Urgency of interseccionality, da norte-americana Kimberlé Crenshaw, defensora dos direitos civis, pode ser usada para explicar esse quadro, ao falar sobre como as identidades sociais se sobrepõem em sistemas de opressão, dominação e discriminação. Esse contexto cria um isolamento em relação aos grupos vulneráveis, que é acompanhado de formas de silenciamento e desvalorização dos movimentos e causas sociais, como o uso do termo “mimimi” para desqualificar essas lutas.

Em uma sociedade patriarcal racista, o discurso é essencialmente do homem branco heterossexual. As vozes daqueles que não pertencem a esse grupo não são consideradas. O problema é que o discurso é uma maneira ampla e cotidiana de se debater o poder, que nem todos têm.

Angélica diz: “Nosso discurso ainda é muito de resistência, precisamos resistir, precisamos existir. Quando você resiste, você legitima uma força maior que te oprime. Nós não estamos pautando essa relação de poder no lugar de poder, mas sim do de resistir.” Os negros diariamente têm sua voz calada, seja pela oportunidade que eles não têm ou pelo espaço que eles não têm chance de ocupar. Seu lugar de fala é seu lugar social, onde está seu poder dentro da estrutura.

“Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista”, afirma Angela Davis, filósofa, escritora, professora e ativista estadunidense. Da ideologia do antirracismo, surge o lugar de fala, pois ela incentiva o branco a ter consciência da sociedade de que ele faz parte. Isso começa com o reconhecimento do privilégio que a mulher e, principalmente, o homem branco possuem dentro de uma sociedade racista. A ideia de que suas posições são universais deve ser abandonada.

No entanto, isso de forma alguma significa que o branco não pode falar sobre temas raciais. Pelo contrário, o papel do branco é apontar e denunciar o seu lugar de privilégio, pois quem está inserido nessa posição social é quem pode ter consciência de seu funcionamento e do seu poder de fala.

Outra discussão importante para que se entenda a luta antirracista é o conceito de representatividade, muito confundido com o lugar de fala, mas completamente diferentes entre si. Djamila Ribeiro, filósofa, feminista negra, escritora e acadêmica brasileira, diz: “A representatividade é importante, porque não basta ser mulher e mulher negra, mas tem que estar comprometida com as questões, e eu estou. Comprometida com as pautas feministas, com a questão racial, com a agenda dos direitos humanos no Brasil”. Esse conceito nada mais é que os interesses de um grupo social expressados por um indivíduo.

O lugar de fala de uma pessoa branca vai até o ponto de encontro com a representatividade. A partir do momento em que um conceito se torna o outro, o branco já não está mais no seu lugar de fala. É preciso que a sociedade entenda que só quem faz parte de um determinado grupo social pode representá-lo, por isso, a partir do momento que o lugar de fala se torna a representação de um grupo social que não pertence ao indivíduo que está discursando, esse já ultrapassou sua barreira. Angélica discute a questão da fala como lugar: “Mais do que lugar de fala, que todo mundo tem, em quais espaços você vai falar? A sua fala será representativa para uma comunidade e vai conseguir emancipar pessoas?”.

Segundo o IBGE, a população preta representa 70% do grupo abaixo da pobreza. Mais um dado que reflete as faltas de oportunidade e acesso aos direitos básicos do ser humano. Daí a importância de negros ocuparem esses espaços de empoderamento e valorização da sua cultura.

O Carnaval é resistência e conhecimento de uma história, que em sua maioria foi construída por figuras e personagens pretos. Sendo assim, a importância da representatividade e, acima de tudo, o lugar de fala que alguém preto ocupar o cargo de carnavalesco gera, representa a essência do Carnaval.

A folia, as lembranças de um povo que sofreu tanto e merece ter sua história contada, exibida e destacada dentro de um evento com tanta visibilidade como o Carnaval possui. Até porque todo o processo exige muito esforço e uma força de trabalho, de esmagadora maioria negra.

4.    O chão da escola de samba é preto

                                 Foto: Fernanda Delgado
Mestre sala e porta-bandeira da Nenê de Vila Matilde no ensaio

A convite do carnavalesco Fábio Gouveia, nossa equipe de reportagem foi visitar a quadra da Nenê de Vila Matilde, que fica na região do bairro da Vila Matilde, zona leste de São Paulo, para acompanhar um ensaio. Já era noite do dia 3 de abril e não conhecíamos o lugar, por isso, não tínhamos certeza se estávamos no caminho certo. A dúvida começou a ser respondida conforme fomos nos aproximando. Ainda não se ouvia música.

Várias pessoas de azul e branco começaram a passar pelo carro usado pela equipe e descer a rua à direita da praça, que é o caminho feito pelos carros que chegam. Do topo dessa rua, já era possível ver o extenso muro de cores que combinavam com as roupas das pessoas, que cada vez mais preenchiam a rua e obrigavam o motorista a diminuir a velocidade da descida. Começamos a identificar o batuque e a música. Com isso nos perguntamos, será que o ensaio já começou?

Quando saímos do carro, atraímos alguns olhares, mas nada demais, aquele espaço é democrático e está acostumado a receber “pessoas de fora”. Logo na entrada, o segurança, desconfiado, gritou ao pé do ouvido de uma das repórteres, perguntou algo, que assim como a resposta, se perdeu em meio ao som do samba que já tomava conta do lugar.

Mesmo assim, conseguiram se entender e ele liberou nossa entrada com simpatia. Logo à direita, estava uma das paredes da loja da escola, que contava com os mais diversos produtos: canecas, camisetas, bonés, entre outros, tudo com a tradicional águia estampada sobre as cores características da escola.

Seguindo o caminho, subimos uma rampa e logo à nossa frente estava o motivo da música alta: uma roda de samba que cantava sucessos, não só da escola, mas de outros músicos consagrados. Pandeiro, surdo, repique de mão, rebolo e cavaquinho guiavam o movimento rápido dos pés de famílias, amigos, crianças, idosos e, principalmente, passistas. Havia outros mais preguiçosos, que curtiam sentados, tomando cerveja.

Ouvíamos “Salve o manto azul e branco/ Salve a santa, salve ela/ Vila Matilde hoje é Portela/ É o lado leste cantando assim/ A majestade do samba chegou (…)”. O samba-enredo de 2019, que lhes rendeu o terceiro lugar na classificação das escolas do grupo de Acesso I, faz menção à Portela, a maior campeã do Carnaval do Rio de Janeiro. É considerada a madrinha da Nenê, ou seja, foi ela que abençoou a escola da Vila Matilde quando foi criada. Por isso, as duas compartilham o azul e branco e a águia como símbolo.

Depois de um tempo, fomos totalmente contagiados pela euforia do lugar. Era difícil nos comunicarmos uns com os outros sobre nossas primeiras impressões. A música estava muito alta e não conseguíamos nos ouvir, mas o olhar de cada um revelava tudo: era nítido o encanto e impacto causados, em poucos minutos, pela atmosfera do lugar.

Subimos outra rampa à esquerda e ficamos em um nível acima do piso de onde acontecia a festa. Ao fundo, ficava o palco, enfeitado na parte de cima com uma espécie de banner com fundo azul e detalhes em dourado. Nele, estava desenhada uma águia de mesma cor segurando uma flâmula com “Theatro Nenê” escrito.

                                                              Foto: Eduardo Fabrício
Barracão da Nenê de Vila Matilde durante ensaio

Embaixo, logo na frente do palco, os instrumentos da bateria já estavam posicionados em seus lugares e protegidos por um gradil, normalmente usado para separar filas. Já havia algumas pessoas preparando a parte técnica de som e organizando os últimos detalhes para que o ensaio pudesse começar.

Passados alguns minutos, vários integrantes da escola começaram a migrar da roda de samba para o palco e em direção aos instrumentos. O gradil foi retirado e eles começaram a se preparar, pendurando as correias que sustentavam os instrumentos junto ao corpo. Com todos prontos, foi anunciado no microfone que a primeira roda poderia parar.

Quando todos se concentraram na frente do palco, foi a primeira vez que percebemos que éramos a minoria. Até então, não tínhamos nos atentado que todas as pessoas por quem passamos, desde o segurança, músicos e passistas, eram negros. Assim como grande parte das pessoas que assistiam e integravam a escola.

Estar vivendo aquela realidade nos fez voltar à fala de Fábio durante nossa entrevista. “O chão da escola de samba é preto”. Isso nos fez prestar atenção a um fato curioso. Quem discursava e pedia o apoio da comunidade para as últimas duas semanas antes do desfile era o presidente da escola, branco.

Depois dele, o carnavalesco e outros integrantes também falaram. Então o ensaio começou. Estávamos no chamado ensaio de rua, aquele que acontece na quadra da própria escola, diferente do ensaio técnico, que é no sambódromo. Ao sinal do mestre de bateria, cada grupo de instrumentos entrava no ritmo, sem comprometer a tamanha sincronia.

O entrosamento era tanto que não precisavam sequer se entreolharem, tampouco olhar para o mestre, que fazia sinais tal qual um maestro de uma orquestra, orquestra do samba. Nesse momento, decidimos subir para um dos dois mezaninos que ficam nas laterais da quadra, para ter uma visão de cima.

Até então, a bateria apenas tocava um ritmo genérico, como se estivesse se aquecendo, e o cantor convocava a escola para o ensaio. Em uma pausa dos instrumentos, a plateia começou a se dividir em duas filas nas laterais, uma de frente para a outra, deixando o meio da quadra livre.

Foi quando o samba-enredo começou. A bateria começou a tocar Narciso negro, e o cantor, a letra. “O Negro é amor/ Negro é capaz, é capaz./ O negro é lindo, evoluindo/ Sempre mais”. Enquanto isso, começaram a entrar as alas e integrantes do desfile.

A velha guarda e as baianas, com as tradicionais roupas brancas com detalhes em azul, se posicionaram lado a lado. São as alas com os componentes mais tradicionais da escola, todos que entraram a partir dali as reverenciavam antes de começar a dançar.

“É manhã/ Vindos da África/ Exportados sem querer/ A negritude está em festa/ ‘Nenê’, sou mais você”.

Como foi o caso dos três casais de mestre-sala e porta-bandeira. O primeiro mestre-sala vestia terno e chapéu dourados, com sapatos brancos de bico fino. A mulher usava um vestido branco, com detalhes em dourado no colo, assim como os acessórios nas mãos, braços e cabelo. Ela era responsável por carregar a bandeira principal da escola. Branca com borda dourada e uma cruz formada por duas faixas azuis, com o logo posicionado no centro.

“Sou negro, sou arte/ O estandarte do Carnaval/ Sou baluarte da cultura nacional”.

O segundo casal vestia azul. Ela um vestido rodado do tom da escola e ele um terno em um tom um pouco mais escuro. Levavam uma bandeira semelhante à primeira, porém, com faixas que se cruzavam na diagonal, formando um “X”. Por fim, o último casal tinha o enredo Narciso Negro estampado em sua bandeira. Ele vestia terno completamente branco e ela um vestido amarelo gema.

“Hoje o negro sim/ No esporte,/ Na cultura e religião/ É o orgulho/ Deste mundo inteiro/ Ademar foi o primeiro/ Rei Pelé, eterno campeão/ Musicalmente temos luz/ Salve Clementina de Jesus”.

Por fim, a rainha de bateria entrou, com uma roupa que se destacava no meio das outras. Um macacão, bem justo ao corpo, com recortes e estampa, ao estilo animal print, de onça. Antes de qualquer coisa, assim como todos os outros, ela fez referência às baianas e à velha guarda.

“Um canto livre ecoa pelo ar/ Vaidosa, minha “Vila” vai passar/ No lago da reflexão/ Espalhando a miscigenação/ É tão sublime, é divinal/ Com sutileza/ Fiz valer meu ideal”.

Com todos em seus lugares e o samba tocando, os casais de mestre-sala e porta-bandeira e a rainha de bateria começaram a dançar, sambando, girando e saudando todos que assistiam. É importante destacar que os sete eram negros e cantavam o samba com força e orgulho, batendo no peito com um sorriso no rosto, de braços abertos, como se estivessem abraçando e se energizando das vozes dos que cantavam do mezanino e piso inferior.

A exemplo de seus casais e destaque, o ensaio da Nenê conta com uma esmagadora maioria preta: a cada dez pessoas, oito são negras. A cena de toda a escola, em sintonia, regida pelo samba-enredo e batuque da bateria foi a confirmação da nossa investigação jornalística, que até então se resumia à fria e distante tela do computador. O trabalho de campo nos colocou dentro de uma das mais tradicionais escolas de São Paulo, uma das poucas que ainda tem um negro como carnavalesco, que representa a morada e resistência de sua cultura pelo samba e reafirma o que eles estavam nos dizendo a todo tempo desde que chegamos: “O negro é amor”.

  

 5.    Essa história não é nossa

 FÁBIO

                            Foto: Reprodução Instagram @_fabiogouveia
Fábio Gouveia, carnavalesco da Nenê de Vila Matilde

 “O samba vem dos batuques de Pirapora, o samba vem dos batuques da Senzala, os batuques lá do recôncavo da Bahia. O samba é um produto de resistência, e eu, enquanto carnavalesco e preto, sempre vou dizer. Nosso maior trunfo é a resistência, e eu vou estar sempre resistindo, e sempre que eu puder eu vou estar falando do meu povo, da minha gente, e me mostrando sempre à frente de um projeto que é nosso”.

Esse é Fábio Gouveia, 39, carnavalesco negro da escola Nenê de Vila Matilde, que sempre trabalhou e esteve envolvido com arte. Mas sua história com o Carnaval começou por acaso. Há 21 anos, o então cenografista das Noites do Terror do Playcenter recebeu o convite de um amigo do Carnaval que mudaria sua vida para sempre: conhecer um barracão de escola de samba.

Fábio, até então, nunca tinha tido a experiência de ver o dia a dia de uma escola de samba de perto e jamais imaginava que, um dia, poderia se tornar carnavalesco de uma. Mas o destino surpreende: foi parar no barracão da Nenê, fazendo parte da equipe de aderecistas e mais tarde, tomou o cargo que tem hoje. Lá se vão 15 anos de Carnaval.

Hoje, o carnavalesco luta para que a festa continue sendo “coisa de gente preta”. “Já ouvi de dirigentes que ‘Ah, isso aí é coisa de nego veio, Carnaval não é mais isso, isso aí ficou pro passado’. Não, amigo, Isso é coisa de preto, isso é coisa do meu povo. O Carnaval é uma herança cultural desses homens e mulheres que foram escravizados e trazidos para o Brasil.”

A resistência nasceu, cresceu e acompanha o Carnaval desde que chegou com as caravelas e enfim achou um lar. Fábio Gouveia é a luta pela preservação da herança preta, em uma indústria comandada por brancos.  “A essência, o batuque, o tambor, a energia vem de nós, vem do nosso povo, do nosso chão, do nosso terreiro.” Fábio Gouveia é um dos 14 carnavalescos negros que participou do Carnaval em 2022.

 HIGOR

                                                Foto: Reprodução Instagram @fcaioreis
Higor Silva, presidente e mestre de bateria mestre de bateria da Acadêmicos do Tatuapé

“É algo que vem de família, realmente”

Higor Silva é presidente e, desde 2011, mestre de bateria da Acadêmicos do Tatuapé. O carnavalesco começou sua trajetória no mundo do samba ainda criança, muito novo, com 7 ou 8 anos, como ele mesmo comenta.  Tendo todas as suas raízes no samba, ainda pequeno via a escola de samba de sua família, a Flor da Penha – no bairro da Penha, em São Paulo – foi assim que o amor pelo samba e pelo Carnaval surgiram em Higor.

Foi quando, ainda criança, o até então apenas entusiasta da festividade entrou para a Nenê de Vila Matilde. Já em 1995, ainda jovem, o ritmista migrou para a Acadêmicos do Tatuapé, escola também localizada na zona leste de São Paulo, onde está até hoje. Ele, junto de mais cinco pessoas, é presidente da escola. Também atua como mestre de bateria há 11 anos.

“A partir do momento que a gente se dedica as coisas começam a acontecer”

Higor não esconde a exaltação de ser presidente da escola, porém não nega que tudo veio com muito suor e trabalho árduo. Com orgulho de fazer parte dessa história estampado na voz, o mestre de bateria declara: “Nós decidimos mudar o estatuto da escola. Ia ter eleição agora e decidimos por fazer isso”, e completa, como quem sabe que faz um bom trabalho, dizendo que por pura dedicação e esforço está onde está, “É isso que vem acontecendo comigo”, diz o entrevistado.

“Somos todos sambistas”

No entanto, na contramão do que geralmente outros sambistas negros pensariam, Higor acredita que o a falta de negros em cargos de destaque nas escolas não é reflexo do racismo na sociedade. Para o presidente da Acadêmicos do Tatuapé, apesar de não haver muitos negros presidentes ou carnavalescos, o povo preto está presente em outro setor igualmente importante da festividade. “Eu acho que não consigo dividir muito essa questão de raça, de cor, pro sambista. O sambista é sambista independente da sua cor”, comenta Higor.

Além disso, o presidente ainda discorre que o Carnaval já se tornou algo comercializado há muito tempo. Dessa forma, é até anacrônico pensar que, onde há todo tipo de etnia lutando por um bem maior, há racismo. Higor encerra comentando sobre a quantidade de pessoas pretas trabalhando nas equipes musicais.

“Reverenciando nossos negros, nossa velha guarda”

Higor ainda diz que a Acadêmicos do Tatuapé é muito ligada às suas origens. O samba-enredo do Carnaval de 2022 foi a história do café contada por preto velho, como conta o sambista. Segundo ele, a escola sempre reverenciou, reverencia e reverenciará seus antepassados, seus negros, sua velha guarda.

ANGÉLICA

                                   Foto: Reprodução Instagram @rodrigo_alcantara_art
Angélica Ferrarez, historiadora e jurada do Estandarte de Ouro, da Rede Globo

“O samba organizou a vida de uma comunidade”.

Angélica Ferrarez, 39, historiadora e jurada do prêmio Estandarte de Ouro, do O Globo, nasceu em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. De seu tempo de infância, ela recorda que a musicalidade negra fazia parte de sua vida desde pequena: “Eu lembro de ouvir muito samba e muita MPB, como Djavan e Gal Costa, com a minha mãe”. Angélica enxerga que isso que compôs sua conexão com a música negra e, mais importante, com o berço ancestral da comunidade negra.

Quando criança, começou a frequentar a escola de samba Unidos da Ponte, localizada na zona norte do Rio. A escola, naquela época, serviu como uma “instituição” para toda a comunidade do entorno, causando uma “sensação de pertencimento, de cidadania”. A partir daí, Angélica passa a compreender o samba e o Carnaval para além da música e além da arte, e vê o quanto há de político e institucional nele.

“O Carnaval é um espelho da sociedade, do que está acontecendo”.

Ademais, a historiadora considera que com o tempo o Carnaval passou a ser apropriado. Algo que ocorreu justamente com a entrada de carnavalescos brancos nas escolas de samba. Mas, vale a pena refletir enquanto comunidade negra, o que será feito diante disso. “Você tem um monte querendo sentar na sua cadeira. Você vai sair ou você vai resistir e batalhar? E trabalhar pra poder manter ali a sua cadeira?”.

A apropriação do Carnaval e do samba pelos brancos não é algo novo. A maior parte da cultura negra é apropriada por gente branca, pois, do ponto de vista de Angélica, além dos produtos negros serem incríveis, também são muito rentáveis.

Além disso, o fato de pessoas negras não estarem mais ocupando tantos cargos de carnavalescos se deve a um reflexo da sociedade. “Pensar o lugar do carnavalesco e pensar que não existe mulher negra dentro desse universo do Carnaval é pensar que isso é um reflexo social”.

“As tradições vão sendo reinventadas”.

Antigamente, era um espetáculo de rua que envolvia rivalidades. O “grande barato” era um bloco roubar a bandeira do outro. Por isso, a ala das baianas costumava ser composta por homens com saias navalhadas, que tinham o trabalho de proteger a bandeira. Contudo, com o tempo, a ala das baianas foi perdendo a rivalidade e foi se tornando mais feminina. “Desde que surge um lugar dos jurados, o Carnaval passa a ser espetacularizado”.

O Carnaval de rua começa a dar lugar a um Carnaval espetáculo, exibição. Ele passa a ser tão glamourizado que deixa de estar dentro da cultura, e passa a estar dentro do turismo. “Quando você vai ver a organização do Carnaval, a genialidade dos carros alegóricos, ali você tem um espetáculo de arte completo, a música e a dança”.

Isso faz com que essa passe a ser a imagem do Brasil como um todo. O País do Carnaval. Passa a se projetar no Brasil essa imagem do samba e da festa, começa-se a espetacularizar e profissionalizar a festa. “Venha ao Brasil que você terá a experiência do Carnaval!”.

 SIDNEI

                  Foto: Instagram Reprodução @sidney_franca
Sidnei França, historiador e carnavalesco da Águias de Ouro

A história de Sidnei está diretamente ligada ao lugar onde nasceu e vive até hoje, o bairro da Casa Verde, zona norte de São Paulo. A Casa Verde fica ao lado da Barra Funda e Santana. É inclusive na divisa do bairro com Santana onde está o Sambódromo do Anhembi, palco do samba paulista. Por sua localização, historicamente, a Casa Verde é um bairro boêmio, antigo e de muitas escolas de samba.

Embora hoje, segundo Sidnei, o bairro tenha sofrido um processo muito forte de descaracterização da cultura negra, a Casa Verde sempre teve muitos negros. Isso faz com que elementos da cultura negra, como o samba, estejam presentes até hoje. “Eu sou uma pessoa nascida nesse bairro, então eu herdei (essa vivência do samba). E quando eu falo ‘herdei’ não é uma metáfora para falar sobre, é literal. Meus tios, minha mãe, frequentavam escolas de samba”.

A nova responsabilidade não fez com que a jovem mãe, de 16 anos,  se afastasse das quadras e escolas. “Ela não deixou a paixão pelas escolas de samba. Então o que ela fazia ao invés dela ficar em casa comigo? Me levava para o Carnaval”.

Essa história começou na Mocidade Alegre, que fica na divisa entre Casa Verde e bairro do Limão. A escola de samba ajudou a jovem a criar seu filho. “A minha noção de ética, de cidadania, de respeito aos mais velhos, foi tudo formado dentro da escola de samba Mocidade Alegre. Muito do que eu tenho até hoje na minha vida, o que eu tenho de noção de respeito aos mais velhos, é porque a escola de samba é um lugar de muito respeito”.

Mesmo com toda essa influência, Sidnei chegou na universidade sem certeza de qual profissão seguir. Concluiu o curso de Economia na Mackenzie pela necessidade e importância de um diploma para quem vem de uma família com poucos recursos. Como sempre gostou de arte, quando terminou a faculdade passou a se envolver mais com a escola onde cresceu, a ponto de se tornar carnavalesco.

Com o novo cargo, decidiu fazer faculdade de História. “Eu fiz História, porque o carnavalesco monta o desfile da escola de samba para poder narrar. Você tem que ter uma linha de pensamento para você montar o roteiro do desfile da escola de samba”.

Como profissional, passou a ser contratado por outras escolas, fazer outros trabalhos e saiu da Mocidade. “É a minha escola do coração até hoje, porque a escola que me formou, mas eu me tornei um profissional. É  igual ao técnico de time de futebol”. Desde então, o garoto que passou pela ala das crianças, ala dos jovens, ala de adultos, diretor cultural (quem cuida da memória do acervo, das fotos, dos vídeos, de tudo o que cria identidade de uma escola de samba) e carnavalesco, precisou girar a chave, de um apaixonado para um profissional do Carnaval.

  6.    “Nenê de Vila Matilde… nota… dez.”

 

                                                               Foto: Reprodução Facebook
Mestre-sala e porta-bandeira da Nenê de Vila Matilde no desfile de 2022

Depois de passarem por oito quesitos de avaliação, 31 jurados, Nenê de Vila Matilde, Unidos do Peruche e Torcida Jovem formam o pódio até o momento, as pontuações estão muito próximas, e Nenê lidera por décimos. O futuro da escola está nas mãos do último jurado, o jurado número quatro do quesito, que por ironia do destino, julga a primeira ala a entrar na avenida, a comissão de frente. Assim como nossa reportagem, a apuração começa pelo fim.

O grupo de Acesso II, para escolas menores, representa só o começo de uma ascensão. Para a Nenê de Vila Matilde, é incômodo, não faz jus à tradicional e histórica escola, fundada por seu Nenê, em 1º de janeiro de 1949. Durante a entrevista com Fábio e a visita à quadra, era perceptível, tanto na fala dos integrantes quanto no comportamento geral, que a Nenê não pertence a esse lugar.

Esse Carnaval é o início de uma reconstrução, que tem por objetivo colocar a escola rumo ao mais alto escalão. Algo visto no dia 26 de abril, dia da apuração do desfile das escolas do grupo de acesso II. Nesta data, Fábio, juntamente com todos os outros integrantes da Nenê, estavam cheios de esperança.

A primeira categoria avaliada é a Harmonia. Eles começam com o pé direito, e recebem o total de 30 pontos nesse quesito. Mestre-sala e porta-bandeira, 30 também, assim como enredo e evolução. No ranking geral, até o momento, estão em terceiro lugar, 120 pontos. Bateria, 30 pontos, somando 150 e subindo para o segundo lugar da avaliação geral. Nos próximos dois quesitos, fantasia e alegoria, receberam 30 pontos também. São 210 pontos somados, que o posicionam em primeiro lugar. Samba: 29,9. Coração na mão.

Voltamos para o último quesito. O último jurado dá nota dez para quatro das seis escolas que vêm antes, até aí, pouco importa para a Nenê. A única nota que interessa para eles vai ser a próxima, da Torcida Jovem, que recebe um dez e assume a liderança.

Nos integrantes que assistiam ao desfile, pôde-se ver as mais diversas reações à ansiedade. Alguns com uma postura que aparenta tranquilidade, outros não conseguem nem ver e cobrem os olhos com as mãos. Há um responsável por fazer as contas, depois do dez da Torcida Jovem, ele larga sua função, sabe que precisam do dez para serem campeões sem mais tensão.

A voz grossa anuncia: “Unidos de Vila Matilde… nota… dez!”

Choro, alegria, e até alguns xingamentos escapam na hora da comemoração. “Vamo que vamo, porra, nós somos a Nenê de Vila Matilde”. Tudo é válido para extravasar a angústia da última hora e principalmente para mostrar o alívio de saber que todo o trabalho ao longo desses dois anos foram recompensados.

Representar a cultura negra, reviver a tradição, recuperando um samba histórico da Nenê de Vila Matilde e conquistar o primeiro lugar no grupo de Acesso II, tendo um negro como carnavalesco, reafirma o samba que embalou essa reconstrução: “O negro é amor, o negro é capaz, o negro é lindo, evoluindo sempre mais”.

 * Os alunos Eduardo Fabrício, Fernanda Delgado, Gabriella Figueiredo, Isabelle Gregorini e Pedro Cohem produziram este texto na disciplina de Grande Reportagem, sob orientação do professor Antonio Rocha Filho.

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