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Edição 21 - Os 100 anos Semana de 22 Entrevistas Plural

“Os modernistas frequentavam a minha casa”

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João Candido Portinari relembra a experiência de seu pai com os artistas que participaram da Semana de Arte Moderna de 1922

Manuela Margini

João Cândido Portinari, filho de Cândido Portinari, tem 83 anos e é professor, escritor, fundador e diretor-geral do Projeto Portinari. Ele nos contou sobre a história profissional e pessoal de seu pai.
Cândido Portinari nasceu no ano de 1903 em Brodowski, São Paulo. Ele foi um pintor e poeta brasileiro que tinha como principal tema o ser humano. Em suas obras, as pautas sociais e as minorias eram sempre representadas. Falando de seu lado pessoal, Portinari sempre conviveu com diversos modernistas. Um deles era Mário de Andrade, que viu a tela do retrato de Manuel Bandeira, feito por Cândido, e se impressionou com a obra. Mário ainda dizia que foi ele que descobriu o artista.
A história e o legado de Cândido Portinari são lembrados até os dias de hoje devido ao esforço de seu filho para que o artista não caia em esquecimento, como os outros de sua época. Para isso, João Cândido, filho do artista, decidiu criar o Projeto Portinari após saber que 95% de suas obras eram inacessíveis para o público. Além de reunir todas as obras, João também resolveu ressaltar a brasilidade presente nelas e trazê-las para mais perto das crianças e adolescentes, mostrando uma face sociocultural do Projeto.
O Projeto Portinari realizou a restauração da principal obra de Portinari, os painéis Guerra e Paz, presentes na sede da ONU nos Estados Unidos. A restauração foi feita no Brasil, em um ateliê aberto para o público, principalmente para crianças e adolescentes, para aproximá-los ainda mais do artista.
João ainda contou à Plural algo inédito: os painéis Guerra e Paz foram emprestados, novamente, para o Projeto Portinari, para serem levados a para a Itália e a China, com o mesmo intuito do ateliê, mostrar ao público o legado de Portinari.

Seu pai viveu a adolescência na época da Semana de Arte Moderna, você acredita que o seu estilo teve influência dos artistas que participaram da Semana de 22?
As coisas naquela época levavam muito tempo, as distâncias eram muito maiores. São Paulo ao Rio era como hoje do Rio até a China. Alguma coisa que acontecesse em São Paulo ia demorar algum tempo para ter uma repercussão no Rio de Janeiro. O centro cultural do Brasil na época era o Rio de Janeiro, que era capital. São Paulo ainda era muito provinciana. Havia uma elite, formada pelo Oswaldo de Andrade, pela Tarsila, pelo próprio Mário de Andrade, o Graça Aranha. Era uma elite basicamente paulista, que tinha pouca entrada no Rio de Janeiro, muito pouco contato naquela época. Na verdade, em 1931, no Rio de Janeiro, a Escola Nacional de Belas Artes promoveu o salão revolucionário também chamado de Salão Lúcio Costa. E foi nesse momento que Portinari se encontrou com Mário de Andrade. Tem um texto belíssimo do Mário de Andrade que ele conta que ele pegou os 500 quilômetros de São Paulo ao Rio e foi para o salão revolucionário. Chegando lá ele viu duas telas que o impressionaram muito. Uma era o retrato de Manuel Bandeira, feito por Portinari. E o outro era um violinista chamado Oscar Nordeste, que era amigo de meu pai,que também é um retrato de Portinari. E aí o Mário diz que ele ficou tão fascinado que ele perguntou quem é que pintou isso. E aí ele conta, é uma delícia. Ele contando, com aquela linguagem dele, que ele tinha orgulho de ter sido o primeiro a descobrir o talento daquele jovem e desconhecido artista.

Como era a relação do seu pai com os modernistas?
Tem um depoimento do Carlos Drummond de Andrade em que ele diz que Portinari era muito mais amigo dos poetas do que dos outros artistas. Basta dizer que ele fez o retrato de Manuel Bandeira, de Felipe de Oliveira, de Adalgisa Neris, de Dante Milanos, de Jorge de Lima. Mas Portinari também teve uma relação, por exemplo, com Di Cavalcanti. Os dois moravam no Rio de Janeiro, os dois eram modernos. Mas não eram tão próximos. Talvez o pintor que ele se sentisse mais próximo e que ele mais admirava era o Alberto da Veiga Guignard.

Sobre os painéis de Guerra e Paz que foram feitos para a sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York, ele teve essa ideia de fazer um painel com cada tema?
Nada poderia estar mais atual do que o Guerra e Paz. Quando acabou a Segunda Guerra Mundial, 50 países se reuniram e criaram a ONU, a Organização das Nações Unidas. E aí o primeiro secretário-geral da ONU era um norueguês. E a Noruega é um país tradicionalmente voltado para paz. Ele fez um apelo a todas as nações membros para que cada uma doasse uma obra de arte para nova sede da ONU, em Nova York, uma obra de arte que pudesse testemunhar a cultura, a arte daquele país. Cada país foi escolhendo o seu artista. E o Brasil escolheu Portinari e deu a ele o elenco de temas. E entre esses temas estavam guerra e paz, que é o tema da vida dele, é o tema da vida toda dele. Contra a violência, contra a injustiça, contra as desigualdades. Ele passou quatro anos fazendo só estudos preparatórios. Fez mais de 200 estudos. E em nove meses ele pintou aqueles dois gigantes. Ele considerava a obra definitiva, a obra máxima. Aquilo que faz a síntese de tudo que ele quis expressar durante a durante a vida dele.

Ele se frustrou ao saber que não poderia ver o painel instalado na sede, devido ao fato de o visto ter sido negado?
Claro, com certeza. A ONU é um território internacional. Mas acontece que a ONU está dentro dos Estados Unidos. Então para você ir à ONU você tem que ter o visto americano. E os americanos naquela época estavam na guerra fria, numa perseguição tremenda à esquerda ou qualquer coisa que pudesse lembrar a esquerda. Portinari era um artista de esquerda. Então o que que aconteceu? Eles exigiram para dar o visto que Portinari declarasse que não era comunista. Ele naturalmente disse que não declarava coisa nenhuma e não teve o visto. Morreu sem a emoção de ver os seus painéis instalados lá.

Como foi para você essa restauração do painel e o seu retorno para a sede? Você já tinha visto antes lá na sede? O que você sentiu? Por que realizar a restauração em um ateliê aberto? O Projeto Portinari acompanhou esse processo?
Essa foi uma das maiores emoções da minha vida. Quando eu vi Guerra e Paz pela primeira vez, eu tinha 16 anos. Foi no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Porque antes de os painéis serem embarcados para os Estados Unidos, houve um grande clamor no Brasil para que fosse dada uma chance para que os brasileiros pudessem vê-los. Então o presidente Juscelino Kubitschek fez com que eles fossem expostos no Theatro Municipal. O Carlos Drummond de Andrade tem uma crônica sobre isso. Ele se inspirou em uma matéria que dizia: “Agora eles irão irremediavelmente para a ONU”.

Como começaram as negociações para trazer Guerra e Paz ao Brasil?
O ano de 2002 marcou a véspera do ano do centenário de nascimento de meu pai. Ele nasceu em 1903. Em 2002 eu fui lá para os Estados Unidos tentar ver como é que a gente poderia celebrar isso. Eu tinha a ideia de fazer junto aos painéis, colocar os estudos preparatórios. Só que eu não contava com uma coisa. Com a tragédia que tinha ocorrido um ano antes, em 2001, nas torres gêmeas, em Nova York. Então, as normas de segurança da ONU eram tão severas que você não podia nem pensar em colocar um grão de arroz na parede. E foi uma viagem absolutamente frustrante, que eu tive que voltar de mãos abanando, não consegui nada. Foram passando os anos, quando chegou 2007, era o cinquentenário da instalação dos painéis. Aí eu fui convidado pelo presidente Lula para ir com ele.

Como isso se consolidou?
Eu tive conhecimento que a ONU iria passar por uma reforma muito profunda, que ia durar vários anos e que as obras de artes teriam que ser retiradas. Falei, olha, está aí a chance que eu venho esperando todos esses anos. E aí começou o que nós chamamos de projeto Guerra e Paz. A ONU nos deu a guarda de Guerra e Paz por seis anos e uma das condições era o restauro. A condição era restaurar no Brasil. Aí nós formamos uma equipe de 18 brasileiros restauradores, chefiados por dois professores da UFRJ. Nós fizemos um ateliê aberto. A gente recebia crianças todos os dias durante quatro meses. A gente montou umas oficinas de físico-química para mostrar como é que se restaurava uma grande obra de arte. Todos os recursos tecnológicos. E foi uma coisa impressionante.

O Projeto Portinari acompanhou todo esse trabalho?
Sim, fomos nós que fizemos. Nós que promovemos tudo isso. A inauguração foi no Palácio Gustavo Capanema, que é um lugar também dramático da arte moderna, é o marco da arte da arquitetura moderna do Rio de Janeiro. Ali trabalharam Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Burle Marx. Você tinha escultores, pintores, arquitetos, paisagistas trabalhando juntos ali.

Qual foi o motivo da criação do Projeto Portinari? Qual o seu objetivo?
Em 1979, quando nós começamos, o Brasil estava saindo da ditadura militar. Começava a surgir um movimento em todas as áreas no sentido de recontar a nossa história, de resgatar um pouco para onde é mesmo que a gente ia antes de entrar nesse período. E o Projeto Portinari surge no bojo desse grande movimento.

Como era a sua relação com o seu pai? Você se interessava pelas pinturas dele? Você teve vontade de seguir no ramo artístico?
A relação era uma relação de uma imensa ternura. Eu quando vejo as fotos, estou sempre no ombro, nas costas, no colo, na cabeça dele. Impressionante quando ele foi fazer a exposição no Moma (Museu de Arte Moderna), em Nova York, em 1940, eu tinha um ano, e estava ali presente em qualquer lugar que ele estivesse, sempre junto dele. É claro que quando eu fiquei adolescente, eu bati de frente com ele algumas vezes e acabei saindo de casa com 18 anos, nunca mais voltei. Eu fui para a Europa estudar, mas isso não interferiu no amor que havia entre nós. Eu tenho as cartas que a gente trocava depois das visitas que ele me fazia lá ou que eu fazia para ele aqui. Esse grande amor, essa grande admiração recíproca. Eu não entendia muito bem o que ele significava, o que ele era e aquelas pessoas que frequentavam a minha casa. Mário de Andrade, Manuel Bandeira, essa gente.

Como foi a experiência com essa exposição virtual, sobre o Portinari, feita pelo Google?
Isso aí é uma coisa também que é um outro sonho. Que é você fazer a coisa interdisciplinar. O projeto Portinari na PUC, devido à minha origem, virou uma espécie de ponte entre as atividades de arte e cultura e as atividades de ciência e tecnologia. Você pode fazer por exemplo essa parceria com o Google que você mencionou em primeiro lugar e você poder ter esse museu virtual que a gente criou lá dentro. O site deles é uma coisa deslumbrante para nós.

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