Grupo promove saraus e usa a poesia contra o racismo
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Por Jacqueline Aliandro, Thales Silveira e Victoria Terra
»»»O palco era todo iluminado com uma luz amarela. Pétalas de girassol foram espalhadas por todo o chão. Quatro mulheres negras, com vestidos também amarelos, estavam em frente ao pequeno palco colorindo o cenário onde reivindicavam seus direitos. Por meio de canções, poesias e danças, contavam para o público as injustiças de suas vidas e se mostravam resistentes a tudo isso. Com o microfone aberto ao público, acolhiam vozes que se identificavam com aquela luta.
Resistência é a palavra que define o Sarau das Pretas, cuja edição de março foi acompanhada pela Plural, no refeitório do SESC do Carmo. As mesas e cadeiras viraram poltronas para o público, o chão, um palco para falar sobre as dificuldades que mulheres negras sofrem todos os dias. As integrantes do Sarau das Pretas creem que muitas mulheres nem sabem que sofrem racismo. “Quando elas vêm para um sarau, ouvem e pensam ‘putz, mas aquilo que aconteceu comigo ontem foi racismo’, começam a perceber e a se conscientizar”, diz Débora Garcia, criadora do grupo.
O contexto do racismo data de séculos no Brasil, país que só aboliu a escravidão em 1888. Isso afeta a população negra de diversas maneiras, com ofensas e injustiças diante da alegação de superioridade dos brancos. Dados de expectativa de vida, mortalidade, renda, desemprego (entre outros) da população negra comprovam o cenário desigual. Por exemplo, 53,6% da população se autodeclara negra, de acordo com o IBGE. Por outro lado, os negros representam apenas 17,4% da parcela mais rica do país.
O racismo é uma realidade no Brasil, mas a resistência também é. Protestos e passeatas contra o preconceito estão mais comuns. As vítimas do preconceito também usam a arte como forma de combater a discriminação e por meio de canções, poesias, filmes e fotografias, resistem às injustiças.
A professora do Ensino Fundamental Débora Monteiro conta que a arte tem, de uma forma geral, o poder de impactar as pessoas. “Como educadora, vejo que dos melhores resultados, no sentido de provocação e de inquietar os alunos para essa questão do racismo, assim como outras questões, é quando eu levo arte à sala de aula”, declara.
Racismo é um tema difícil de ser conversado, pois é uma realidade difícil de ser aceita. Débora acredita que a arte é uma forma de levar essa discussão às pessoas de maneira mais leve e por vezes mais transformadora. “Então quando você aprende através da arte, você reflete e você também repensa e se transforma”, diz.
Sarau
Com um ano de existência, o Sarau das Pretas é um grupo independente de mulheres que expõem, através de canções e poesias, as dificuldades que passam no dia a dia. Proporciona um espaço onde mulheres negras podem se expressar livremente, cantar e recitar, sem serem julgadas, e sim acolhidas.
O projeto do sarau surgiu em 2016, quando as integrantes – Tatá Alvez, 25 anos, Jô Freitas, 29 anos, Elisandra Souza, 33 anos, Debora Garcia, 34 anos, e Taisol Ziggy, 21 anos – receberam um convite para do SESC para fazer uma atividade no Dia Internacional da Mulher. “Vimos nessa atividade uma oportunidade de trazer as mulheres negras para esse espaço”, diz Debora.
Com a casa cheia em sua primeira atividade, as meninas já estavam sendo questionadas sobre quais seriam os próximos eventos do grupo. “E aí a gente viu as pessoas perguntando pra gente, querendo saber, querendo participar, então percebemos que existia um espaço, uma demanda do público por um sarau protagonizado por mulheres pretas”, complementa Debora.
Por serem um grupo independente, elas fazem a própria produção e divulgação de seus trabalhos. Porém, segundo as integrantes, isso é um desafio, pois a gestão administrativa, por exemplo, toma ainda muito tempo. Em 2017, pretendem se estruturar melhor para ganharem tempo e se dedicarem à parte criativa do projeto. “Neste primeiro ano de trabalho foi muito importante para nós estar nesse trabalho de produção, mas entendemos que é importante ter uma estrutura para que outras pessoas possam nos ajudar a fazer isso, para que a gente consiga realmente se dedicar ao trabalho criativo, porque nós somos artistas”, comenta Debora.
Participação
O dia a dia de cada artista inspira seus trabalhos, e não é à toa que o racismo é tema de tantas obras, em diferentes formas de arte. Grafites, quadros, poemas, contos e principalmente músicas abordam a temática de maneira realista. Por conta disso, o Sarau das Pretas abre espaço para que o público possa expor suas próprias vivências ou mostrar algum trabalho com que se identifique pessoalmente.
Elisandra Souza, integrante do grupo, acha que essa abertura é essencial e sente que, ao mesmo tempo que o grupo acolhe o público, o contrário também acontece. “O público também quer essa resistência. Quer ouvir essa voz e quer falar. Como a maioria dos nossos saraus tem microfone aberto, a mulher negra que vem pra ouvir se sente acolhida e também recita poemas, recita outras autoras”, comenta.
Antonio Henrique Ribeiro acredita que o sarau nas periferias tem forte influência sobre o público participante, fazendo com que as pessoas se aproximem de escritores que utilizam uma linguagem mais acessível e que compartilham a mesma realidade. “Sempre escrevi, e antes de conhecer o movimento dos saraus não classificava minha escrita como poética”, declara.
“Quando uma mulher negra se reconhece no poema de outra mulher negra, de alguma forma ela está sendo curada, elas estão se ajudando, se curando de um mal social que as afeta psicologicamente, emocionalmente”, pondera Débora Monteiro.
museu afro brasil
Muito do preconceito está ligado à falta de conhecimento, por isso movimentos como saraus e slams divulgam a causa negra. No entanto, nesses eventos o público é mais específico, e em geral composto por negros jovens e que buscam formas de se expressar e de se conectar a outras pessoas com a mesma vivência.
Mas, além de eventos desse tipo, museus e espaços históricos ou culturais também cumprem papel importante na resistência à opressão de raça, atingindo públicos mais diversificados com informação contra o preconceito.
Esses espaços permitem que “o outro” obtenha um contexto histórico sobre o povo representado, tendo um panorama melhor sobre aquela cultura e assim revendo preconceitos.
Exemplo é o Museu Afro Brasil. Localizado no Parque Ibirapuera, o museu tem como finalidade evidenciar a perspectiva africana na formação do patrimônio, identidade e cultura brasileiros. Por estar em um espaço acessível e com um público diversificado, a instituição tem capacidade de atingir uma parcela maior da população do que os saraus.
Para João Pedro, estudante de curso profissionalizante em audiovisual, o museu tem o poder de causar um impacto de conscientização maior por sua acessibilidade. “É um meio de discutir e refletir sobre o racismo e a história da população negra em nosso país.”, complementa.