Em entrevista, Boni diz que televisão está à procura de novos caminhos
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Mariana Castro
»»» Nascido em 1935 em Osasco, na Grande São Paulo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, começou a carreira na publicidade. Apaixonado por rádio, logo acabou se envolvendo com uma outra mídia, então considerada nova e incerta: a televisão. Com papel expressivo nas TVs Tupi, Paulista, Rio e Excelsior, tornou-se mais conhecido na TV Globo, onde estabeleceu um padrão de qualidade reconhecido no mundo todo.
Boni estimulou mudanças representativas na teledramaturgia, buscando maior representação do cotidiano brasileiro. Responsabilizou-se por todas as áreas da programação, inclusive o jornalismo.
Nesta entrevista, Boni conta um pouco sobre o panorama da televisão brasileira atual, as quedas de audiência e até mesmo sobre a influência das novas tecnologias e da internet. Segundo ele “a televisão, ao lado de entreter e informar tem que contribuir para melhorar o país, mesmo além de suas atribuições”.
Leia a seguir a íntegra da entrevista.
O senhor considera que o entretenimento vem ganhando espaço na TV em detrimento da prestação de serviço?
Não vejo assim. Acho que alterações no horário da programação prejudicaram a exposição dos telejornais, especialmente os de fim de noite como o Jornal da Globo, por exemplo. Uma lástima. Em compensação, as entradas de boletins informativos durante a programação de entretenimento têm sido mais frequentes. Olhando as demais emissoras e os horários em que são programados os bons telejornais e programas de prestação de serviço, a constatação é de que eles têm perdido espaço, quando deveriam crescer em volume e qualidade. Não há outro caminho. A informação, o imediatismo, a presença nos acontecimentos ao vivo são a força da televisão para competir com qualquer mídia.
A internet se tornou muito presente na vida das pessoas. Ela muda a maneira das pessoas assistirem televisão?
Sempre haverá mudanças. Mas é assunto resolvido e definido. São veículos complementares. A Internet não ameaça a televisão em nada. Não existe mais essa guerra. A televisão nos Estados Unidos está tirando excelente partido da existência da Internet, expandindo a exibição de seus produtos e produzindo especificamente para o meio. A televisão é o grande veículo de publicidade, crescendo em verbas publicitárias em todo mundo e, segundo todos os institutos de pesquisa internacionais, tais como a Similar, crescerá a taxas de 15% ao ano até 2030, enquanto as verbas específicas de publicidade na Internet estarão apenas estáveis. A Internet é uma grande loja e o veículo democrático para expressão tanto pessoal e quanto de grupos. O resto vai ser pago pelo usuário e não pelo anunciante. O usuário da Internet atropela “banners” e outros anúncios. Simplesmente deleta. O da televisão está atento a tudo.
O que a televisão faz hoje de melhor? E de pior?
Depende de qual televisão estamos falando. A televisão americana atualmente faz dramaturgia da melhor qualidade. E faz um excelente jornalismo. Não só pelo grande volume, mas pela capacidade de pesquisar notícias e de investigar, fugindo das agendas e de fatos previsíveis. A nossa televisão está em fase de revisão, à procura de caminhos. Isso é saudável.
Na área do entretenimento, de uma forma geral, está à procura de uma bússola para traçar os rumos. O que faz de melhor é o jornalismo, especialmente o da Globo, que faz, também, de forma primorosa os formatos americanos como o “The Voice”. Nossa televisão faz um péssimo jornalismo quando se debruça sobre o crime e a desgraça, não porque se deva banir esse gênero, mas pelo tempo excessivo que dedica a ele, enchendo horários com conversa fiada em quase todas as emissoras e até com reportagens superdimensionadas em programas importantes como o “Fantástico”.
Podemos considerar que as emissoras de TV estão sabendo explorar as novas ferramentas tecnológicas?
Há muito ainda o que explorar. A interatividade não chegou como deve. O jornalismo conta com um poderoso arsenal que vai dos celulares interligados às redes das telefônicas aos mochilinks (transmissores em mochilas conectados a redes de telefonia para envio de conteúdo), drones, câmeras de todos os tamanhos e espécies (com lentes para todas as missões), helicópteros de todos os portes, links fixos, redes de câmeras de prefeituras, particulares, redes sociais, repórter amador, enfim, um volume de ferramentas ilimitado que ainda está longe de ser usado com frequência e deveria ser coisa de rotina. As oportunidades de uso são imensas. Mas ainda hoje a prioridade é o convencional. Vai ter que mudar.
O que se pode dizer das mudanças nas grades de programação ao longo do tempo?
Elas são imperiosas. Erros às vezes permanecem por anos, por não serem detectados ou porque os responsáveis têm medo de reconhecer a falha. E se voltar atrás com uma decisão de programação, o público não vê isso como uma fraqueza do veículo, mas sim como respeito. É preciso avançar e saber recuar quando preciso. É primário. O mundo muda. O conteúdo tem que se transformar e se adequar às mudanças com a mesma velocidade. Já a grade é o alicerce. Tem que mexer também, mas mexer com muito cuidado, senão a casa cai.
Qual o papel sociocultural que a TV tem em um país como o Brasil?
Televisão é concessão de serviço público e tem que retribuir isso de alguma forma. Ao lado de entreter e informar tem que contribuir para melhorar o país, mesmo além de suas atribuições. O papel da televisão comercial é o de entreter e de informar. A função educativa é da rede educativa.
Hoje, o governo faz isso. Quando não tinha condição para fazer, a Globo supriu essa deficiência e, por livre e espontânea vontade, produziu os “Telecursos” e coproduziu o “Sitio do Pica-pau Amarelo” e “Vila Sésamo”. Já o papel cultural é da televisão pública. A TV Cultura de São Paulo sempre fez isso com competência, livrando-se da interferência do estado. Mas a Globo também contribui na própria TV Globo, na GloboNews, no Canal Futura e em outros canais que opera. A televisão brasileira é a de maior influência no mundo. Considerando as condições do Brasil, a nossa televisão tem uma tremenda responsabilidade social.
Existe uma tendência de queda dos índices de audiência na televisão?
Na televisão brasileira existe queda nos números de audiência, mas não queda do volume de espectadores. Pode-se dizer que hoje há mais pessoas vendo televisão do que há dez anos, em razão do aumento de população, quantidade de aparelhos e aumento de aparelhos por residência, além dos espectadores que ainda não estão sendo computados e estão vendo televisão digital nos celulares, ônibus, carros etc, segmentos que ainda crescerão significativamente.
Os serviços de vídeo sob demanda, como o Netflix, são uma tendência? Como isso pode afetar a televisão aberta?
No mundo inteiro não há mais esse conceito de televisão aberta e paga. Só no Brasil se fala nisso. É televisão e ponto. Nos Estados Unidos, como 95% das residências são cabeadas, ou ligadas ao satélite, tudo é pago. A Netflix e a Amazon, por exemplo, são puramente televisão. Podem ser um conforto, porque se pode ver na hora que quiser, mas não uma tendência.
Atualmente, em Nova York pode-se comprar uma assinatura de televisão de até 200 canais livres, mais a televisão que tem um horário para exibir e você paga para ver (pay per view) e, mais ainda, a televisão na qual você escolhe o que quer ver, na hora que quiser, que é o VOD (vídeo on demand). O Netflix faz parte dessa última categoria. Em um determinado momento, pode tomar a audiência de algum canal, mas ninguém passa todos os dias, o dia inteiro, pagando o Netflix ou outro serviço.
De novo, a palavra-chave é conteúdo. Porque pagar se o conteúdo gratuito é melhor? Produções como “Madmen”, “House”, “Breaking Bad”, “Game of Thrones”, “Girls” e dezenas de outras são consideradas hoje conteúdos superiores aos do cinema. E são de fato. Temos que entender que a resposta da indústria americana de televisão ao novo desafio é conteúdo.
Com a qualidade digital, o tamanho das telas de TV e a pluralidade de canais e serviços e a retomada do conteúdo de qualidade, a televisão tomou um novo e surpreendente impulso em todo mundo. E vem aí o UHD (ultra high definition) 4k e 8k.
Resta-nos esperar que venham também ao Brasil bons conteúdos e que não fiquemos apaixonados apenas por forma e tecnologia.