Entre os dias 31 de julho e 17 de agosto, o Itaú Cultural recebeu o espetáculo O Rio Lear, uma releitura do livro O Rei Lear, de William Shakespeare. A peça, que foi apresentada entre quinta-feira e domingo das três semanas que ficou em cartaz, foi escrita e dirigida por Newton Moreno e reinterpreta a obra clássica para refletir sobre mudanças climáticas e as disputas de terra no território brasileiro.
Na trama, o latifundiário Lear, que expandiu suas terras durante a Ditadura Militar com a implementação do Estatuto da Terra, comemora seus 80 anos ao lado de amigos, parceiros políticos e de suas três filhas e dois genros. Durante a festa, Lear decide anunciar a divisão de suas terras entre suas filha. Entretanto, os problemas se iniciam quando Cordélia, a filha caçula, se recusa a bajular o pai e afirma que entregará sua parte das terras para a população indígena local, que a habitava antes da invasão do garimpo.
Para tentar convencer o pai, Cordélia traz um líder indígena da região, que pede que o nome do rio (Lear) seja devolvido como um ato simbólico de reparação com a natureza. Ofendido com a ousadia dos dois, Lear se recusa a abrir mão do nome e deserda a filha, que é acolhida pelo povo de seu convidado.
Com um elenco que reúne Leopoldo Pacheco, Jorge de Paula, Michelle Boesche, Sandra Corveloni, Ronny Abreu, Simone Evaristo e Roberto Jardim, a obra reflete sobre como a luta pela demarcação de terras está diretamente relacionada ao combate à devastação ambiental. Como recurso poético, a direção trouxe um rap que sintetiza a história da divisão de terras no Brasil – desde as capitânias hereditárias até a definição do marco temporal – e mostra como essas leis sempre favoreceram uma pequena elite, que devasta a vegetação e assassina povos indígenas em nome do “desenvolvimento”.
O texto traz à tona a necessidade de uma reforma agrária no nosso país e convida o público a refletir sobre a importância da preservação do meio ambiente e das culturas dos povos originários. “O objetivo é atravessar o entrelaçamento do onírico e o violento de Shakespeare, nos perguntando se ainda há tempo, sobretudo em termos ambientais, de reparar o débito com o futuro”, diz o diretor Newton Moreno para um artigo do Blog do Arcanjo.