Tribos se misturam para curtir a noite na rua Augusta

ISABELA GIUGNO NEVES | JÚLIA ARBEX

Vista da rua Augusta na madrugada; a cidade de São Paulo é conhecida por nunca dormir | Foto: Isabella Giordano

»»» Quem percorre o trajeto que vai desde a rua Martins Fontes até a rua Colômbia nas madrugadas de sexta-feira e de sábado conhece uma Rua Augusta diferente da dos dias de semana. Hippies, góticos, indies, moderninhos, metaleiros e GLS são algumas das “tribos” que definem a cara do local. Antes de atravessar a Paulista os playboys se encontram para curtir hits da moda na Ballroom ou baladas no estilo sertanejo universitário na Outlaws.
Quilômetros adiante, no Baixo Augusta, fica uma das baladas GLS mais sofisticadas da cidade, a The Society. Para um programa mais tranquilo, o Espaço Itaú, sempre cheio de gente, oferece filmes cult. Seguindo em frente, hipsters e alternativos fazem fila à porta da boate Beco 203 e dos bares Vitrine e Ibotirama. A poucos metros dali, enormes motos prateadas e pretas ficam estacionadas em frente ao Inferno Club. Seus donos, tatuados, acompanhados das namoradas, bebem cerveja e se preparam para curtir uma balada hard rock.
Entre todos os estilos e tribos, que mistura playboys, hipsters, moradores de rua e prostitutas, não há rixas aparentes. Na rua Augusta predomina a diversidade. E lá as noites de São Paulo fervem.
Gustavo Costa, 17 anos, é um dos jovens que frequenta a rua a fim de  “Geralmente venho para cá aos sábados. Nunca vim sozinho, mas mesmo se viesse não seria um problema. Uma das coisas que mais curto na Augusta é que dá para conhecer muita gente e até encontrar amigos por acaso”, diz.
Costa afirma que sempre procura conhecer lugares novos. Suas baladas preferidas, revela, estão principalmente na região do Baixo Augusta, como a Mono Club. “Vou todo mês na Mono. Gosto do ambiente e do som, que são de qualidade. A casa é muito bem organizada, tem gente bonita e eles fazem ótimos drinks”, enumera.
O preço da fama
Por outro lado, algumas pessoas que sempre foram à Augusta se sentem incomodadas com a rua ficando cada vez mais popular, mesmo sendo essa a principal característica que define hoje a região. Na fila da balada Blitz Haus, inaugurada em dezembro, o estudante de engenharia civil da Universidade Prebisteriana Mackenzie Gabriel dos Santos, 19 anos, diz que o perfil dos frequentadores, principalmente do Baixo Augusta, tem mudado muito. “Escolheria parar com essas mudanças”, diz.
Anna Lívia Marques, 21 anos, concorda. “Vou em umas quebradas muito loucas, como esses american bars, justamente por não terem ficado elitizados, como o Beco 203, a que costumava ir sempre”, conta.
Muitos falam que a Augusta agrada a todos os estilos de pessoas e que não importa qual seja sua personalidade, você se encaixará em algum lugar de lá. Cursando cinema na Academia Internacional de Cinema, Paulo Chicareli Couto, 19 anos, acredita que os que vão bastante àquela estão “dentro de um grupo mais artístico, com uma cabeça mais aberta e uma visão não convencional de mundo”.

Bar na rua Augusta, que oferece várias opções de lazer | Foto: Isabella Giordano

Segurança
Problemas como o trânsito caótico, limpeza e segurança tanto dentro das boates como nas ruas depois da meia-noite também são queixas dos que vão aproveitar a noite na região central paulistana. Em 2006, a prefeitura gastou R$ 2,22 milhões para reformar e limpar as calçadas, mas o problema continua a incomodar os frequentadores fiéis. Formada em gastronomia, Camila Pinhata, 25 anos, diz que achava a rua bem tranquila. “O que não gosto daqui é da população jovem caindo bêbada pelas ruas”, conta. “Aqui não é o tipo de local que gostaria que meu filho, por exemplo, começasse a frequentar se fosse muito jovem”, completa.
A jovem, que diz não se considerar de nenhuma tribo específica e apenas ser “diferente, pois acho o comum chato”, reclama dos botecos fuleiros que permitem que os jovens bebam até cair por não ter supervisão alguma. “Acho que meu momento badalado passou. Estou na fase de vir à Augusta para ir ao cinema, tomar uma cerveja com amigos e ir ao Novo Arte, um salão super legal que frequento, onde faço minhas tatuagens e onde trabalha uma galera superdescolada”, finaliza.
A 1h30 de uma sexta-feira Nélio dos Reis, 19 anos, enfrentava o desconforto da fila da Lab Club, balada que atende um público bastante variado.  “Essa fila nem chega a ser um problema para mim. Mas a estrutura da rua, as calçadas quebradas e sujas, é uma vergonha”, fala.
Ana Cláudia Ludscher, 18 anos, sente o mesmo. “Não venho muito para cá. Minhas baladas preferidas são a Lions, Clash, D-Edge e a Disco. Não gosto muito daqui porque não vemos os seguranças. Vários amigos meus já foram assaltados quando estavam bebendo ou conversando nas calçadas”, conta. Ana estava na porta da balada Ballroom, localizada no cruzamento da Augusta com a rua Estados Unidos, onde funcionava a Heaven. “Nunca fui a outra parte da rua, costumo vir para o Alto Augusta. Aqui tem uns restaurantes e lojas que gosto bastante, como a Ouro Fino. Essa parte é mais a minha cara”, finaliza.
Por outro lado, do outro lado da rua, na frente da balada de metal Newz Club, William, 70 anos, e Jéssica, 17 anos, discordaram das reclamações dos frequentadores. Os dois, que não quiseram revelar seus sobrenomes, estão na Augusta diariamente.
Vindo da Bahia com apenas 16 anos, William, conhecido como Boca Murcha, é morador da rua há quase 30 anos. “Não vejo mais violência aqui do que nos outros lugares de São Paulo. Posso dizer com toda certeza que aqui tem mais diversão e que não há muitas brigas. O que deve então incomodar esse pessoal é a rua estreita e suja”, diz o homem que tem fama de animar as filas das boates conversando e caçoando daqueles que por ali passam.
A paulistana Jéssica concorda com Boca Murcha. “Estou trabalhando como promoter da Newz Club há três semanas e não vi nada que me espantou. Lógico que há aquelas pessoas que bebem e se drogam até perder o controle, mas não é diferente de outro local.”
A garota já trabalhou como promoter em três bares, todos na Vila Madalena. “Se procurarmos problemas na Vila Madá, por exemplo, vamos encontrar. Talvez as pessoas achem que aqui é mais perigoso porque a noite na Augusta não acontece só dentro dos estabelecimentos, ma s nas ruas e calçadas também”, finaliza ela.
Uma história de altos e baixos
A Rua Augusta é conhecida atualmente pelo constante movimento de pessoas e por ser frequentada por uma juventude heterogênea, mas surgiu com uma proposta de requinte e luxo, em 1875. Tudo começou por seu nome, que inicialmente era Maria Augusta, um título que, para o português Mariano Antônio Vieira, fundador da rua, transmitia nobreza.
A via, que surgiu de uma trilha que ligava a chácara do Capão à Avenida Paulista, abrigava apenas residências até chegar ao seu auge nas décadas de 1950 e 1960. Point de paqueras e playboys em carros de luxo, tornou-se inspiração para músicos da jovem guarda, como na canção de Hervé Cordovil “Rua Augusta (1963)”, que retrata a juventude rebelde presente constantemente na rua.
Além de marco cultural da cidade de São Paulo, portava algumas das lojas mais sofisticadas da cidade. Até que em 1975, com o surgimento dos shoppings centers, houve a decadência do comércio local, a desvalorização imobiliária e a porta de entrada para a prostituição no local. Desde então se deu a divisão de Baixa e Alta Augusta.
Para que houvesse uma modificação no perfil da via, investimentos governamentais foram efetuados, reformulando desde as calçadas até a implantação de árvores em toda a sua extensão. Buscando revitalizar a Rua Augusta, foram inaugurados clubes noturnos em 2005, iniciativa tomada por Facundo Guerra e José Tibiriçá, sócios do clube Vegas. Por conta da especulação imobiliária no bairro, considerado uma das áreas mais valorizadas de São Paulo, foi fechado em 2012. Na época da abertura da casa, o público passou a ser o de frequentadores do circuito Itaim–Vila Olímpia, fazendo com que outros empresários investissem no local para torná-lo um point alternativo.
Atualmente, o trecho tem início na rua Martins Fontes e termina na rua Colômbia, integrando 3 km de extensão que atraem pessoas 24 horas por dia.