Profissão de fé

Share

Uma das metáforas mais frequentes usada para descrever a profissão de jornalista é aquela que a compara a um sacerdócio. O jornalista, assim como o sacerdote, deve se dedicar ao seu ofício por paixão e devoção. Jornalismo seria uma espécie de vocação inata, tal como os trabalhos na Igreja. O jornalista deve suportar longas e exaustivas jornadas de trabalho, estar sempre disponível e, acima de tudo, devotar-se à causa jornalística com fervor messiânico. De quebra, faz um voto de pobreza, assim como certos frades, porque jornalista jamais enriquece. Seria, portanto, também uma profissão de fé.
Essa visão pode ter feito sentido algum dia, alinhada a uma certa causa, a um certo contexto. De resto, tornou-se um anacronismo indefensável. O jornalista bem sucedido do século 21 dificilmente pode ser comparado a um monge  – está mais para um empreendedor incansável, um curioso incurável, um contador de histórias hábil que trafega de plataforma em plataforma em busca da melhor maneira de contar uma história impactante à sua audiência, seja ela calculada em unidades ou em dezenas de milhões de pessoas. Mantém o foco no interesse público, nos direitos humanos e na defesa das sociedades livres e democráticas. Exerce seu papel de cão de guarda, o papel fiscalizador do chamado “quarto poder”, ao mesmo tempo em que promove o diálogo social colocando constantemente a sociedade em contato consigo própria. Dá escuta às vozes sufocadas.
Mas o faz profissionalmente, e não por hobby ou devoção. Estuda. Pesquisa. Aprende. Ensina. É uma carreira ao mesmo tempo apaixonante e árdua, pois lida o tempo todo com a pressão de expectativas e interesses variados, mas uma carreira. Paixão e trabalho não se confundem com fé nem com sacrifícios redentores.
Muito dessa confusão acontece porque o jornalismo é uma carreira de envolvimento permanente. Vivemos o jornalismo noite e dia, atentos. Mas o envolvimento permanente do jornalista, assim como o do médico à disposição do imponderável, não se confunde com fé.
Nesta edição da revista Plural, que chega ao seu sétimo número, dez futuros jornalistas exercem um jornalismo de futuro para discutir   as múltiplas faces da fé no Brasil. Muito além das crenças mais conhecidas – 87% dos brasileiros se declaram católicos ou evangélicos, segundo o IBGE –, mergulhamos no universo menos propagado, embora crescente, do espiritismo, da umbanda, do budismo, do judaísmo e do islamismo. Entrevistamos também ateus e especialistas que destrincham a noção de Estado laico e como ela se materializa – ou não – no Brasil. O resultado não é um ato de fé, mas sim de jornalismo. Bom jornalismo, que, aliás, transborda da revista para o nosso site: portaldejornalismo-sp.espm.br .
Folheie. Clique. Faça boa leitura! RENATO ESSENFELDER, editor da Plural.