O combate ao racismo estrutural

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Iasmin Paiva, Luana Cataldi, Maria Clara Bispo, Maria Luiza Baccarin e Matheus Marcondes (4º semestre)

O Brasil é um país onde 50,94% da população se declara preta ou parda, mas apenas 5% dos executivos são negros. Várias empresas têm tomado iniciativas para modificar esse cenário.

De acordo com Edson Paixão, presidente da Ultragenyx Brasil Farmacêutica, a diversidade é importante para a própria empresa promover inteligência e criatividade na sua produção, além de respeito e crescimento pautado no desempenho. “Um time plural tende sempre a atuar em alta performance e isso é quase instantâneo. Penso que a diversidade é o maior ativo intangível que uma empresa possa ter”, opina.

Para Paixão, é necessário um olhar mais profundo para reconhecer o potencial de uma pessoa. “Devemos reconhecer pela força de vontade, pela verdadeira intelectualidade e sabedoria, pelo bom caráter. Sempre há espaço para desenvolver e abrir as portas, ajudar esses jovens a romper suas próprias barreiras e promover um mundo mais diverso”, afirma.

Um dos exemplos mais recentes de projetos para inclusão de negros em cargos de relevância dentro de empresas foi o programa de trainee do Magazine Luiza, que disponibilizou vagas exclusivamente para negros. O programa foi amplamente elogiado, mas também gerou polêmica e sofreu críticas de políticos, parte da população e até magistrados.

Além do MagaLu, diversas outras empresas desenvolveram políticas de inclusão em seu departamento de recursos humanos. Em junho deste ano, o coletivo Bock, movimento negro dentro da Ambev, criou um comitê de diversidade racial na empresa. Com diversos compromissos como “ampliar a representatividade de pessoas negras em processos seletivos e contratações, bem como em promoções, capacitando profissionais com potencial”, o comitê acabou ampliando um projeto de estágio criado no fim do ano passado, o Representa.

“Sabemos que as desigualdades sociais são um problema estrutural e que, infelizmente, se refletem no mercado de trabalho. Entendendo isso, o Representa foi criado com a ótica de derrubarmos as barreiras ocultas e ampliar a representatividade dentro da companhia”, declarou a Ambev em nota. Também destacou que o programa não conta com restrições de cursos ou instituições de ensino, além disso, o candidato não precisa ter experiência profissional prévia e nem conhecimento em língua inglesa, critérios que geralmente são os principais na hora de acentuar as desigualdades nos processos. A empresa afirma ainda que ficou positivamente surpresa com o resultado imediato das medidas: “O programa atingiu um número elevado de inscrições o que nos mostra o interesse e a quantidade de talentos que temos no mercado”.

A empresa de consultoria e TI Accenture também tem implantado medidas afirmativas. Foi criado um comitê de representatividade racial dentro da empresa, o Colour Brave. “Tanto o sponsor, que é um executivo de carreira da Accenture, quanto os integrantes do Grupo Tático, são representados predominantemente por funcionários pretos e pretas, para que seja possível exercerem seus lugares de fala e protagonismo” afirma Wilson Marcondes, líder do pilar na Accenture. O Colour Brave acabou por impulsionar diversas ações na empresa, como o programa de estágio AddVentures2Go, que teve mais de 3 mil inscritos logo na primeira semana de publicação e recrutou 24 jovens negros.

O debate público gerado a partir da implementação das medidas, por si só, já é uma conquista apontada por Patrícia Leung, líder de Relacionamento Universidade & Onboarding na Bayer Brasil. A executiva acredita que, desde que foi criado o grupo que promove uma série de ações para desenvolver e discutir políticas de igualdade étnico-raciais dentro da companhia, o BayAfro, em 2015, alguns dos principais objetivos já tenham sido alcançados. “Provocar reflexão sobre as nossas estruturas e sobre a necessidade de políticas de inclusão voltadas para valorização étnico-racial; e avançarmos com iniciativas inclusivas através de práticas intencionais, considerando o contexto do nosso país.”

O processo para formular políticas afirmativas, no entanto, pode se deparar com algumas dificuldades. Gisele Rosa, coordenadora de DHO da Raízen, afirma que uma das principais dificuldades para definir uma ação para promover a diversidade é a falta de informação. “Não temos em cadastro dados autodeclarados e isso traz uma miopia sobre eles”. Mesmo em etapas mais avançadas do processo, as empresas lidam com pressões populares contra as medidas, como a Ambev, que foi acusada de racismo reverso, principalmente nas redes sociais, depois de expandir seu programa Representa.

A continuidade e desenvolvimento dessas medidas, portanto, dependem de uma articulação de toda a empresa, “não somente com a alta liderança, mas também com todos os colaboradores é fundamental para construção de uma cultura inclusiva e um ambiente maduro para inclusão”, conta Patrícia Leung. Outro ponto levantado por ela são as parcerias com consultorias especializadas, que permitem o fortalecimento na conscientização e no desenvolvimento de lideranças inclusivas.

Pedro Jaime, professor da ESPM, é doutor em Antropologia Social pela USP e autor do livro Executivos negros: racismo e diversidade no mundo empresarial. “Ele (o racismo) se atualiza no presente, dentre outras formas, por meio de padrões estéticos que resultam em estereótipos raciais e fazem o negro não se encaixar no perfil de executivo”, explica.

“As empresas privadas e instituições públicas podem contribuir [para a diminuição da desigualdade racial] adotando políticas com metas e ações planejadas para a promoção da inclusão racial nos seus diferentes níveis hierárquicos, especialmente nos postos de direção e gerência”, afirma.