Disfunção narcotizante: quando o excesso de informação prejudica

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Estar informado significa estar participando ativamente da vida pública? Em um mundo repleto de conteúdos circulantes, tê-los em mãos é o mesmo que agir e pensar de forma crítica sobre o que dizem? Vale a pena disseminar textos, discursos, informações, se eles não necessariamente se traduzem em práticas? Analisando sua própria obra, o jornalista e professor do Instituto de Relações Internacionais da USP Celso Lafer argumentou, em artigo para o jornal O Estado de S. Paulo: “Um número majoritário de artigos abordou temas da vida internacional e discutiu os rumos da diplomacia brasileira, (…) outros tantos traçaram perfis de personalidades políticas e do mundo da cultura e suas lições para os dias de hoje (…) com a função de servir aos seus leitores no entendimento das coisas e seus contextos. A eles cabe avaliar se, no correr destes anos, meus artigos atenderam a esse propósito.”

A reflexão pode ser feita por todo profissional que trabalha com a informação. Apresentar problemas nas mídias pode, de fato, ser uma ferramenta para transformar a realidade. Segundo o teórico Paul Lazarsfeld, porém, há um risco nisso: o indivíduo se satisfazer apenas em conhecê-los. A impressão de participar ativamente da vida pública, com preocupações superficiais e sem a formação de opiniões pelos cidadãos, é um dos efeitos mais graves da disfunção narcotizante dos meios de comunicação. No mesmo rumo, Harold Lasswell, autor da teoria hipodérmica – que pressupõe a recepção total e imediata das mensagens nos processos de comunicação –, diz que a disponibilidade de informação e sua complexidade tendem a inibir a ação das massas. Combinação arriscada, em tempos de comunicação digital e cada vez mais disseminada nos quatro cantos do globo.

O assunto não é unanimidade entre os profissionais do ramo. O professor e jornalista Daniel Ladeira, por exemplo, argumenta que a mídia deve ser capaz de ajudar seus consumidores na construção de um repertório crítico: “É importante lembrar que a mídia, especialmente aqui no Brasil, tem um papel na sua essência de educar a população. No momento em que a pessoa começa a ficar completamente alienada com a quantidade de informação, a mídia deve suprir a população de repertório intelectual, ajudar a construir um senso crítico, o que resultaria em uma opinião pública devidamente madura”, argumenta. Um bom exemplo para Ladeira é a época da ditadura, em que a atividade dos grupos de comunicação induzia o público a acreditar em mensagens repetidas à exaustão, em geral, elogiosas ao regime político então vigente. “A mídia deve pensar no papel da educação e não só em encher de informação a cabeça do receptor”, complementa.

Propaganda nacionalista do governo ditatorial. Foto: Divulgação

Questionado sobre os efeitos da disfunção narcotizante, Ladeira é enfático: “há um déficit educacional enorme no Brasil, e isso reflete na falta de capacidade de análise crítica sobre qualquer evento ou fato. Isso realmente deixa a sociedade vulnerável à informação que os grandes conglomerados de mídia oferecem”, diz.

A mesma ideia é compartilhada pela assessora de imprensa Liane Zaidler, para quem a era da informação não representa, necessariamente, uma era de cidadãos bem informados. “Diariamente, somos bombardeados pelas mídias impressa e eletrônica com informações e assuntos que são repetidos até a exaustão. Na semana seguinte, já nos esquecemos das notícias que lemos e assistimos. Isso faz com que a população tenha um conhecimento passivo, ao invés de uma participação ativa.”

Rodrigo Manzano, editor de mídia e jornalista, apresenta um ponto de vista diferente. Para ele, a ideia de disfunção narcotizante é perigosa, pois alude a uma percepção negativa da influência da mídia sobre a vida da população. “Nas primeiras décadas do século XX essa visão foi difundida, mas hoje ela não é mais válida. Há muitas variáveis que alteram a forma como as pessoas reagem. O ouvinte, leitor ou espectador pode ter condições de avaliar a sua própria relação com os meios de comunicação”, diz. “A hipótese da disfunção tem valor histórico; inaugura uma série de perguntas sobre o papel da mídia, sua função e influência na sociedade. Porém, não consegue contemplar a complexidade que a mídia tem, sobretudo em tempos atuais”, alega Manzano.

Renata Fleischman (1° Semestre)