Após mortes, professora e toxicóloga esclarece dúvidas sobre o gás de buzina
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A estudante Maria Luiza Perez Perassolo, 18 anos, morreu no mês de março deste ano após inalar gás de buzina em São José do Rio Preto, interior de São Paulo. Já é a segunda morte no ano na região noroeste paulista provocada pela inalação desse tipo de gás.
Outros casos semelhantes já ocorreram, dois estudantes de medicina, Luciano André Zaparoli, 33 anos, e Mariana Finazzi de Almeida, 20 anos, morreram após inalar o mesmo gás, segundo informações publicadas no portal de notícias G1.
Sobre esse assunto, Danielle Palma de Oliveira, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, e doutora no Departamento de Análises Clínicas, Toxicológicas e Bromatológicas, além de Presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia (2016-2017), falou ao portal de jornalismo da ESPM-SP.
É fato que, assim como o álcool e as drogas, a overdose de substâncias entorpecentes como o gás de buzina pode levar à morte?
Antes de mais nada é importante destacar que álcool e outras drogas (maconha, cocaína, ecstasy) também são entorpecentes, pois alteraram o Sistema Nervoso Central. São substâncias que agem no cérebro causando alterações de sensações. O gás de buzina pode sim levar à morte, inclusive existem vários trabalhos na literatura científica que relatam casos de morte após o uso abusivo desses gases.
Qual a composição desse gás?
Esse gás é um mistura dos gases propano e butano, que são os mesmos utilizados no gás de cozinha. Mas, principalmente butano.
Muitos jovens estão utilizando diferentes aerossóis, como o gás de buzina para obter um efeito alucinógeno. Esse efeito existe de fato? Quais os impactos dessa droga para o organismo?
Os gases (butano e propano) não possuem ação direta no cérebro para causar alucinações. No entanto, esse efeito é relatado pelos usuários. Isso ocorre por um mecanismo indireto.
Esses gases chegam aos pulmões e, em segundos, atingem o cérebro. São absorvidos junto e competindo com a entrada de oxigênio que respiramos. Quando a pessoa inala o gás de buzina, acaba inalando menos oxigênio. Assim, menos oxigênio chega ao cérebro, o que chamamos de hipóxia cerebral. Oxigênio é indispensável para o bom funcionamento do cérebro e quando menos oxigênio chega, as funções cerebrais são comprometidas. É o cérebro que “percebe” todas as sensações do corpo. No caso de uso de gás de buzina e menos oxigênio, o cérebro começa a perceber as sensações de forma diferente, cores, sons, formas, tudo diferente. Por isso os usuários relatam as alucinações. Assim, as alucinações são causadas porque o cérebro não está conseguindo processar as informações adequadamente, ou seja, um efeito indireto.
Então esse efeito é devido à falta de oxigenação cerebral, que se for prolongada pode levar a danos permanentes, como problemas na fala, andar, aprendizado, memória. Os efeitos permanentes podem ser semelhantes a algumas doenças degenerativas como a esclerose múltipla.
Essa falta de oxigenação ocorre no organismo todo durante a inalação do gás, então outros órgãos como fígado, rins e coração também podem sobre lesões. Ainda a falta de oxigenação repetida pode levar a danos nos nervos periféricos, que são distribuídos por todo o corpo, podendo levar a tremores, dores crônicas, etc…
Além do problema da oxigenação, principalmente do cérebro, o gás butano tem uma ação tóxica direta no coração, que é uma das causas de morte mais importantes em usuários. Essa ação pode levar à arritmias, fibrilação e infarto.
Esse produto é semelhante com outras drogas como loló ou lança-perfume? Se sim, qual a semelhança?
Não, quimicamente são substâncias completamente diferentes, loló ou lança-perfume são misturas de solventes orgânicos, enquanto o gás de buzina é uma mistura de gases.
Quais os efeitos do uso do Gás de Buzina juntamente com bebidas alcoólicas?
Como eu disse anteriormente, o uso do gás de buzina reduz a oxigenação cerebral, podendo causar, além dos efeitos alucinógenos, tonturas, desmaios e coma. O álcool leva à depressão do Sistema Nervoso Central, ou seja, reduz a atividade cerebral. Essa redução de atividade pode ser grave dependendo da quantidade, levando a quadros graves de embriaguez, como o coma alcoólico. Então, o uso de duas substâncias que agem no cérebro pode aumentar a intensidade dos efeitos, podendo levar ao coma alcoólico mais rapidamente, ou fazer a pessoa desmaiar com maior facilidade.
Em sua opinião o que leva os jovens a consumirem esse tipo de droga? Quais alternativas você aponta como possíveis de cessar ou diminuir o consumo do gás de buzina?
Esse tipo de uso é muito comum nos Estados Unidos da América e Japão, principalmente em jovens e adolescentes. Como o gás de buzina não é considerado uma droga, ou seja, não é ilegal o consumo, as pessoas usam sem maiores preocupações, pois não estão fazendo nada contra a Lei. Além disso, a buzina pode ser comprada em diferentes estabelecimentos comerciais, principalmente na época de Copa do Mundo, Carnaval, etc… então o acesso é grande. Outro fator é que os efeitos euforizantes e alucinógenos duram pouco tempo, e teoricamente a pessoa pode voltar a trabalhar ou para a escola sem ninguém perceber nada. Diferente do álcool e outras drogas. Para diminuir o uso, acho que deveria ser controlada, ou proibida a venda, como já acontece em Goiás desde 2012. Em São José do Rio Preto, foi aprovado um projeto de Lei para também proibir a venda.