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Violência obstétrica reflete difícil realidade de gestantes brasileiras

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Ana Vitória Leal, Gabriela Gaeta, Giulia Castro, Patrícia Martins e Pietra Cartiano (3º semestre)

 

Ana Lúcia Beatriz Gonçalves corta o cordão umbilical após o parto em que sofreu violência obstétrica. Foto:  Arquivo Pessoal.

“Na hora do bem bom não gritava, né?”, foi o que Patricia Silva ouviu, ao gritar de dor durante seu primeiro parto, com 16 anos de idade. Após ter tido um remédio aplicado na veia e passado por uma lavagem intestinal, a mãe conta que não sabia o que fazer, pois mesmo estando em trabalho de parto, sentia a necessidade de ir ao banheiro para evacuar após a lavagem não solicitada. No mesmo dia, Patrícia ainda sofreu com enfermeiras que subiam em sua barriga para forçar o parto, enquanto berravam em seus ouvidos que fizesse força. Durante o processo, foi cortada próxima à vagina, para uma cesárea improvisada, que acabou não acontecendo. No fim, o parto foi normal. Mas isso vale apenas como um termo técnico. O que Patrícia passou está muito longe do que deve ser a normalidade de qualquer parturiente. Mas, infelizmente, reflete a realidade do que muitas mães brasileiras passam durante um momento tão importante da vida. Patrícia sofreu violência obstétrica.

Em termos gerais, a violência obstétrica é caracterizada por qualquer violência, física ou psicológica, que a mulher venha a sofrer durante o parto, gestação, nascimento ou pós-parto. De acordo com a pesquisa Mulheres brasileiras e gênero no espaço público e privado, divulgada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto. A pesquisa ainda menciona as violências mais sofridas pelas mulheres, sendo elas: exame de toque realizado de forma dolorosa, recusa de alívio para dor, gritos, ausência de informação sobre os procedimentos realizados, xingamentos e negligência ao negar atendimento. “Não chora não que ano que vem você está aqui de novo” e “Na hora de fazer não chorou” são as duas frases apontadas como mais ouvidas pelas entrevistadas do estudo.

Reprodução: infográfico Mulheres vítimas de violência obstétrica no Brasil

Essas são apenas algumas das atitudes que podem caracterizar violência obstétrica, mas existem muitas outras, que por vezes acabam passando despercebidas. Uma delas, também muito frequente, é a proibição de um acompanhante durante o parto. Toques excessivos durante o pré-natal, depilação antes do parto e até mesmo a lavagem intestinal, como a realizada em Patrícia, são outros exemplos de violência, que muitas vezes são disfarçados como obrigações.

Dois anos após o nascimento da sua primeira filha, Patrícia engravidou novamente. Seu segundo parto, mesmo sendo realizado em outro hospital, também não foi uma experiência positiva. “Eu cheguei na maternidade com dois centímetros de dilatação,  me fizeram dar voltas fora do hospital por duas horas, era meia-noite e eu não conhecia a cidade. Meu esposo, quando vinham as contrações, ele segurava minha mão e eu apertava que quase quebrava a mão dele”, conta ela, que após horas andando voltou ao hospital e foi informada que a dilatação permanecia a mesma. Vestiram-lhe com a roupa de parto, realizaram a lavagem intestinal e mais uma vez pediram que continuasse andando, dessa vez pelos corredores.

Já deitada no leito, aplicaram-lhe algo parecido com soro, e que ninguém fez questão de esclarecer o que era. Quase tarde demais, disseram que não tinha passagem para a saída do bebê. “O coração do bebê alterou, eu já não tinha forças, minha pressão começou a cair. E eu já quase no céu, com falta de ar, estava com oxigênio ligado porque tenho asma, ouço o médico falar “corre que é cesárea!”. Me aplicaram anestesia e eu deitei na maca de parto. Senti o bisturi me cortando. Eu falei “para que está doendo!”, então me aplicaram um remédio e pediram que eu contasse até dez. Não cheguei nem no cinco”. Patrícia não viu a filha nascer.

Mesmo após um parto tão difícil, a história não acabou por aí. Os pontos de Patrícia inflamaram e ela precisou ficar de cama por três meses após o nascimento. Hoje, ela conta que não deseja mais ter filhos, e que fez laqueadura para se certificar disso. “Os pontos da laqueadura também inflamaram”, conta ela, que diz ter ficado com uma cicatriz horrorosa por consequência das inflamações. Para além da cicatriz, Patrícia levará pelo resto da vida a lembrança de dois partos difíceis, marcados pela violência e negligência médica.

“Eu não denunciei, porque pra mim era normal aquele procedimento, eles sendo profissionais eu entendi que eram o correto aquelas atitudes”, esclarece ela ao dizer que nem sabia o que era violência obstétrica na época. Hoje, 14 anos depois do último parto, destaca a importância de ler e ficar por dentro do assunto. “Ninguém merece passar por tanta coisa ruim em um momento que é pra trazer felicidade, um momento que é pra trazer uma vida ao mundo”.

Banalização da cesárea

O segundo parto de Patrícia demonstra uma situação frequente nas maternidades brasileiras: a realização de uma cesárea, quando o objetivo inicial era um parto normal. Não descartando que, em alguns casos, pode de fato haver a necessidade de uma mudança de planejamento, para manter a segurança da mãe ou do bebê. Mas os números do país assustam. De acordo com uma declaração da OMS (Organização Mundial da Saúde) publicada em 2015, a taxa de cesarianas ideal deve estar entre 10% a 15% dos casos. No Brasil, entretanto, o número de cesáreas compõe o segundo maior índice do mundo, atingindo cerca de 55%. Quando se leva em conta apenas a rede privada, os dados são ainda mais chocantes: no sistema privado de saúde, 86% dos partos realizados são cesáreas.

Dados da healtech Teia coletados em outubro de 2020, mostraram que, em uma pesquisa feita com 450 mães no Brasil, 51% das mulheres tinham a intenção de um parto normal, mas apenas 32% conseguiram efetivamente esse parto. Dessa forma, fica claro que os números tão altos de cesárea no país são, em parte, um reflexo da imposição dela, mesmo quando desnecessária, pelos profissionais da saúde. Entretanto, por outro lado, existem também muitas mulheres que optam diretamente pela cesárea, sem sequer cogitar um parto normal. Esse comportamento comum de muitas brasileiras é descrito pela ginecologista e pesquisadora Juliana Giordano Sandler como uma “normatização da cesárea”.

Em sua tese de doutorado Cenas da assistência obstétrica brasileira: da normatização da cesárea ao papel do parto humanizado, Juliana coleta dados de três das maiores maternidades de Campinas – pública, pública-privada e privada – entre 2011 e 2014. Os números mostram que a taxa de cesáreas foi respectivamente 42%, 55% e 90%. De acordo com o estudo, tais dados demonstram uma grande discrepância, em que a maternidade pública recebeu menos casos de cesárea do que a privada. O dado é curioso, já que o setor público recebe mais casos de alto risco do que o privado, então teoricamente deveria ter mais cesáreas.

Em conclusão de sua pesquisa, a ginecologista aponta que mulheres que buscaram uma assistência humanizada no parto relataram que uma equipe que respeitasse o protagonismo da mãe, a protegesse de protocolos hospitalares desnecessários e permitisse o contato pele a pele com o recém-nascido foram importantes para uma boa experiência de parto.

Em contrapartida, como experiências negativas, as mulheres destacaram o despreparo das equipes dos hospitais, a decepção com as equipes humanizadas quando o cuidado realizado não refletiu o combinado nas consultas pré-natais e os protocolos hospitalares desnecessários, principalmente quando não puderam ver ou segurar o bebê após o parto.

Uma consequência física

Em janeiro de 2010, Flávia Crix deu entrada no hospital em trabalho de parto e subiu para o quarto de enfermaria. Logo no começo, o médico que a atendeu não permitiu a entrada de um acompanhante, e ali, ela já começou a sentir que algo estava errado. Além disso, a mãe relata que o médico era muito grosso e respondia com rispidez as dúvidas dela e do marido.

Flávia foi levada para a sala de parto acompanhada do médico. De início, a enfermeira responsável fez a maioria dos procedimentos, mas assim que ela saiu do quarto, o médico pegou um banco e sentou a uma distância de aproximadamente 4 metros da gestante. Durante a expulsiva – fase do parto em que a gestante faz força para o nascimento do bebê -, Flávia conta que ficou praticamente sozinha tendo sua filha e que o único “apoio” que tinha era do médico que dizia repetidamente para que ela fizesse força.

Neste momento, ela revela que sentiu uma dor muito estranha, muito diferente da dor da contração. “Provavelmente foi nesse momento que eu tive uma fratura de cóccix, porque posteriormente, depois de dois dias que eu saí do hospital foi constatada que eu tive essa fratura”, conta ela.

“Quando eu voltei pra casa, eu demorava meia hora pra levantar e mais meia hora pra conseguir sentar. E isso me custou três meses de fisioterapia. Foram três meses muito difíceis, que me prejudicaram muito. Eu não tinha posição para levantar, pra ficar em pé, pra deitar. Eu não conseguia nem amamentar minha filha corretamente. Me atrapalhava muito no dia a dia. Muito mesmo”, relembra.

Na época, Flávia não sabia o que era violência obstétrica e nem pensou em denunciar. “Eu não denunciei por isso,  por não ter informação suficiente e não saber ali naquele momento exato que eu estava sendo vítima de violência obstétrica. Se fosse hoje com certeza eu denunciaria porque hoje eu tenho certeza que eu realmente fui vítima de violência obstétrica”.

O que diz a lei

Tanto o relato de Flávia, quanto o de Patrícia, demonstram mulheres que não denunciaram as violências sofridas, justamente por não saberem identificar o que estava acontecendo e muito menos a quem poderiam recorrer nessa situação. Ambas apontam que se vivenciassem o mesmo hoje em dia não hesitariam em denunciar.

De fato, os direitos da mulher na gravidez, parto e pós-parto precisam ser conhecidos, para que assim ela possa exigir o cumprimento deles e ter uma experiência positiva.

Nesse sentido, a advogada, especialista em violência obstétrica e pós-graduada em Direito Médico e Hospitalar, Vandressa Vieira conta que os direitos da mulher podem ser divididos em autonomia física, psíquica e até mesmo verbal. “Na física, nós temos o direito da mulher em permanecer na posição que ela se sente mais confortável, então nem sempre a posição litotômica, que é a posição ginecológica, é a mais agradável ou a melhor pra mulher”, descreve.

Por certo, a mulher também tem o direito de escolher o tipo de parto que ela gostará que seja feito. “A mulher também tem autonomia como qualquer outro paciente, então ela pode mencionar o que ela deseja e o que ela não deseja”, pontua a advogada.

Vandressa relata também que ao se falar do direito da mulher no parto, é importante ter bem estabelecido o direito da pessoa humana, que é definido pelos direitos internacionais e pela Constituição Federal.

Hoje, não há uma lei federal que regulamente o que seria violência obstétrica. O que há são projetos de leis que dão um aporte para falar sobre tal violência. Segundo Vandressa, embora ainda escasso, esse cenário já foi muito pior. “Hoje em dia nós temos alguns estados como São Paulo e Rio Grande do Sul que têm uma lei estadual que falam e colocam lá o que é a violência obstétrica, porém em âmbito federal não temos isso e isso acaba prejudicando o quê? A judicialização”, conta ela ao destacar que a ausência de leis pode tornar o processo da denúncia mais difícil.

Condutas que caracterizam violência obstétrica podem receber diferentes tipos de penas, de acordo com a gravidade e com as consequências físicas e psicológicas deixadas pelo trauma. Alguns exemplos de penas são: De dois meses a um ano de prisão quando ocorre episiotomia, que é o corte muito longo ou desnecessário na vagina, realizado de forma a causar lesão; de dois a oito anos por violência física, fórceps, cesáreas desnecessárias e indesejadas; de três a dez anos quando ocorre aborto provocado por terceiro, ou seja, realizado por profissionais da equipe médica, quando essa conduta é injustificável.

Por fim, a especialista destaca a importância da denúncia. “Eu sempre falo para as minhas clientes ou mulheres que me procuram que sempre vale a pena denunciar. Porque quando a gente denuncia, a gente cria uma atenção para aquele tema”. Ela aponta que se de dez mulheres, apenas quatro denunciam, o número não se torna relevante para a Justiça. Mas se dessas dez, oito ou nove denunciarem, o cenário muda completamente. “É muito importante essa denúncia, justamente para o Estado entender que a violência obstétrica existe e que as mulheres hoje em dia sabem bem dos seus direitos, como gestantes e parturientes, além de pacientes”, conclui.

Racismo e violência obstétrica

Jade Lobo, doutoranda em antropologia e autora do livro Racismo e patriarcado, descobriu que estava grávida em meio a sua seleção de mestrado, despertando sua vontade de pesquisar mais sobre a maternidade. Juntamente com uma amiga, percebeu que as narrativas maternas de mulheres brancas eram muito distintas das de mulheres negras.

A autora conta que após entrar em um grupo de apoio e ouvir diversas histórias de mulheres negras, percebeu a vulnerabilidade pela qual as futuras mães passavam: serem induzidas a fazerem abortos; agressões físicas e emocionais de companheiros; guerras, drogas e muitas outras violências sofridas desde o nascimento da criança.

Expandindo sua pesquisa, Jade relata que analisando estudos já feitos nos Estados Unidos percebeu que os óbitos maternos, independentemente da classe social, ocorriam em maior porcentagem com mulheres negras. Além de também serem menos assistidas durante seu pré-natal, a pesquisadora aponta que a prática decorre do estereótipo de que mulheres negras são mais fortes e consequentemente, as gestantes negras são induzidas a partos normais, por pensarem que elas aguentam mais essa dor do que gestantes brancas.

“Na Bahia, por exemplo, 8,96% dos óbitos maternos são de brancas contra 85,82% de mães negras, ou seja, é um número absurdo. Então nesse estado as mães negras morrem nove vezes e meia mais do que as mães brancas. No Brasil, como um todo 63,04% dos óbitos maternos são de mulheres negras contra 32,71% de mulheres brancas, então mães negras morrem 1,9 vez mais do que mães brancas no país atualmente, se a gente cruzar os dados”, aponta com base em sua pesquisa.

Para Jade, a violência obstétrica é apenas uma face do racismo no Brasil: uma face cruel que acaba afetando a vida de mulheres negras, e as possibilidades e sonhos delas de serem mães. “A esterilização e o planejamento familiar são impostos para famílias negras, pois toda a população negra foi empobrecida durante a história. Ao mesmo tempo que ela é impedida de ter um parto ideal, se o filho dela nasce existe um grande risco dessa criança ser assassinada pelo genocídio das necropolíticas. Então aí você tem um medo totalmente diferente do que o medo de uma mãe branca naquele momento.”

Por fim, Jade aponta que pessoas que têm boas condições financeiras pagam por partos humanizados, mas diz que infelizmente esse não é o caso da maioria da população. Para ela, violência obstétrica em negras não é um destaque, pois o tema não é de interesse político ou social.

Nas palavras da doutoranda em antropologia, a violência obstétrica em negras não pode ser descolada do debate racial pois ela emerge do mesmo. Como solução para o problema, Jade destaca a necessidade de trabalhar a questão racial dentro das faculdades de medicina, em cursos de enfermagem e na formação de todas as pessoas que participam da equipe de um hospital, juntamente com a conscientização social em relação ao racismo.

Gestante sem protagonismo

Ana Lúcia Beatriz Gonçalves já era mãe de duas meninas e aos seus 42 anos, tentando há mais de um ano, descobriu que seria mãe de novo e que dessa vez um menino estava por vir. Logo, foi em busca de um posto de saúde e iniciou seu pré-natal. Desde então, Ana não perdeu uma consulta e relata que teve uma gravidez linda e tranquila. “Tudo muito bom na gravidez. Eu fui em todas as consultas, saúde plena. A gravidez foi linda, tudo muito tranquilo, sabe? Só uns desconfortos mesmo, normais…”

Domingo, 11 de janeiro de 2021, meia-noite e meia, Ana estava preparando um lanche quando a sua bolsa rompeu. Diana, sua filha mais velha, de 20 anos, foi a única que presenciou o tão esperado momento. Realizadas e ansiosas, organizaram as malas e foram para a maternidade. Chegando lá, encaminharam Ana para uma sala de consulta onde a médica comprovou que a bolsa realmente havia rompido.

Nesse mesmo momento, a grávida comunicou que já tinha realizado dois partos normais com a inserção da ocitocina (hormônio que promove a aceleração das contrações e a abertura do colo do útero) no soro. Então, ela pediu que seu terceiro parto fosse feito desse mesmo jeito. A médica negou. “Ela falou que não poderiam fazer dessa forma e que teria que ser com a introdução de comprimido, no caso é um comprimido que estimula abertura do colo do útero com o afinamento do colo. Esse comprimido é muito usado para poder provocar aborto.” A partir daí, Ana já se sentiu desrespeitada e assustada por não terem levado em conta sua opinião ou explicado exatamente como seria o procedimento.

O comprimido seria inserido no canal vaginal de três em três horas, e a única coisa que passava na cabeça da Ana era a saúde de seu filho. “Minha bolsa já estourou, o meu nenê tá seco lá dentro e vai demorar essa quantidade de tempo para o meu parto ser realizado.” Naquele momento, os seus sentimentos eram uma mistura de angústia e preocupação.

As horas iam passando e as contrações vinham muito espaçadas com uma dor incontrolável. Ana pedia que fizessem o uso da ocitocina. Embora o uso do hormônio não seja necessário em muitos casos, não acataram o pedido da gestante nem explicaram o motivo. Mandavam-a realizar banhos, exercícios na bola e até mesmo massagens, no intuito de um parto que deveria ser humanizado.

Com o psicológico totalmente abalado, já era o dia seguinte e ela ainda não tinha ganhado seu filho. Houve várias trocas de plantão e novas equipes se apresentaram, o desgaste era tanto que ela nem percebeu que estava sendo preparada para um parto “humanizado”, completamente fora do combinado no pré-natal.

“Toda vez que me queixava de alguma coisa, não acreditavam no que eu estava sentindo. Só me mandavam fazer exercício. E a minha filha do meu lado sem saber muito bem o que questionar, porque não estávamos preparadas. Toda hora sendo estimuladas a fazer o que eles queriam, sem respeitar o que eu queria e o que eu estava falando também”, relembra.

Às 8h do dia seguinte fizeram o uso da ocitocina no soro, e assim, houve uma aceleração no processo. De uma em uma hora os médicos passavam para realizar o exame de toque  e viam que ainda não havia dilatado o suficiente. Ana alegava estar passando mal. A paciente estava perdendo a visão, sentia formigamento nas mãos, nos pés e nas pernas, quase sem força nenhuma.

Ana Beatriz e seu filho Lucca nos dias atuais. Foto: Arquivo Pessoal.

Foi quando ela chamou desesperadamente a enfermeira chefe e disse que seu filho nasceria naquele momento. Em lágrimas, Ana conta que a enfermeira chefe falou: “Agora é você que vai trazer seu filho ao mundo, faz força e para de respirar cachorrinho”. No final da primeira força ela sentiu a cabeça da sua criança saindo. Na segunda tentativa, sentiu os ombros passando. E no fim da terceira vez forçando, o restante do corpo saiu por completo e Lucca chegou ao mundo.  “Eu senti como se estivesse explodindo um balão, um balão de água. Uma sensação como se estivesse passando um peixe pela mão, um balão de água estourando. Foi muita dor. Foi indescritível a dor.” No decorrer do parto, Ana acabou sofrendo uma laceração profunda, exigindo que fosse costurada.

A vítima relata que logo quando começaram a dar os pontos ela gritava de dor. A anestesia não estava fazendo efeito, mas tudo que a equipe médica dizia a ela era: “a dor é normal”.

Por fim, a mãe de 42 anos conta que nesse momento tão precioso, em que queria ser tratada com respeito, se sentiu extremamente chateada e desrespeitada.

Informação para mudança

Diante de outra perspectiva sobre o tema, Débora Silveira, doula e fotógrafa de partos humanizados, presenciou a violência obstétrica sob o viés profissional. “A paciente foi colocada na posição de litotomia e foi feita a episiotomia sem o consentimento. Não bastou cortar uma vez, o corte foi aumentado com mais um corte. Fiquei muito impressionada. Logo após o parto, fui para o quarto com essa minha cliente e ela disse que estava profundamente triste com o que tinha acabado de acontecer”, relata ela sobre um dos partos que presenciou como doula.

Além disso, a total falta de suporte e ética praticada por profissionais envolvidos diretamente com o trabalho de parto também atua na configuração emocional e psicológica das pacientes. A profissional em doulagem completa sua descrição afirmando que testemunhou momentos em que gestantes eram conduzidas à cesárea por meio de justificativas não verídicas, de modo em que a vulnerabilidade se estabelecia ainda mais fortemente para as mulheres em questão.

Ainda que de forma não diretamente participativa, após as experiências mencionadas, Débora optou por pesquisar e selecionar previamente o histórico das equipes em que poderia trabalhar de forma conjunta e restringiu sua atuação àquelas que possuem bons relatos. Nesse momento, iniciou sua trajetória também como videomaker de partos humanizados, que de acordo com ela são partos em que a mulher é protagonista e a assistência consiste em evidências científicas.

Com o objetivo de conscientizar futuras gestantes sobre os desafios do momento do parto, Débora é objetiva e, garante, “informação é tudo”. Nesse sentido, utilizar de fontes seguras como obstetras, doulas e enfermeiras obstétricas é fundamental. Além disso, os grupos de troca e compartilhamento de experiências nas redes sociais possuem relatos que auxiliam o processo de gestação e, finalmente, o momento do parto, com o objetivo de proteção contra uma assistência violenta.

Outro ponto destacado por Débora é a segurança oferecida por um recurso denominado como “plano de parto”. O objetivo deste é atender às preferências da mãe – desde que baseadas em informações atualizadas e cientificamente comprovadas – em relação a todo o processo de parto, incluindo a execução de alguns procedimentos médicos. O documento é garantido pela legislação brasileira e é feito em conjunto com o obstetra ou pré-natalista das unidades básicas de saúde, uma vez que será assinado por ambos. Ainda, com o objetivo de garantir a integridade física e psicológica da paciente, caso o hospital não cumpra efetivamente o plano, é necessário comprovar que os procedimentos não acordados e que foram realizados no corpo da mulher, foram utilizados como um meio para salvar vidas.

Débora enfatiza a participação de uma doula nesse momento tão marcante como essencial, e menciona pontos característicos do trabalho realizado, como a criação de uma conexão única, a segurança, acolhimento e informação propiciados aos pacientes durante o período gestacional até o parto. Por fim, informa que o desenvolvimento deste trabalho visa benefícios para o psicológico não apenas da gestante, mas, não obstante, de seu acompanhante.

De volta para a perspectiva de mulheres que vivenciaram a experiência do parto, é possível afirmar que existem ideais relacionados ao momento; mulheres que acreditam em um cenário mágico e de extrema conexão entre o próprio corpo e o bebê, o que é incentivado por meio de relatos irreais e de toda a romantização não apenas do parto, mas da maternidade em si. Porém, esse também é um ponto em que a experiência difere para cada indivíduo, e que é fundamental acolher e ser acolhida diante de tantos sentimentos e sensações novas.

Priscila Martins, de 31 anos, mãe de dois filhos, relata as principais frustrações que viveu em seu primeiro parto. “A cesárea de emergência foi o melhor pra mim e pro meu bebê, mas ao mesmo tempo foi uma desilusão viver aquela expectativa do parto normal e humanizado por 9 meses e ter aquilo quebrado. E não foi só isso que me decepcionou, teve também a questão emocional por imaturidade e falta de informação. De certa forma, eu romantizei o momento, a chegada do primeiro filho. Idealizei que iria ser um momento de amor sublime, e na verdade a dor é forte, e eu senti muita raiva. Aquele sentimento de raiva eu não soube lidar, então esse foi um dos motivos que me fizeram pedir anestesia, sair do ambiente mais natural que eu estava para ir pro ambiente cirúrgico”, conta.

 

Amamentação de Eva, segunda filha de Priscila. Foto: Arquivo Pessoal

Mesmo cercada por informações e pela busca de um momento especial para trazer seu filho ao mundo, a primeira médica obstetra com quem Priscila teve contato não a fez sentir segura como imaginava. Por isso, na segunda gestação uma das mudanças foi priorizar a confiança nos profissionais que a auxiliavam, para que a experiência que teve com o primeiro filho não se repetisse. “Achei que faltou um pouco de sensibilidade da primeira médica, de enxergar melhor o momento e se demonstrar mais disponível e entregue. Eu acabava vendo ela atendendo o telefone e respondendo mais ou menos em qual fase do trabalho de parto eu estava, então eu tinha a sensação de que eu estava atrapalhando o domingo dela.”

Relatos como o de Priscila não são raros, uma vez que para muitos profissionais o procedimento é visto como um serviço e não como a forma responsável por trazer ao mundo uma nova vida, na qual se dá o primeiro contato físico entre a família e o bebê. Para além dessa questão, o auxílio para a mulher desde o momento em que sua bolsa estoura até a fase em que finalmente segura o filho no colo também pode impactar em seus cuidados posteriores.

Nesse sentido, fica evidente a diferença experienciada pela escolha de outra profissional para realizar o parto do segundo filho de Priscila. “O momento da cesárea foi um momento em que ela (a médica) me deu muita atenção, às pequenas coisas ela se demonstrava receptiva e cuidadosa, então isso para mim fez muita diferença. Nas duas experiências eu vivi uma cesárea, mas nas duas eu tive sentimentos muito diferentes. Na primeira eu fiquei frustrada e o meu pós-parto foi difícil e doloroso. Na segunda eu estava feliz e em paz, e meu pós-parto foi ótimo”, relata.

Uma dor que se estende

A violência obstétrica pode deixar cicatrizes físicas e psicológicas, resultando muitas vezes em síndrome do pânico, depressão pós-parto, e em casos mais graves, ao óbito. Esse é o caso da criadora de conteúdo digital Jennifer Rosendo, que perdeu sua primeira filha após sofrer de negligência, violência e má assistência durante o parto, por parte do hospital e da equipe médica.

Apesar de não poder aprofundar detalhes sobre o ocorrido, em decorrência de um processo judicial contra os profissionais envolvidos, Jennifer conta que foi a partir dessa experiência que começou a abordar o assunto nas redes sociais. Com o objetivo de democratizar a informação acerca de temas como violência obstétrica, gestação, pós-parto e saúde feminina, ela criou o Instagram @parirsemviolencia, que atualmente conta com quase 15 mil seguidores. Nessa plataforma, ela traz à tona pautas muito relevantes e imagens que ilustram a verdadeira realidade de um parto, sem romantizar a gestação como muitas páginas e influenciadoras digitais costumam fazer.

De acordo com Jennifer, “O seu bebê está com circular de cordão” e “Você não vai ter passagem” são algumas entre as tantas mentiras que são contadas pelos médicos para forçarem suas pacientes a realizarem uma cesariana desnecessária. Assim, o primeiro passo para não se deixar levar por essa conversa é pesquisar sobre o assunto e entender os direitos das mulheres durante a gestação.

“Então meu conselho é esse: Se informe e informe o seu acompanhante também, porque os dois são muito importantes no processo do parto, e faça o plano de parto”, é a dica deixada por Jennifer Rosendo para evitar que ainda mais mulheres passem por uma situação semelhante à que ela vivenciou.

Estudar sobre a fisiologia do parto e fazer um plano baseado em evidências atuais são essenciais para a realização de um parto seguro, e por isso é importante encontrar um obstetra que seja atualizado. Além disso, saber a respeito das leis que protegem as gestantes também é necessário para poder garantir alguns direitos básicos como o de ter um acompanhante na sala de parto durante todo o processo.

A dona da página @parirsemviolencia ressalta que a importância do acompanhamento é porque muitas vezes para a mulher com dor vai ser muito mais difícil compreender a situação e o acompanhante precisa ser essa voz nesse momento.

Apesar de Jennifer ter denunciado a violência que sofreu, a maior parte das mulheres não costumam denunciar, seja por medo de não serem ouvidas ou por não terem consciência que o que ocorreu se caracteriza de fato como um crime. Para realizar a denúncia é preciso muita paciência porque muitas vezes o processo pode ser longo e desgastante, mas é essencial para legitimar essa luta e evitar que mais casos continuem se repetindo.

A denúncia pode ser feita por diversos meios, mas para isso é importante reunir alguns documentos como uma cópia do prontuário médico e o cartão de acompanhamento da gestação. Um dos modos por onde essa denúncia pode ser feita é pelo site do Ministério Público Federal ou pela Defensoria Pública.

Também é possível fazer a denúncia por telefone, ligando para canais de ajuda, como a Central de Atendimento à Mulher, no número 180, ou no disque-saúde, ligando para 136.

Os dados e relatos mostram que a violência obstétrica trata-se não apenas de um problema de saúde pública, mas também de um problema relacionado a classes sociais e a questão racial.

A prevenção e a superação desta forma de violência demandam o engajamento de todas as partes envolvidas, desde a equipe médica, que deve se comprometer em realizar o procedimento que for melhor para a mulher e seu filho, até a própria gestante, que pode se manter informada sobre os seus direitos durante a gestação.

A informação é um dos caminhos para que outras mulheres não precisem vivenciar e sofrer o mesmo que Patrícia, Flávia, Ana Beatriz, Jennifer e tantas outras gestantes passaram durante o parto.

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