Morte de estudante volta a levantar debate sobre maioridade penal

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Arte: Thor Megiolaro

As mudanças no sistema de punição de adolescentes infratores vigente no Brasil são, há anos, motivo de debate no País. A situação ganhou novos contornos com a morte do estudante de Rádio e TV Victor Hugo Deppman, 19, durante um assalto na zona leste de São Paulo. O crime foi cometido por um adolescente prestes a completar 18 anos – que, à luz da legislação e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cumpriria um máximo de três anos de internação.

Advogada e mãe da vítima, Marisa Rita Riello Deppman voltou a tocar na questão ao defender publicamente a maioridade penal – que permitiria que casos como o de seu filho fossem julgados na Justiça comum, seguindo a legislação vigente para a população adulta.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), expôs opinião semelhante dias após o assassinato, e sugeriu que a redução da maioridade de 18 para 16 anos fosse pensada junto a um projeto, apresentado à Câmara dos Deputados, que propõe a ampliação do tempo máximo que um jovem infrator poderá cumprir de medida socioeducativa de três para oito anos. Segundo o advogado e mestre em Direito Silvio Henrique Vieira Barbosa, a proposta é bastante viável. “A questão é saber se essa condenação mais longa seria cumprida em um reformatório, como a Fundação Casa, ou em um presídio, caso completasse 18 anos”, afirma.

Em diversos países do mundo, como Estados Unidos, o jovem infrator só permanece no reformatório até completar 18 anos. Nesse momento, é transferido para a cadeia normal, terminando de cumprir a pena ali. A questão é que não há consenso sobre os efeitos da redução de maioridade sobre as taxas de criminalidade. Para Barbosa, o Brasil não se tornará menos violento com a mudança na lei; porém, ela “servirá para diminuir a sensação da sociedade de que criminosos não são punidos”. Opinião diferente tem o advogado José Guilherme Mauger. “A impunidade parece ser fator determinante na prática dos delitos por menores de idade”, diz.

Já o advogado Gabriel Garcia acredita que a ideia é precipitada.  “Imaginemos que a maioridade penal seja diminuída. Teríamos um aumento razoável de encarcerados nos presídios brasileiros, com maiores custos – cada preso custa cerca de 120 reais por dia para o Estado. Acho que seria muito melhor aplicar esse dinheiro em educação”, reflete. As estatísticas oficiais apontam que os crimes contra a pessoa cometidos por menores de idade têm caído. Segundo dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, entre 2002 e 2011 os casos de homicídio apresentaram uma redução de 14,9% para 8,4%; os de latrocínio – roubo seguido de morte-, de 5,5% para 1,9%; e os de estupro, de 3,3% para 1%. “Não é um número tão alto que justifique a redução da maioridade”, acredita.

O que está em jogo, de acordo com os especialistas que são contra a redução da maioridade, é a capacidade do país de combater a criminalidade. Para Barbosa, a quantidade de crimes investigados que terminam com a punição do criminoso é baixa. “Ainda assim, estamos com as prisões lotadas”, afirma. “Uma coisa leva a outra: a impunidade aos criminosos gera a sensação de que o crime compensa, o que o faz aumentar.”

Sobre a influência do caso Victor Hugo nas possíveis mudanças da legislação, o advogado Cézar Elvin Laso acredita que há risco de o Brasil alterar sua abordagem em relação à criminalidade juvenil de modo apressado. “A grande atenção da imprensa ao caso contribui para o aparecimento de soluções milagrosas e com total falta de técnica legislativa”, diz.

Além do assassinato do estudante, outros casos, como o de Liana Fredenbach e Felipe Caffé, torturados e assassinados por um grupo de criminosos – entre eles um adolescente – em Embu-Guaçu (SP) em 2003, servem de argumento para os que apoiam penas mais severas para os menores de idade que cometem crimes contra a pessoa. “Independentemente de acreditarmos ou não que a redução da maioridade é justa, acho que nada muda. Amanhã, irá acontecer um caso diferente, a imprensa irá esquecer e a vida irá seguir”, acredita Laso.

Repaginada – A estrutura para a internação de jovens infratores em São Paulo é, hoje, centrada na Fundação Casa, que surgiu com o intuito de recriar a imagem da antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (Febem). Com uma proposta descentralizada, a Fundação possui, hoje, mais de 140 centros socioeducativos, pondo fim aos reformatórios de grande porte. Uma das melhorias alcançadas foi a redução das rebeliões e fugas em massa. No entanto, as instalações “não são o local certo para infratores de alta periculosidade”, diz Barbosa. Casos excepcionais de gravidade e violência, segundo o advogado, devem ser encarados de forma especial – à semelhança do que é praticado nos Estados Unidos. Garcia possui opinião parecida. “Nesses lugares, o menor infrator irá aprender a ser um maior infrator, e não um maior consciente de seus atos e de seu lugar na sociedade”.

Renata Fleischman (1° semestre)