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Mineração avança sobre terras indígenas enquanto Congresso tenta flexibilizar legislação

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Indígenas de várias etnias protestam na Esplanada dos Ministérios em Brasília pedindo demarcação de terras. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Victoria Melo (2º semestre)

Mesmo proibida pela Constituição brasileira, a mineração em terras indígenas segue avançando e crescendo no país, impulsionada por pressões políticas, brechas legais e atividades clandestinas. Enquanto grandes empresas e cooperativas do setor mineral realizam centenas de pedidos para explorar áreas protegidas pela legislação, parlamentares ligados ao setor mineral também se mobilizam para alterar as leis e permitir a exploração dessas áreas. Pelo menos 26 projetos de lei sobre o tema foram apresentados no Congresso, e 15 deles buscam flexibilizar a legislação e autorizar a mineração em territórios indígenas. O movimento ameaça não apenas os direitos dos povos originários, mas também a preservação ambiental de regiões protegidas por lei, fundamentais para o equilíbrio climático e a biodiversidade no Brasil.

Segundo Ana Carolina Vieira, assessora jurídica da Amazon Watch, a Constituição Federal estabelece critérios rigorosos para a mineração em terras indígenas, como a consulta prévia aos povos afetados e autorização do Congresso Nacional. Ainda não há uma lei que permita essa atividade, embora existam tentativas de criação. “Hoje não é possível realizar a mineração industrial dentro de áreas indígenas por falta de regulamentação específica”, explica. Ela destaca ainda que a maior parte dos movimentos indígenas se manifesta contra essa regulamentação, por conta dos efeitos negativos que a mineração pode ter. “Vai trazer, sobretudo, destruição para dentro dos seus territórios”. Vieira ressalta que permitir a mineração nessas áreas seria fazer um experimento muito perigoso, pois ainda não se compreendem plenamente os impactos dessa atividade.

Os projetos de lei que tramitam hoje buscando regulamentar a atividade minerária dentro de terras indígenas tentam determinar condições específicas para a mineração, estabelecendo novos parâmetros para compra, venda e transporte do minério de ouro em todo território nacional. Além disso, os recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas são cobiçados, assim como a pesquisa e exploração de minerais fertilizantes em terras protegidas. Os dados dos PLs foram obtidos em um levantamento no portal da Câmara dos Deputados, a partir de buscas por projetos de lei e propostas de emenda à Constituição apresentados entre 2019 e 2023, com palavras-chave como “mineração”, “territórios”, “terras”, “indígenas” e “garimpo”.

O avanço da mineração ilegal em terras indígenas não é um fenômeno recente, mas ganhou maior visibilidade nos últimos anos. Entre 2016 e 2022, o garimpo nessas áreas cresceu 787%, segundo levantamento do portal G1, impulsionado pelo aumento do valor internacional do ouro e pela falta de fiscalização efetiva. O caso dos Yanomami, em Roraima, tornou-se símbolo desse avanço. Além da devastação ambiental, a presença de garimpeiros trouxe doenças, violência e desintegração social, colocando em risco o bem-estar da comunidade.

Os defensores dos projetos de lei que buscam a flexibilização argumentam que a mineração pode impulsionar o desenvolvimento econômico, gerar empregos e movimentar a economia local e nacional. No entanto, especialistas e organizações indígenas contestam esses argumentos, alertando que os supostos benefícios econômicos ficam restritos a poucos, enquanto os impactos ambientais, sociais e culturais incidem nos povos indígenas e seus territórios. 

Ana Carolina Vieira observa que nenhum desses projetos traz instrumentos e mecanismos capazes de prevenir danos profundos e duradouros sobre esses territórios. Para ela, os projetos estão “baseados nessa mitologia do desenvolvimento, de que a atividade minerária vai ajudar os povos indígenas a se desenvolverem, a terem acesso a recursos, a empregos”, mas ignoram os custos sociais, territoriais e econômicos que a mineração acarreta.

Mineradoras tentam avançar sobre Terras Indígenas

Dados do projeto Amazônia Minada, do InfoAmazonia, também revelam que, de 2019 a 2025, o Pará recebeu 141 pedidos de mineração em terras indígenas feitos por grandes empresas, com destaque para cooperativas como a Cooperativa dos Mineradores de Colniza e Região (COMICOL), responsável por 19 solicitações. 

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Entre as sete empresas que mais protocolam pedidos de mineração no Brasil, cinco estão ligadas ou têm sócios ligados a autos de infração do Ibama, principalmente por danos ambientais, segundo dados da plataforma CruzaGrafos, da Abraji. O empresário Helio Guerreiro Caldas também aparece no ranking de mais pedidos, mas não tem nenhum auto de infração protocolado.

 A Cooperativa de Garimpeiros e Mineradores do Brasil (COOGAMIBRA), por exemplo, responde a um auto de infração de R$50 milhões por controle ambiental, enquanto seu diretor, Raimundo Gomes da Silva, acumula outros dois autos por danos à flora. A Cooperativa de Pequenos Mineradores de Ouro e Pedras Preciosas de Nova Bandeirantes e Outros Municipio Cooperrios, a Nexa Recursos Minerais S.A. e a Cooperativa Fenix Agromineral (COFAM) também somam multas milionárias por infrações ambientais. Já a Cooperativa de Pequenos Mineradores de Ouro e Pedras Preciosas de Alta Floresta (COOPERALFA) tem autos de infração do Ibama em seu nome, porém o motivo não pôde ser identificado. A empresa Anglo American Niquel Brasil não possui nenhum processo por auto de infração, mas acumula 9 pedidos de mineração.

O ouro é o minério mais cobiçado, com 58 pedidos apenas no Pará, seguido por diamantes e outros minerais de alto valor. Os principais povos afetados por essa problemática, em territórios que concentram a maior parte dos pedidos de mineração, são Kayapó, Rikbaktsa, Parakanã, Munduruku e Yanomami, localizados principalmente no Pará, Mato Grosso e Amazonas. Para essas comunidades, a ameaça está na contaminação dos rios por mercúrio, na destruição da floresta e também na sobrevivência física e cultural desses povos.

A resistência à mineração em terras indígenas tem se fortalecido nos últimos anos, com organizações como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) atuando em diferentes frentes para barrar mudanças na legislação. Essas entidades denunciam, tanto em espaços nacionais quanto internacionais, a pressão de setores econômicos interessados na exploração mineral. Luis Ventura, secretário executivo do Cimi, observa que a mobilização busca garantir o respeito aos direitos constitucionais dos povos indígenas, especialmente em relação à proteção do território e ao meio ambiente.

O Cimi acompanha com atenção o avanço de propostas no Congresso, como a criação de grupos de trabalho no Senado para discutir a regulamentação da mineração em terras indígenas. Ventura alerta que essas iniciativas refletem uma ofensiva de interesses econômicos que pode colocar territórios tradicionalmente protegidos à disposição de grandes empresas. “Portanto, nesse sentido, nós consideramos que é necessário, urgente e imprescindível que o Estado brasileiro garanta, em primeiro lugar, os direitos fundamentais dos povos indígenas, e ainda estamos muito longe disso”, ressalta Luís.

As comunidades indígenas, por sua vez, mantêm uma postura firme de oposição à abertura de seus territórios para a mineração. Ventura destaca que essa resistência se manifesta em ações de defesa do direito ao território e à consulta prévia, além de iniciativas para sensibilizar a sociedade sobre os riscos do avanço minerário. Para os povos indígenas, a mineração representa uma ameaça não apenas ambiental, mas também social e cultural.

Além disso, Ventura chama atenção para os riscos de uma possível regularização da atividade. Ele aponta que, caso a mineração seja permitida, a tendência é haver um aumento significativo do interesse de empresas de médio e grande porte sobre as terras indígenas. Isso poderia comprometer direitos fundamentais e inviabilizar a continuidade dos modos de vida tradicionais dessas populações, abrindo caminho para impactos irreversíveis tanto para os povos originários quanto para o meio ambiente. 

Outro lado

A reportagem entrou em contato por e-mail e Whatsapp com representes das empresas e cooperativas (Cooperativa dos Garimpeiros e Mineradores do Brasil, Cooperativa dos Mineradores de Colniza e Região, Cooperativa de Pequenos Mineradores de Ouro e Pedras Preciosas de Nova Bandeirantes e Outros Municipio Cooperrios, Nexa Recursos Minerais S.A., Cooperativa Fenix Agromineral, Cooperativa de Pequenos Mineradores de Ouro e Pedras Preciosas de Alta Floresta, Anglo American Niquel Brasil) e com Helio Guerreiro Caldas pedindo um posicionamento sobre os assuntos abordados. Nenhum deles respondeu até a data da publicação desta reportagem. Caso eles respondam futuramente, este texto será atualizado.

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