Jornalista diz que brasileiros não exploram o potencial das novas tecnologias e critica o sistema educacional
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BRUNO GREGÓRIO
>>> O jornalista e educador Gilberto Dimenstein é um dos mais renomados jornalistas brasileiros no cenário internacional. Hoje colunista do jornal “Folha de S. Paulo”, integra uma incubadora de projetos em Harvard (Advanced Leadership Initiative) e, em colaboração com o Media Lab, do MIT, desenvolve em São Paulo um laboratório de comunicação comunitária. Além disso, desenvolveu juntamente com universitários paulistanos o projeto Catraca Livre, que no último mês de maio foi vencedor do The BOBs. Prêmio internacional de blogs que foi elaborado pela Deutsche Welle, ganhando na categoria de melhor blog de língua portuguesa. Em entrevista exclusiva à Plural, Dimenstein falou sobre a nova era que está surgindo com a chegadas redes sociais. Comentou também sobre a aproximação que houve do leitor com o jornalista após a chegada da internet. Por fim, mostrou preocupação com a disputa por audiência, que pode arranhar a credibilidade dos meios.
Com a chegada das redes sociais temos um acesso inesgotável a informações. Por outro lado, falta uma análise de tudo o que recebemos. Como contornar isso?
Hoje você tem a informação de todos os lados, de todos os jeitos, surgindo a todo segundo. Temos uma abundância. Hoje, se você pega seu Twitter ou seu Foursquare, você não dá conta. No seu Facebook e no de seus amigos, é uma enxurrada de informações. Imagine um rio em alta velocidade em dia de chuva. É igual. Os portais jornalísticos estão mudando o tempo todo, sem discriminação da importância das coisas. Então, uma noticia da celebridade sai no alto no portal. Até de sites mais importantes, a capa são os esportes, e o convênio que a Dilma assinou com o MIT [Massachusetts Institute of Technology] não vai nem aparecer. Mas, ao mesmo tempo, por mais que você tenha a tecnologia, você nunca conseguirá mudar uma coisa: a sua liberdade depende do uso da informação. O que está se colocando aqui é que existe uma nova era surgindo, que é a “era da curadoria”.
E o que seria essa nova era?
Com esse turbilhão de informações, existe a “era da curadoria”, em que vai sobrar quem oferecer informação para sua vida e for comprovadamente relevante. Suponhamos que você queira escolher um dentista, não bastará alguém que disse na internet, você quer alguém que foi a esse dentista. Nesse caso, ele é um bom curador, ele foi ao dentista. Então eu penso que, daqui a algum tempo, irão surgir algumas ilhas de curadoria e isso na imprensa vai ser notável. Por isso que a imprensa não pode entrar nesse ritmo enlouquecedor da internet em que você ganha leitores, ganha page views, mas você não ganha credibilidade. Porque a pessoa vai olhar na página e ver: “Poxa, Adriane Galisteu é mais importante do que a Dilma nos EUA”. Você pega essas celebridades, a Luana Piovanni digita qualquer coisa e vira o principal assunto. Só que na hora de tomar uma decisão a pessoa vai se perguntar quem ela deverá consultar para tomar esta decisão, sobre um investimento financeiro, sobre a compra de uma casa.
Mas somente a imprensa terá o papel de formar essas “ilhas de curadoria”?
Não, essas ilhas podem surgir fora dos meios tradicionais. Ilhas de curadoria de muita qualidade, como você pode observar em vários blogs e em sites americanos que, em determinada área, são imbatíveis. Tecnologia na educação por exemplo, você vai pegar muitos sites melhores do que “The New York Times” e “Washington Post”. Esse processo de turbinar dados e seleciona-los é que vai definir quem é que vai ser importante na mídia. Antigamente para fazer um jornal, você precisava de muito dinheiro. A entrega era muito complicada. Se você tem hoje no Facebook 20 mil seguidores, e cada seguidor tem 200 amigos, imagina quantas pessoas você pode atingir. Agora, ao mesmo tempo, vai ter uma percepção de que você precisa cada vez mais de pessoas que o orientem, agora é tudo muito novo, é tudo muito recente, a forma como você lida é muito recente. Nas pesquisas que eu tenho acompanhado já há uma demanda cada vez maior pela curadoria.
Você acha que as pessoas sabem tirar o melhor das redes sociais?
Eu não sei dizer ainda. Tem pessoas que usam melhor. Se você por exemplo é cientista, você vai encontrar uma rede de cientistas na internet excepcional, você vai saber o que o cara está desenvolvendo na Itália. Você tem grandes nichos. Agora, tem pessoas que pensam que a vida é entretenimento, aí é fogo, porque existe uma diferença entre ser interessante e entretenimento. Porque o entretenimento pressupõe você não se esforçar muito.
O ser interessante não significa que você vai se entreter nem que vai ser fácil. Mas significa que você tem interesse por algo que dá trabalho.
O Brasil precisa se reeducar para estar apto a essas novas tecnologias?
No Brasil, nem o livro as pessoas sabem usar direito. Você vai em uma prova e o professor fala: “Agora fechem o livro”. É uma coisa de louco. O livro foi feito para fazer consulta. Ele foi criado para você consultar. Imagine em uma época como esta em que você tem todo o conhecimento do mundo em um celular. Antigamente, repetir trechos de livros era sinal que o sujeito era intelectual. Hoje não, se você tem aqui [aponta para o celular] você precisa saber apenas como usar.
Isso é tudo um aprendizado, quando você vai às escolas, você ainda aprende que educação é memorizar conteúdo, quando na verdade educação é memorizar associação de conteúdos. Na verdade educação é mais do que isso, é exercitar o máximo da sua imaginação. A imaginação está para o conteúdo assim como as asas estão para os pássaros.
Recentemente você falou sobre o “Facebook do ódio” em sua coluna na “Folha de S.Paulo”. Você acha que as pessoas extravasam na rede social?
A internet é algo maravilhoso. O jornalismo digital trouxe a interatividade, que é algo maravilhoso. Hoje eu escrevo uma coluna e sou obrigado a ver meus leitores me criticando de forma dura, mas muitas vezes correta. Você está sendo observado o tempo todo.
Antigamente você escrevia uma matéria e nem sabia a opinião do leitor; vez ou outra o leitor mandava uma carta. Era uma coisa unilateral. Hoje o seu processo de escrita é compartilhado. Em todos os sentidos, porque as pessoas participam, elas criticam, elas acrescentam. Ele é compartilhado porque anda em muitos meios.
Hoje em dia, você coloca na “Folha de S. Paulo” e no Facebook e chega a milhões de pessoas.
Ao mesmo tempo, você colocou um canudo com ódio, ressentimento, com inveja. Eu mesmo imagino o seguinte: briguei com minha mulher, meu filho, estou mal na empresa, e estou na internet, então, se eu visse uma celebridade, eu esculhambava. Por que eu não posso?
Mas, ao mesmo tempo, você tem o linchamento virtual, tem muita gente que não aguenta isso. As pessoas xingam, inventam coisas; eu mesmo tive experiências com isso.
Já aconteceu com você?
Sim, na minha coluna eu sempre prego que a ideia de ser independente é ter independência de criticar e elogiar a mesma pessoa. Só que as pessoas não entendem isso. As pessoas têm cabeça de telenovela. É simplório, mas é assim que funciona. As pessoas pensam que a vida é feita de duas cores.
Eu até pedi uma enquete, se eu sou do PSDB ou do PT, porque todo dia me acusam de ser os dois. Há acusações das mais incríveis. Sempre teve isso na história. Essas maiorias idiotizadas ou fanatizadas se manifestam de tempos em tempos; teve Hitler, teve Mussolini. Só que na internet isso ganhou um caminho de manifestação.