Ator Pascoal da Conceição revive Dr. Abobrinha em seus passeios pelo bairro
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Passear com uma cachorra vira-lata, ir à padaria ou até à Cinemateca Brasileira e passar despercebido não é o que acontece com Pascoal da Conceição. Nascido em 09 de outubro de 1953, o ator é reconhecido por conta de atuações no teatro, na televisão e no cinema. O personagem Dr. Abobrinha, do programa infantil Castelo Rá-Tim-Bum, exibido no canal Cultura, é um dos mais lembrados.
A brincadeira de ser ator começou cedo. Quando criança, interpretava um padre e pedia para as duas irmãs, Sueli e Clélia, serem as fiéis. Com o tempo, a habilidade de criar personagens com diferentes características era visível aos olhos dos familiares.
Na escola, como tinha vozeirão, lia poemas em datas especiais. “Naquela época, não tinha microfone, e eu declamava poemas no dia Sete de Setembro e outros eventos”. O ator não se esquece do poema que escreveu e decorou para os professores.
Durante a construção da vida artística, Conceição e os companheiros de palco enfrentaram momentos difíceis. O ator relembra que, em meados dos anos 1970, o Brasil industrializava-se. “Fabricas, escritórios e indústrias eram os meios de trabalho mais importantes da época. Enquanto isso, outros talentos eram desperdiçados e artistas eram marginalizados. Isso levou a muitos de nós a seguirem ao acaso. Os ricos tiveram sorte, mas eu fui desfavorecido pelo ambiente”, desabafa.
O artista largou o palco para viver personagens reais em sua vida: praticou jornalismo no jornal Gazeta da Vila Prudente, trabalhou no Banco do Brasil, foi office boy e participou de programas da BBC fazendo locuções e dublagem.
Rá-Tim-Bum
Gravado entre 1992 e 1994 e exibido a partir de 1994 com transmissão original até 1997, o Castelo Rá-Tim-Bum é uma série infantil com intuito educativo. Explora o lúdico e o ambiente construído com fantasias para montar uma imaginação fabular na mente da criança.
O papel de vilão surgiu de repente. Ao acompanhar um amigo para o teste do programa, tentou interpretar o Dr. Vitor – tio do personagem principal, o Nino. Porém, Cao Hamburguer, diretor do programa, percebeu em Conceição o perfil para protagonizar o Dr. Abobrinha. “Eu estava careca e isso ajudaria nos disfarces do personagem, além de me deixar com cara de mau”, conta.
A conquista do papel foi imediata. Em seguida, o reconhecimento do público. “Não imaginava que o Dr. Abobrinha faria sucesso. Mas cheguei até ouvir dos meus familiares: ‘Sim, você é ator’”, conta Conceição.
Para ele, um dos principais motivos de o Castelo ter sido sucesso nacional foi a não existência, nas histórias do programa, de pais e crianças regrados pela sociedade. “A fábula está aparente e não existem famílias autoritárias. São os tios que educam”, diz.
Vida de vilão
A risada e as vozes surgiram nas gravações. “O ator se molda ao personagem e de repente dá resultado”, revela. Conceição diz prestar atenção nas risadas das pessoas e indica três tipos: sem som, choramingo e muito alto. A risada assustadora do Dr. Abobrinha é resultado da percepção desses comportamentos. “Comecei a brincar de rir e deu certo”, diz, encenando a risada do personagem.
Dr. Abobrinha – ou Dr. Pompeu Pompílio Ponposo, nome como o personagem prefere ser chamado – é um especulador imobiliário, magnata e capitalista. Esconde o lado bom humor e se disfarça. Pensando nisso, o ator construiu a frase padrão do personagem: “Esse castelo será meu” – demonstração do desejo de conquistar o castelo. Segundo ele, a frase fazia referência à sobrinha que, na época das gravações, vivia o egoísmo infantil. “A criança tem a fase do ‘tudo é meu’, na qual ela precisa dar tchau até para o cocô”, brinca.
Por conta de Dr. Abobrinha ser o vilão da história, Conceição sentia dificuldade de manter um contato próximo com as crianças na rua. “Eu representava aquela coisa apavorante e elas tinham um tremendo medo de mim, ou ainda têm”, diz e faz uma pergunta com tom de brincadeira: “Você ainda tem medo de mim?”.
No exterior, Conceição também é conhecido pelo personagem do Castelo. Em Cuba, por exemplo, onde o programa é exibido, Dr. Abobrinha é chamado de Dr. Cabacita – nome relacionado à cabaça, onde fica a abóbora.
Sexto sentido
Assim como no Castelo-Rá-Tim-Bum, o universo artístico é rico em fantasias. “Encontrei um lugar que era diferente do meu ambiente privado”, diz. Formado ator pela Escola de Arte Dramática (EAD) da USP, Conceição já fazia teatro amador em casa, na rua e na escola. Considera o Teatro Oficina, dirigido por José Celso Martinez Correa, sua segunda casa, onde participou de peças teatrais durante vinte anos.
“O teatro possibilita enxergar o mundo de diversos ângulos, caras e pensamentos”, filosofa. Conceição enxergava o cinema, a televisão e o teatro como ambientes iguais para atuar. No entanto, sua visão mudou quando criou intimidade com o palco.
Com brilho nos olhos, o ator mostra-se confidente do teatro. Aparenta ter uma fiel amizade com o personagem e o ambiente em que atua. Acredita que o artista tem sexto sentido e reforça que o erro leva ao acerto. “A criação exige que erremos e sejamos desprendidos. Assim é a vida humana, é impossível conviver com quem é perfeito. O que agrada é a diversidade”, diz.
Considera o teatro um espaço antiobsceno, onde a fantasia vira realidade e o que é invisível torna-se visível. “O teatro transforma o que é obcseno em seno, isto é, tudo se materializa: Deus, anjos, o diabo, as falcatruas”, diz Conceição.
Ao contrário do teatro – onde a prática da espontaneidade é liberada – no ambiente televisivo a novela requer perfeição e ajuste quando necessário. “A tensão é maior porque, quando se erra a cena, ela deve ser regravada”, diz e completa reconhecendo que o aprendizado na TV, no cinema e no palco aperfeiçoou a sua atuação no teatro.
Conceição já fez papéis importantes na televisão, como o Màrio de Andrade das minisséries Um Só Coração e JK, ambas produzidas e exibidas pela Rede Globo. “Nasci no mesmo dia que Mário de Andrade, 60 anos mais tarde, e me pareço muito com ele”, conta.
Coração aberto
Há vinte anos Conceição reside no bairro da Vila Mariana. Para ele, passear pela região e ser reconhecido demonstra que seus vizinhos apreciam seu trabalho. Conta que, ao passear com a cachorra vira-lata, anda com o coração aberto pelas ruas porque ganhou o Dr. Abobrinha como uma nova persona dentro dele. “A gente vive no mundo da caverna, com medo de sair de casa, mas quando temos um personagem que nos caracteriza é diferente porque as pessoas nos olham e nos imitam sem maldade”.
O ator considera-se partícipe da preservação do bairro em que vive e acha importante saber o que será construído e destruído. Declara ser dever dos moradores assinar abaixo-assinados e interagir com os vizinhos com o intuito de melhorar a qualidade de vida na Vila Mariana.
Faça chuva ou faça sol, Conceição adora passear pelo bairro e apreciar bons restaurantes. Por ser apaixonado por arte, faz parte da rotina do ator relaxar e dedicar algumas horas aos espaços culturais da região. “Não há desculpa para não tomar um café ou apenas passear pela Cinemateca”, diz.
Cacá Junqueira (5º semestre)