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Edição 01 - Privacidade Plural Privacidade

O uso excessivo da internet e das redes sociais também pode ser considerado doença

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GIULIANA TENUTA DUARTE |PAULA SAVIOLLI NOGUEIRA
»»»Não é difícil conhecer alguém que nunca se desconecta da internet, que fica vigiando as redes sociais em celulares e tablets a cada dois minutos. Que pode até deixar de fazer atividades no mundo físico para não deixar passar nada do mundo virtual. Mas o perigo com o uso da internet existe quando o usuário passa tempo demais na frente do computador, preso às atualizações. “O problema sempre está no exagero. Tudo que é exagerado é prejudicial. Até a vida real em exagero é prejudicial, pois resta pouco ou quase nenhum espaço para os sonhos, os projetos, a imaginação”, afirma o psicólogo Pablo de Assis.
Esse abuso de permanência nas redes sociais, e, consequentemente da internet, pode se tornar um vício, trazendo prejuízos. “O exagero geralmente surge quando valorizamos mais uma coisa em detrimento de outra. Normalmente, comportamentos unilaterais tendem a se fortalecer em si mesmos e por isso temos que tomar cuidado. O mesmo pode acontecer com a internet: se uma pessoa vive unicamente as redes sociais e os sites, em detrimento de outras vivências, temos complicações. A questão é que essa vivência é legítima, mas se vivida como exclusividade, torna-se perigosa”, diz Assis.

Vício: o uso da internet pode gerar dependência | Foto: Paula saviolli

Vício: o uso da internet pode gerar dependência | Foto: Paula Saviolli

Dependência
Há cada vez mais casos de viciados em internet, o que acabou chamando a atenção dos psicólogos, que passaram a lidar com esse vício como doença. “A adicção é possível em qualquer comportamento”, afirma o psicólogo. “Existem pessoas viciadas em trabalho, em jogos, em festas, em religião, em viagens e em qualquer outra coisa. A internet apenas se tornou mais um campo em que a dependência se torna possível.”
Mas como se caracteriza essa doença?
Segundo o psicólogo do Hospital das Clínicas (HC) e especialista em dependência tecnológica, Cristiano Nabuco, “a dependência da internet manifesta-se como uma inabilidade do indivíduo em controlar o uso e o envolvimento crescente com a internet”.
Ainda segundo ele, que coordena o programa ambulatorial do HC voltado a esses pacientes, a doença tem efeitos sociais e emocionais consideravelmente negativos: os indivíduos que passam muito tempo conectados como uma forma de aliviar a tensão e depressão podem apresentar perdas de sono e problemas em desenvolver relações interpessoais. E, como essa doença é proveniente de outras, como baixa autoestima, fobias sociais, solidão, isolamento e reclusão emocional, as causas e efeitos acabam se confundindo, e o que gerou a doença acaba sendo aprofundado e agravado pelo próprio problema, alerta Nabuco (veja quadro acima).
Diagnóstico
O HC relacionou oito critérios que ajudam a diagnosticar a dependência tecnológica. São eles: preocupar-se excessivamente com a internet; ter necessidade de aumentar o tempo conectado; exibir esforços repetitivos para diminuir o tempo de uso da internet; apresentar irritabilidade e/ou depressão; quando tiver o uso da internet restringido, apresentar instabilidade emocional; permanecer mais conectado do que o programado; ter o trabalho e as relações familiares e sociais em risco pelo uso excessivo; mentir às outras pessoas a respeito da quantidade de horas que passa conectado.
Se o usuário apresentar cinco desses critérios, o HC aconselha buscar atendimento médico, já que essa combinação caracteriza a dependência em internet.
O hospital oferece consultas médicas para maiores de 18 anos, a fim de verificar o quadro de sintomas e fazer uma avaliação psicológica e psquiátrica. Então, o paciente é encaminhado para tratamento individual ou em grupo.

Fachada do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, onde há tratamento para dependentes | Foto: Paula Saviolli

Fachada do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, onde há tratamento para dependentes | Foto: Paula Saviolli

Tentador
“Ser é ser percebido”, escreveu o filósofo irlandês George Berkeley, em 1710. E o que está por trás dessa frase, mesmo depois de trezentos anos, continua atual. “Ao ser percebido com maior intensidade, acabamos ‘sendo’ com maior intensidade. Isso pode ser uma excelente oportunidade para nos reinventarmos e retomarmos nossas individualidades, nossas subjetividades”, afirma Pablo de Assis.
E é isso que parece levar a maioria das pessoas à dependência tecnológica: a internet e as mídias digitais trouxeram novas formas de relacionamento. E, na rede, é possível se reinventar constantemente. Não há barreiras; ninguém conhece a identidade do internauta anônimo, que pode ser o que quiser.
Quem faz a internet são as pessoas, então o problema é mais social que tecnológico, alerta Assis. “A sociedade moderna acabou por criar um ‘mundo real’ bastante estéril, repleto de politicamente correto, de leis e regras e controle e vigilância. Pouco é permitido, muito é devido e demais é proibido. A internet é um espaço – ainda – livre, onde todos podem ser qualquer coisa. Isso chama a atenção de muita gente”.
Depoimentos:

Michele Menezes, 20 anos.

Michele Menezes, 20 anos.

 

 Michele Menezes

“Tenho 20 anos. Costumo passar 4 horas por dia na internet, todos os dias. Só não fico por mais tempo, pois trabalho e estudo durante a noite. Várias vezes já fiquei conectada até as 2h da manhã e já cheguei até a  ir  para o trabalho sem dormir. Já deixei de sair muitas vezes só para ficar na internet.Entro no Facebook às 4h30 da manhã, pelo celular, quando vou trabalhar. Durante o dia, acesso várias vezes e quando chego em  casa, a primeira coisa que faço é olhar o Facebook, depois o MSN e outras páginas  que possuo.Considero-me viciada, pois já tentei parar e diminuir o tempo que passo online, mas não consigo. Cheguei a excluir  algumas contas em outras redes sociais, mas sempre fico horas nas que mantenho. O tempo que eu  gasto na internet acaba limitando e diminuindo as minhas horas de estudo, mas na época agitada em que minha  vida se encontra (com tanta coisa para estudar, trabalho, problemas…), a internet acaba me  proporcionando um ‘desligamento’ de tudo, me distraindo.Como sou muito tímida, a internet me torna muito mais    sociável.”

 

Evandro Ferraz, 21 anos

Evandro Ferraz, 21 anos  
  

Evandro Ferraz
“Tenho 21 anos e passo pelo menos 16 horas por dia na frente do computador. Acesso as redes sociais em casa, no trabalho e por dispositivos móveis. Considero-me viciado e acho que, às vezes, a internet atrapalha      meus estudos.Já cheguei a desativar meu Facebook, jurando que reativaria apenas na semana seguinte, mas fiquei apenas 15 minutos sem conectar. Deixo de sair para ficar no computador, já que a hora passa e eu      nem percebo.Sou muito mais desinibido pela internet e a maioria dos meus relacionamentos pessoais acontece primeiramente no mundo virtual.Considero-me um rapaz que segue as tendências. Sou apaixonado por    tecnologia, posso dizer que não vivo sem.”

Leandro Lisboa, 39 anos

Leandro Lisboa, 39 anos

Leandro Lisboa
“Tenho 39 anos e sou Designer Gráfico. Divido meu computador com mais duas pessoas de minha família e ficamos, ao todo, em torno de oito horas por dia na internet, todos os dias.Considero-me viciado, mas  procuro ser disciplinado com relação ao uso da internet e das redes sociais, apesar de não achar que passar muito tempo na internet seja tão prejudicial. Nunca deixei de fazer nada por causa da internet, mas sempre  fico com muita vontade de chegar logo em casa e ligar o computador.Não faço nada na internet que eu não faria pessoalmente e considero a internet uma mesa de bar, para distração. Creio que ela ajuda na busca por  inspirações e informações no geral.”