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Edição 06 - Televisão Plural Televisão

Guerra pela audiência faz com que TV se renda ao sensacionalismo

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Giulia Dias
Naíla Almeida

»»»Sensacionalismo é aquilo que transmite sensações, exagero, ato de emocionar e escandalizar. Segundo o livro “Espreme que Sai Sangue”, de Danilo Angrimani, o sensacionalismo também é usado para ganhar audiência na mídia, seja em movimento, na televisão, em uma imagem sugerida no rádio ou congelada nas páginas do jornal para chocar o público.
sensacionalismo
As reportagens sensacionalistas abrangem temas polêmicos e são elaboradas de forma parcial, para que exista o vilão e o mocinho da história. No jornalismo, a abordagem está ligada ao  preconceito e a estereótipos criados em torno das pessoas. Está muito presente nas mídias de massa, principalmente na televisão, alavancando índices de audiência.
“Todas as questões relacionadas a esse tema são difíceis”, afirma Laura Dauden, assessora de comunicação da Conectas, ONG internacional de direitos humanos. De acordo com ela, a imprensa está dentro de uma sociedade e é o reflexo dela. Isto é, para Laura, o Brasil é um país conservador, especialmente em temas como violência policial, sistema prisional, sistema de justiça e direitos humanos e, portanto, aprecia coberturas parciais e vilanizadoras.

Jornalismo 
Laura acredita que o papel do jornalismo é construir e desconstruir discursos, o que a mídia sensacionalista não faz, pois apresenta apenas um lado da história. Para ela, o bom jornalismo tem que ter apuração, diversidade, ser complexo, apresentar uma camada além da que ouvimos e vemos sempre, ajudar a construir discursos mais complexos. Além disso, precisa ter  responsabilidade social, principalmente na esfera pública.
Já para Bruno Quintella, jornalista e roteirista do filme “Tim Lopes – Histórias de Arcanjo”, sobre o seu pai, o papel do jornalista é social. É fazer um jornalismo investigativo que mostre viciados em drogas e por que as drogas são fruto de um problema de saúde pública, que mostre um arrastão e reflita sobre o que o leva a acontecer, que apresente o perfil de pessoas, comuns ou célebres, inovadoras em suas áreas.
Para ele, o sensacionalismo travestido de jornalismo policial não pode ser categorizado como jornalismo investigativo. “Qual a investigação que tem ali [nas notícias feitas em porta de delegacia]? Você só recebeu uma ligação e filmou a cara de alguém”, relata Quintella.

Sensacionalismo na TV
A assessora da Conectas diz que filmar o rosto de um suspeito, que ainda não passou por um delegado, muito menos por um julgamento, fere uma série de direitos humanos. É uma indevida, e arriscada, antecipação de julgamento. “A pessoa não passou nem por um delegado e já é acusada em mídia nacional.” Ela acrescenta que a intervenção da imprensa no caso agrava essa situação e pode “acabar com a vida do suspeito”. Por exemplo, ele pode perder seu trabalho, e sua família pode receber represálias.
Laura cita Patrícia Moreira, acusada de racismo contra o goleiro Aranha, do Santos Futebol Clube, durante a partida de 29 de agosto deste ano em Porto Alegre, pelas oitavas de final da Copa do Brasil contra o Grêmio. Patrícia teve sua casa incendiada e perdeu seu trabalho após a TV mostrar imagens dela xingando o goleiro. Sem direito a defesa, a torcedora do Grêmio foi julgada por sua atitude pela sociedade antes de ser acusada formalmente pela polícia do Estado do Rio Grande do Sul.
“Existe um senso de justiça fora dos parâmetros legais”, comenta Quintella. E isso é perigoso.  De acordo com o repórter, o ser humano é o único ser vivo que tem prazer em testemunhar o sofrimento do outro. “Você vê um bandido, um assassino, e sente prazer ao ver a humilhação dele nesses programas [sensacionalistas]”, diz.
Segundo ele, esse prazer está atrelado ao contexto social em que o público desses programas está inserido, o que o torna intolerante com a violência, que assiste frequentemente perto dele.
De acordo com Angrimani, autor do livro “Espreme que Sai Sangue”, o telejornal sensacionalista tem imagens chocantes, exigindo o envolvimento da emoção de seus telespectadores. O primeiro registro de um programa sensacionalista para televisão brasileira é o “Aqui Agora”, exibido pelo SBT a partir de 1991.

Programas
Durante a década de 1990, junto do crescimento da violência nas grandes cidades brasileiras, a programação da TV no fim da tarde começou a ser tomada pelos programas de jornalismo sensacionalista. Inspirados no “Aqui Agora” surgiram “Cidade Alerta”, da Record, “Brasil Urgente”, da Band, “190 Urgente” e “Programa Cadeia”, da antiga Central Nacional de Televisão (CNT) e o “Repórter Cidadão”, da RedeTV!.
O principal componente desses programas é o apresentador que, em sua  maioria, adiciona um tom indignado a reportagens geralmente de tragédias ou perseguições. É muito comum também encontrar as “unidades móveis” dos programas, que percorrem a cidade seguindo a polícia. Os helicópteros também são um recurso utilizado, geralmente para mostrar engarrafamentos ou perseguições policiais. Outra atitude comum dos apresentadores é cobrar a polícia por mais ação diante do comportamento dos criminosos.
De acordo com Quintella, o jornalista deveria se manter numa zona neutra em relação à polícia, o que não acontece nesses programas. Neles, é comum a adesão total ao ponto de vista dos policiais.
“Bons jornalistas de segurança pública, como o André Caramante, por exemplo, não entram em camburões de polícia”, conta Laura, da Conectas, que concorda com Quintella. Ela acredita que uma cobertura de segurança pública não é bem feita se o repórter está dentro do camburão da polícia, pois ele só conseguirá enxergar as coisas a partir desse olhar enviesado. A medida também contraria um dos princípios jornalísticos, o de que o jornalismo é um quarto poder que fiscaliza os outros três, principalmente as ações do Estado.
Dessa forma, o repórter deveria mostrar todos os lados da violência, para que a notícia, a reportagem, seja  crítica, responsável e bem embasada.
Além disso, esse tipo de programa explora a degradação humana, situações de violência e miséria, dor e sofrimento de vítimas, de olho na audiência.
Nas regiões  Norte e Nordeste há uma explosão de programas policiais locais, exibidos no horário de almoço. As afiliadas do SBT, da Rede Record, da Rede Bandeirantes, da RedeTV e da TV Diário, do Ceará, são as que mais investem nesse tipo de programação.

Audiência  
“O ser humano de uma maneira geral gosta de coisas curiosas, de coisas engraçadas, coisas que causem impacto”, conta Antônio Rocha Filho, professor de jornalismo da ESPM e ex-editor do extinto jornal “Notícias Populares”, famoso por seu caráter sensacionalista num tom quase humorístico. Ele descreve que quanto mais curiosa, mais bizarra a notícia for, maior será a atração que exerce sobre o público, sobre a audiência.
A fórmula sexo-crime-sindicato levava as pessoas a comprarem jornal, segundo o livro “Espreme que Sai Sangue”. “O mercado quer isso”, completa Laura Dauden, da Conectas.

Influência comportamental
Segundo Angrimani, o jornal sensacionalista valoriza editorialmente a violência. Os leitores desses jornais têm uma formação cultural precária, portanto, estão mais próximos dos instintos e suas manifestações. Já as pessoas cultas, de formação intelectual superior, teriam os instintos mais “sob controle”, logo sua opção de leitura são veículos mais moderados, mais racionais.
Laura diz que as pessoas leem e assistem veículos em que suas opiniões sejam legitimadas, se identifiquem e se sintam confortáveis.
“Na verdade, os dois públicos [mais pobres e mais ricos] gostam da catástrofe, mas o que determina a divisão do mercado, em jornal ‘sóbrio’ e jornal sensacionalista, é a linguagem”, comenta Angrimani.
Segundo Laura, os telespectadores do sensacionalismo se sentem mais tranquilos para agir, falar e dividir seus pensamentos violentos e reacionários quando os percebem nesses programas policialescos. “Eles pensam ‘a sociedade pensa como eu, posso agir’”, acrescenta.
Segundo ela, o aumento dessa percepção de pensamentos e modo de agir na mídia sensacionalista têm levado ao crescimento do número de linchamentos em todo o Brasil. Ela atrela essa questão à falta de checagem e a construções irresponsáveis de discursos. Ainda cita o exemplo da mulher linchada no Guarujá em maio de 2014. Ela foi acusada por uma rádio da cidade de sequestrar crianças para rituais de magia negra. Um retrato falado, com a sua aparência, foi divulgada numa rede social, e a população decidiu fazer “justiça com as próprias mãos”.

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