O assédio não tem desculpa. Não é não

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“Não é não”. Mais do que uma aula de semântica, a frase escolhida para estampar cartazes feministas, propagandas conscientizadoras e também muito usada no dia-a-dia das mulheres representa uma conduta muito problemática por parte dos homens.

Andar pelas ruas e ouvir um comentário obsceno sobre seu corpo, receber uma cantada no ambiente de trabalho, ser “encoxada” no transporte público e sentir uma “mão boba” em lugares indevidos sem o consentimento certamente não são elogios, atitudes naturais ou ‘parte da rotina das grandes cidades”. Tudo isso é assédio, seja ele sexual, moral ou psicológico.

Um espaço onde isso vem crescendo são as casas noturnas e uma pesquisa com 286 mulheres, desde menores de 18 anos até mulheres com seus 30 anos, todas elas frequentadoras destes ambientes, ajuda-nos a entender melhor o que acontece.

Entre elas, 96,5% afirmam já ter sido abordada de maneira agressiva. Isso inclui já ter sido segurada pelo braço, cabelo ou cintura de forma violenta (221 mulheres), ter sido tentada a beijar a força (219), ser tocada sem a permissão (227), ser seguida durante a festa (91), ser pressionada a fazer algo que não queria (94) e ser exposta a situações humilhantes e constrangedoras (34).

Muitas mulheres relataram casos em que foram insultadas por algum homem por se recusar a ficar com ele. São exemplos frases como: “Nossa, como você é grossa”, “Sua metida mal-educada”, “nem tava chegando em você, você é muito feia”. E o mais revoltante dessas reações é que elas foram direcionadas a mulheres que tiveram a coragem de se impor e simplesmente negar a aproximação.

Isso porque há inúmeros relatos de situações em que foi necessário mentir para o sujeito. São exemplos casos de mulheres que usaram a desculpa de ter um namorado ou até serem lésbicas quando, na verdade, elas simplesmente não estavam interessadas. Não deveria ser assim.

Outro fato gritante é que dessas 286 mulheres, apenas 42,7% reagiram de alguma forma às abordagens. “A maioria das vezes chamo o segurança do lugar, mas é raro eles fazem alguma coisa”, afirma uma das entrevistadas. Outra disse que já chegou a dar um tapa na cara de um rapaz que a beijou sem seu consentimento. Daquelas que afirmaram já ter se imposto perante as cenas de assédio, majoritariamente, xingam, gritam, empurram, pedem respeito e/ou saem de perto do homem.

Há também mulheres que afirmaram já ter denunciado o(s) caso(s) para algum responsável do estabelecimento, amigo ou familiar. As reações da casa foram as seguintes:

 

A pesquisa revela outra verdade: apenas 5,2% das meninas se sente totalmente segura para circular sozinha nos espaços e 8,7% afirma se sentir à vontade para dançar como quiser. A insistência, invasão de espaço e agressividade de alguns homens já impediram 30,4% das entrevistas de aproveitar uma festa.

Triste foi perceber que 11,2%, isto é, 32 entrevistadas já foram abusadas sexualmente. “Eu fui drogada em uma festa e o meu abusador me levou para um motel. Eu estava todo o tempo desacordada, se algum segurança tivesse questionado na festa ou na entrada do motel talvez eu não tivesse sido estuprada. Eu só lembro de flashes de ser carregada em uma escada e depois dele em cima de mim, mas não conseguia reagir”, afirmou uma delas.

Os dados podem indicar que, primeiramente, as pessoas pensam que o ambiente descontraído de casas noturnas significa que um tipo de aproximação íntima e até mesmo agressiva é aceitável. Trata-se de uma ideia absolutamente errônea de que, só porque a mulher está usando determinada roupa e se comporta de forma mais espontânea, ela “está pedindo para ser assediada”.

O que está por trás do assédio não é uma vontade de fazer um elogio. Na verdade, esse comportamento é principalmente uma tentativa de demonstrar poder e intimidar a mulher. A dominação masculina aparece como uma violência simbólica e a ordem social tende a legitimar esse tipo de ação ao naturalizar as diferenças entre os sexos. Em casas noturnas, isso se verifica muito bem por ser um espaço de contato, relacionamento e liberdade. Porém os homens se valem disso para desrespeita-las.

É importante que as casas revejam seus conceitos morais e entendam a necessidade de desencorajar esse tipo de conduta. Dizer não ao assédio é afirmar que as mulheres podem e devem ter controle sobre a própria sexualidade. É mostrar que podemos igualar a voz e o poder da mulher na sociedade, é não submetê-las aos papéis sociais tradicionais.

O assédio sexual caracteriza-se por constrangimentos e ameaças com a finalidade de obter favores sexuais feita por alguém de posição superior à vítima (Art. 216-A.do Código Penal). A importunação ofensiva ao pudor é o assédio verbal, ou seja, quando alguém diz coisas desagradáveis e/ou invasivas (as famosas “cantadas”) ou faz ameaças. Tais condutas também são formas de agressão e devem ser coibidas e denunciadas (Art. 61 da Lei nº 3688/1941). Toques nas partes íntimas de alguém sem consentimento também pode ser enquadrado como estupro, dentre outros comportamentos (Art. 213 do Código Penal: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso).

Caso você seja uma vítima ou presencie situações como essas, um número indicado é o da Secretaria de Políticas para as Mulheres, 180.

Denuncie. O assédio não tem desculpa. Não é não.