Publicidade vive desafio de se manter criativa respeitando público segmentado
Compartilhar
Ana Beatriz Queiroz
Giulia Dias
Naíla Almeida
>>> Um cavalo selvagem galopa em alta velocidade. Vários “cowboys” correm atrás dele e de outros cavalos, tentando domá-los. Um dos homens para e acende um cigarro. É dita a frase “só alguns homens sabem que a beleza dos cavalos selvagens está na sua liberdade. Venha para onde está o sabor, venha para o mundo de Marlboro”.
Essa peça de propaganda foi veiculada na televisão em 1988. Hoje, não seria veiculada, pois a lei proíbe veiculação de propaganda de fumo. Além disso, o Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar) é mais vigilante e ativo para coibir propaganda que faça apologia da violência, uso de drogas, desvalorização ou erotização da mulher e, principalmente, de crianças.
Ao contrário de hoje em dia, em que o cigarro é visto como um malefício à saúde e causador de doenças graves, como o câncer e infarto, nos anos 1980, o cigarro era sinônimo de liberdade. Assim como armas, bebidas alcoólicas e conteúdo machista e de inferiorização da mulher eram comuns nas campanhas publicitárias.
Não obstante, “nos anos 80 do século passado, no mundo inteiro se produziu publicidade melhor”, avalia Washington Olivetto, chairman da agência W/McCann. Ele diz que hoje em dia a maior parte da publicidade produzida no mundo é ruim. “Anunciantes preferem metralhar o consumidor com a mesma proposta não criativa, mas com mídia muito forte”, diz Olivetto, que soma esses fatores ao número baixo de boas agências e de bons publicitários para determinar a qualidade da propaganda atual.
O publicitário é responsável por comerciais icônicos, que marcaram a televisão brasileira, como Meu Primeiro Sutiã (1987), interpretado por Patrícia Luchessi, que ganhou o Leão de Ouro do Festival de Cannes, e Garoto Bombril (1978), interpretado por Carlos Moreno, que ficou no ar por 26 anos, apresentando o total de 337 filmes.
“A linguagem era mais audaciosa, existia um nível de censura menor do que existe hoje”, concorda o professor Ismael Rocha, diretor acadêmico da ESPM-SP, sobre como era a publicidade quando ele começou a trabalhar no setor, nos anos 1990.
Segundo ele, existia uma liberdade maior para criar e, hoje, os publicitários têm que levar em conta mais cuidados, em razão do ideário do politicamente correto, que limita o uso da linguagem mais livre. “Eu entendo que hoje a linguagem é mais cuidadosa, há uma preocupação com o que se diz e com a maneira como se diz”, expõe Rocha.
A valorização do regionalismo em oposição à massificação dos padrões sociais é outra característica de um mercado mais desenvolvido que, por outro lado, dificulta a propaganda. “A pluralidade traz diversas versões. Agradar torna-se muito mais complicado”, diz Luiz Fernando Garcia, publicitário e diretor geral de graduação da ESPM-SP. Antes marcada pela ousadia, atualmente a publicidade perde um pouco da sua audácia, se comparada aos anos de 1980.
Com a fragmentação do público, “você vai ter que correr o risco de alguém não gostar ou gostar menos de você. Se tentar agradar a todo mundo você vai ser extremamente insípido, inodoro e incolor”, resume Garcia.
Hoje, a simplificação é uma prova do amadurecimento da publicidade, assim como seu público-alvo. Uma das principais metas não é só vender, mas também valorizar a imagem da marca. Para o professor Garcia, “a propaganda adoça, ela ajuda as coisas a acontecerem”, ou seja, cria empatia.
Ascensão da Internet
Tanto para Rocha quanto para Olivetto, a publicidade na televisão não perdeu espaço para a internet, mas sim, agora, esses meios se completam. “A internet trouxe para o mercado liberdade de tempo e espaço”, avalia Rocha.
Segundo pesquisa do IBOPE publicada em agosto de 2014, o investimento em mídia no Brasil, entre janeiro e junho de 2014, foi de 62% na televisão (somada ao merchandising), enquanto a internet recebeu 5% desse bolo.
Na opinião de Garcia, a internet é um complemento para a propaganda veiculada nas demais mídias, tornando-a mais ágil, pois além de aumentar a repercussão, há maior integração de linguagens. O consumidor, por sua vez, é atingido diariamente pelas novidades, acirrando ainda mais a competição.
Na televisão e em outros meios de comunicação, como jornais, revistas e rádio, existe um espaço pré-determinado para a propaganda. Os filmes publicitários para TV variam entre 30 segundos e um minuto de duração, assim limitando a criatividade de se criar uma história forte e consequente.
“Os times da publicidade na internet, esses sim são menos disciplinados”, comenta Olivetto. Na opinião dele, os filmes para internet são mais fáceis de serem produzidos do que aqueles feitos para a televisão.
Com a ascensão da internet, segundo Rocha, a ditadura dos veículos em relação aos formatos deixou de existir. Agora, a publicidade tem mais tempo e espaço, pois é possível criar um filme de cinco minutos e publicá-lo no You Tube, atingindo milhões de visualizações e segmentando o público-alvo.
De acordo com o professor, a internet proporcionou mais mudanças à propaganda, como a disponibilização de banners nas páginas online e ações em dispositivos móveis.
A televisão já foi considerada um veículo nobre para a propaganda, principalmente por conta de sua abrangência de públicos e audiência, mas com a ascensão da internet começou-se a discutir se a TV estaria perdendo espaço para ela.
Para Olivetto, a televisão continua sendo um veículo forte no Brasil. “O Brasil é um dos países mais analógicos do mundo”, comenta. Ao mesmo tempo, contudo, o país também já é um dos maiores mercados digitais do mundo.
Já para Rocha, a televisão não é o meio mais nobre, porém é uma mídia importante, pois impacta pessoas de todas as idades e tem uma penetração muito grande no Brasil.
Hoje, a TV está presente em 97,2% dos domicílios brasileiros. Por isso, a dimensão da publicidade nesse meio de comunicação é grande. “A televisão cumpre o papel de mídia de massa nos lares brasileiros”, diz Rocha. Segundo o professor, a TV é um meio imbatível para a publicidade brasileira, porque abrange todas as idades e classes sociais. “Ela é o veículo com a velocidade mais instantânea para pegar a lógica coletiva”, conclui Garcia.
“A televisão ainda é a maioria da nossa mídia, num país em que está cada vez maior o negócio da publicidade”, relata Olivetto. De acordo com o publicitário, o Brasil atualmente é o sexto país que mais investe em publicidade, muito perto do Reino Unido, que está em quinto.
Melhor publicidade
“Melhor é difícil falar, melhor para quem?”, diz o professor Rocha. Para ele, é difícil identificar a melhor publicidade hoje, pois deve ser levado em conta o que se está medindo: plasticidade, efetividade, linguagem ou criatividade.
“O Brasil é um país muito criativo”, afirma o professor, o que torna a comunicação brasileira uma das melhores nesse aspecto. Essa criatividade, de acordo com Rocha, é reconhecida em todo o mundo e uma característica do povo brasileiro, que pode ser exemplificada com o fato de as empresas brasileiras terem sobrevivido à inflação de 80% ao mês, no passado.
Também na Europa e nos EUA pode ser encontrada propaganda de alta qualidade, principalmente na Alemanha e na Inglaterra. Além desses, “os Estados Unidos têm uma indústria de comunicação que é única”, diz o professor. Na Ásia, no Japão e na Coréia, da mesma forma, há uma publicidade muito boa.
“Uma região que conhecemos pouco, mas onde a comunicação é muito boa é o leste europeu”, conta Rocha. Em países como Polônia, Hungria e Rússia se produzem comerciais de qualidade, criativos, com outra linguagem e padrão de apelo e argumentação. Ele destaca que existem núcleos melhores em cada região do mundo, entre eles, os citados acima e Canadá e Espanha.
Olivetto também elogia a publicidade inglesa. “Eu acho que a média deles é a mais forte.” Segundo ele, a média, o número de comerciais bons que você assiste quando liga a TV em Londres, é superior à de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Nova York e São Francisco.