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Edição 15 - Consumo Consumismo Plural

Tecnologia e Consumo: Aliados?

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Já teve a impressão de que seus produtos não são feitos para durar? Independentemente de marca ou preço, muitos itens tornam-se obsoletos pelo avanço tecnológico, pela substituição de sistema operacional ou por alguma mudança nos padrões de uso, como a variação do tipo de tomada, por exemplo. Mas há ainda uma questão intencional nesse processo por meio do qual a indústria prevê um determinado prazo de validade de seus produtos para incentivar o consumo e, além disso, gerar mais resíduos ao meio ambiente, especialmente de eletrônicos.
De acordo com o Global E-waste Monitor 2017, relatório elaborado pela Universidade das Nações Unidas (UNU), em parceria com a União Internacional das Telecomunicações (UIT) e a Associação Internacional de Resíduos Sólidos (ISWA), em 2021, o lixo eletrônico global deve atingir 50 milhões de toneladas. Um número assustador, decorrente de eletrônicos de última geração, como smartphones e tablets, passando por eletrodomésticos e lâmpadas.
A obsolescência programada ocorre quando um produto vem de fábrica com a predisposição a se tornar obsoleto ou parar de funcionar após um período específico de uso. Dessa forma, as empresas lançam produtos no mercado para que sejam rapidamente descartados e substituídos por outros. Isso não acontece só com celulares, mas também com TVs, computadores, eletrodomésticos e até mesmo com as lâmpadas. Com os celulares a forma mais fácil de implementar a obsolescência programada é pela atualização de aplicativos e do sistema operacional.
Segundo a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor – Proteste, problemas de funcionamento após o término da garantia podem ser classificados como vício oculto. Trata-se de algum defeito que aparece no produto ou no serviço que o torna inadequado ao uso. Ele pode ser constatado por meio de avaliação de uma assistência técnica autorizada ou de fatores óbvios, percebidos pelo próprio consumidor, como um celular que para de funcionar quatro meses após a compra, em razão da bateria.
O Brasil tem hoje, em média, mais de um aparelho celular para cada habitante, cerca de metade com acesso frequente às redes sociais, segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A bateria é uma das maiores responsáveis pelo tempo de vida do aparelho, segundo o Instituto de Defesa do Consumidor (IDC). Como a bateria tem um ciclo de mil recargas, e os aparelhos são recarregados três vezes por dia em média, os celulares teriam cerca de dois anos de vida.
No ano de 2018 a eBay, uma das maiores empresas de comércio eletrônico, realizou uma pesquisa que revelou quais foram os produtos mais buscados naquele ano no Brasil. O resultado apontou que, dentre os produtos mais buscados em 2018, o primeiro lugar ficou com o iPhone X, último lançamento da Apple que estava sendo vendido pelo preço aproximado de R$ 7.000,00. O segundo lugar ficou ocupado por mais um aparelho da multinacional americana, o iPhone 7, sendo seguido pelos produtos: PlayStation 4, Drone, Bonecos Funko Pop e relógios. A Samsung foi a fabricante de celulares que ficou com o segundo lugar, ganhando da Motorola, Xiaomi e Google.
O constante avanço da tecnologia permite que todos os anos apareçam novos modelos de telefones para oferecer melhor qualidade de uso, câmera, áudio, vídeo e outros inúmers recursos que conquistam o público. Justamente por esses fatores, as pessoas que querem estar por dentro das novidades – estimuladas para atenderem os apelos do consumo – sempre procuram formas de trocar seus aparelhos. Como resposta para suprir esse desejo, grandes operadoras de celular vendem serviços para atender a esse público.
Estratégias adotadas pelas telefônicas como Vivo Renova, Claro Troca, Tim Troca Smart e Oi Troca Fácil são os exemplos nítidos dessa grande procura por smartphones de última geração. Esses serviços possuem a mesma mecânica de funcionamento: o cliente tem que levar o aparelho usado de qualquer operadora em uma das lojas participantes. Após isso, o preço do celular será avaliado de acordo com o modelo e o estado de conservação. E por fim, o valor do aparelho antigo é descontado na hora da compra do novo celular. Entretanto, essas facilidades não são percebidas como muito positivas por algumas pessoas. Gabriel Lucas dos Santos, dono de uma loja da iPlanet – que é revendedora e assistência técnica de produtos Apple –, também possui um esquema de troca dos smartphones, mas pondera: “Todas essas lojas muito grandes pagam um valor no seu aparelho que não é justo”.
Encantados pelo novo
Independentemente do caminho escolhido para estar sempre atualizado com as tecnologias, há aqueles consumidores que buscam pelas novidades, como é o caso do estudante de administração Vinícius Rebouças, que troca seu aparelho todos os anos e repassa o antigo para o seu irmão Para ele, as novidades do mercado proporcionam experiências e inovações que são dignas de filmes e ideias fabulosas. “O que mais me encanta nos novos aparelhos são a câmera, processador, tamanho de tela, já que gosto de celular grande, memória, duração de bateria, que é o mais importante para mim, já que eu fico grande parte do meu dia fora de casa”, diz Vinícius. O estudante ainda contou que muitos dos novos aparelhos vêm com a compatibilidade com computadores, ou seja, os equipamentos encontram-se conectados entre si para uma melhor funcionalidade e praticidade para os consumidores.
Para Vitor Epiphanio – estudante de tecnologia que foi o primeiro comprador do mundo do iPhone 6s plus, na Austrália –, todo esse encantamento se dá pela inovação tecnológica que as grandes empresas estão trazendo. O empresário Gabriel dos Santos confirma: “A tecnologia avança, e a gente tem que se adaptar a ela. Então, é bom poder não ficar para trás. ” Além disso, Gabriel comenta sobre o projeto do futuro da empresa da maçã. “A Apple quer que você tenha as mãos livres. Hoje você conversa com assistentes de voz que podem fazer muita coisa para você. E isso vai evoluir. ”
O estudante Epiphanio diz que sua principal motivação para ir atrás de um dispositivo novo é o quesito inovação tecnológica. “Atualmente sabemos sobre os aparelhos que serão lançados muito tempo antes, devido à grande gama de marketing que cerca essas empresas, proporcionando apresentações majestosas de suas novidades.”
Além das datas de lançamentos dos novos modelos, o dono da iPlanet, Gabriel Lucas, revela que a época em que as vendas de celulares mais aumentam são no Natal, já que as pessoas muitas vezes escolhem esse tipo de mercadoria para poder presentear seus conhecidos e familiares, e no período pós-Carnaval, pois durante o feriado a grande quantidade de roubos é significativa, e os consumidores necessitam de um substituto para o produto perdido ou furtado.
Opostos na era da tecnologia
Dentre tantos lançamentos, pesquisas, novidades e mais consumo, algumas pessoas podem ser consideradas fora da curva por não seguirem essas tendências e nem verem necessidade de possuir um aparelho de última geração.
Famosos estão voltando com a ideia de carregar telefones que um dia foram populares, como é o caso do Motorola Flip, que virou o queridinho de muitas pessoas. Artistas como Scarlett Johansson e Rihanna aderiram aos antigos modelos de celular, ou seja, só usam esse tipo de aparelho para efetuar ligações ou no máximo mandar mensagens de texto, já que na maioria deles não possui recursos de acesso à internet.
Mas não são só as celebridades que adotam esse comportamento. O músico Henrique Pinto Júnior não possui um celular com acesso às redes e veio a ter o seu primeiro computador com 50 anos, dois anos atrás. Antes disso, ele não via necessidade de carregar um telefone, uma vez que sempre viveu no seu mundo da música e a única ferramenta que precisava para se comunicar com as pessoas era a ligação por áudio.
Porém, com o passar do tempo, o músico se viu intrigado e curioso para entrar nesse mundo. E o notebook que ganhou acabou se tornando um instrumento de trabalho. “Ainda não sinto aquela necessidade de entrar, de fato, no mundo das redes sociais e da tecnologia, mas temos que saber a hora de reconhecer o mundo que estamos vivendo para não ficar numa bolha fora dele”.

A Vida Por um Clique

Consumir informação nas redes sociais, atualizar o Instagram diversas vezes durante o dia e checar o Twitter para saber as novidades sobre os famosos mais badalados do momento podem ser sinais de FoMO (fear of missing out), síndrome que representa o medo de perder alguma novidade ou ficar de fora de alguma coisa.
O nome FoMO foi usado e apontado como uma síndrome pela primeira vez em 2004 por Patrick J. McGinnis, autor estadunidense, que cunhou o termo em um editorial da The Harbus.
A psicóloga Jeane Dianoski aponta o perigo da doença. “FoMO é um comportamento disfuncional, uma patologia a ser tratada, já que tudo que sai do equilíbrio natural e altera a qualidade de vida pode ser considerado danoso”, afirma a especialista.
A agência de marketing Tecmark, em pesquisa divulgada em 2018, concluiu que o usuário médio brasileiro verifica o celular aproximadamente 1.500 vezes por semana. Sendo assim, uma pessoa costuma gastar 3 horas e 16 minutos por dia olhando para a tela de seu celular. A alta exposição à tecnologia e às mídias sociais tem grande papel no desenvolvimento a doença.
Segundo a filósofa Marilise Dadalto, a aceleração do mundo e a cobrança por criarmos a nossa própria identidade, sermos legais, bem sucedidos e estarmos sempre felizes, junto com outras tantas outras cobranças sociais acabam provocando muita ansiedade nas pessoas. “A ansiedade é um grande início de doenças mais sérias, atualmente, a modernidade ao mesmo tempo em que nos trouxe a tecnologia e infinitas coisas boas, ela também nos trouxe este mundo acelerado.”
De acordo com estudos divulgados em 2016 pelo departamento de Psicologia da Universidade de Essex, no Reino Unido, 75% dos indivíduos adultos já passaram pelo sentimento da FoMO. Em entrevista para a Universa, Leda Spessoto, psiquiatra e psicanalista, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, comenta que o maior problema está em deixar de viver a sua própria vida, para virar um espectador de uma realidade que não é a sua.
A FoMO é uma síndrome que reforça a sensação incalculável da perda em cada ser humano, seja de oportunidades, momentos, sensações ou objetos. “O medo da perda está em nós desde que o mundo é mundo. É importante que saibamos lidar com ele sem que nos machuquemos. Aí está o equilíbrio, em tempos de internet ou não”, comenta a especialista.