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Edição 11 - Opressão Opressão Plural

Obsessão pela felicidade oprime a sociedade contemporânea

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Exposição no Rio de Janeiro | Foto: Divulgação

Por Ana Carolina Cavallini, Carolina Leal, Maria Clara Tanaka, Matheus Martins e Rachel Schmalb

»»»Ao longo da história, o que era considerado como “a grande finalidade” da vida humana foi se transformando. Se há séculos vivia-se para chegar aos céus, hoje vive-se para ser feliz. E a felicida-de se tornou algo exclusivamente associado ao indivíduo. Com isso, vivemos um paradoxo. O ho-mem precisa estar feliz o tempo inteiro para ser considerado bem-sucedido, mas o esforço de estar feliz, ou melhor, de parecer estar feliz continuamente, é angustiante e entristecedor.

Paralelamente ao crescimento do individualismo nas sociedades pós-modernas, a busca pela felicidade passou a ser atrelada ao consumo. Ideais de vida feliz são vendidos pela mídia que, por sua vez, transforma bens de consumo em garantidores desse cenário idealizado. Historicamente, isso pode ser observado quando surgiu, após a Segunda Guerra Mundial, em um período de grande prosperidade econômica nos Estados Unidos, o American Way of Life – estilo de vida que prega que qualquer um pode se esforçar para enriquecer e ter um alto padrão de consumo e de conforto.

Mas a ideia da felicidade por meio do consumo, que se popularizou no mundo inteiro, dá sinais de esgotamento. O consumo oferece satisfação passageira, e nunca sentimos que temos tudo para sermos plenamente felizes. “A sociedade do consumo consagrou certas práticas como garantidoras de uma vida feliz, mas isso não se sustenta de jeito nenhum”, reflete Clóvis de Barros Filho, professor da USP e da Casa do Saber e fundador do Espaço Ética.

Aí a equação se complica, pois, ao mesmo tempo em que a sociedade parece cobrar que sejamos felizes, a verdade é que a felicidade não é algo que possamos comprar ou fabricar. “É uma coisa que acontece com a gente. Não é algo que provocamos apenas pela força do desejo, pois, se assim fosse, todos nós seríamos felizes para sempre”, prossegue o professor de ética e autor de livros como “Felicidade Ou Morte”, em parceria com o professor Leandro Karnal, da Unicamp.

Outro filósofo, desta vez francês, manifestou uma opinião mais radical durante participação no programa “Fronteiras do Pensamento”. Para ele, a felicidade é “a nova droga ocidental”. Autor do livro “A Euforia Perpétua”, Pascal Bruckner afirma que o imperativo de sermos felizes o tempo todo gera frustração e depressão, além de inibir valores como a liberdade e a fraternidade. Esse sentimento de angústia ao qual se refere é proveniente do fato de que não é possível estar feliz o tempo inteiro. Por mais que as coisas pareçam estar sob controle, diz, tudo pode dar errado a qualquer momento, e a felicidade que era esperada para aquele instante desaparece.

Segundo o filósofo e professor da UFRJ Renato Nunes Bittencourt, os desejos nunca estão completamente realizados porque eles são, de certa forma, fantasiosos e possuem “um caráter simbólico agregado à mercadoria, à popularidade”. Dessa forma, a felicidade se torna um imperativo, não por uma questão interior, mas sim de adequação à lógica do capital. “A felicidade está empacotada”, resume.

Para ele, o imperativo da felicidade denota o vazio existencial da própria vida contemporânea. A ideia dialoga com o discurso do sociólogo polonês Zygmunt Bauman sobre a liquidez das relações pós-modernas, em que tudo parece ser descartável.

Em contrapartida à premissa de que todos querem estar felizes o tempo todo, Clóvis de Barros lança a possibilidade de que essa pressão esteja mais associada a um grupo específico da sociedade. “Quando eu entro em um ônibus que sai lotado e, assim vai até o seu destino, eu olho para as pessoas e não vejo entre elas essa necessidade de manifestar felicidade”, diz. Ao contrário, ele acredita que, naquela situação, querer parecer feliz ou mesmo manifestar alguma reação de alegria poderia ser motivo de advertência ou de mau julgamento dos colegas de infortúnio. Talvez, nesse sentido, a preocupação sobre a “opressão pela felicidade” seja privilégio de quem já satisfez todas ou quase todas as suas necessidades materiais para a subsistência.

Ser feliz

Diferentes teorias abordam o problema da felicidade sob vários ângulos: filosófico, psicológico, antropológico, religioso etc. Sabemos que é preferível estar feliz a estar triste, mas o que faz de cada um de nós uma pessoa feliz ou infeliz é algo difícil de definir em termos gerais. No entanto, há uma ideia, no mundo atual, de que a felicidade é sinônimo de alguma conquista, seja de um novo amor, seja de um novo emprego, seja a prosaica perda de alguns quilos. Mas será que a felicidade é de fato a grande finalidade da vida e está sempre motivada por um fator externo?

Ao pesquisar o termo “felicidade” no Google, é possível obter mais de 100 milhões de resultados em menos de um segundo. Há uma enorme dificuldade em lidar com o tema, pois a felicidade está associada à ausência total de problemas, o que é uma utopia. “Não podemos ficar obcecados pela felicidade e persegui-la como se ela fosse o pote de ouro no fim do arco-íris. Vivemos numa sociedade exibicionista, que supervaloriza certos padrões e que acaba humilhando aqueles que não chegam nem perto de atingi-los, mas não podemos cair nessa falácia de que o mundo é uma corrida de obstáculos com um pódio de chegada lá na frente. Viver de acordo com os próprios desejos é um projeto para hoje e com chance de êxito, mas é preciso foco em vez de passar a vida se iludindo”, comenta a escritora e cronista Martha Medeiros, que é mestre na arte de produzir textos sobre questões do cotidiano, em especial quando a temática envolve felicidade.

“A vida não precisa de uma finalidade”, prossegue. “Ela precisa apenas ser bem aproveitada durante todo seu percurso, um dia após o outro. Sendo a jornada longa, naturalmente que teremos dias bons e dias ruins em alternância. Felicidade é ter um espírito tranquilo para compreender e aceitar nossos altos e baixos, nossas alegrias e tristezas, a ambivalência natural da vida”, diz. “É necessário ter coragem para se colocar à disposição para todos os sentimentos, todas as oportunidades de autoconhecimento, todas as aventuras que prometem enriquecer nossa passagem por aqui.”

Martha é uma das autoras mais conhecidas do país quando o assunto é felicidade. Seus textos na internet sobre o assunto se multiplicam instantaneamente. Segundo ela, essa associação não foi premeditada, aconteceu de forma espontânea. Ela acredita que por expressar em palavras o próprio estilo de vida, as pessoas se identificam mais com isso. “Não há um personagem por trás da página, e sim uma mulher comum e consciente de que muitas das complicações que vivemos são provocadas por nós mesmos. Acho que o pessoal curte essa desconstrução da vitimização”, conta.

Não existe resposta certa ou fórmula de sucesso quando o assunto é felicidade, por isso, autoconhecimento é o primeiro passo para uma vida feliz. A felicidade atua como um músculo, algo que temos de trabalhar diariamente para que seja fortalecido. Em seus livros, Martha Medeiros diz que cada um deve encontrar a sua própria fórmula para ser feliz. Ao ser questionada sobre qual é a sua própria fórmula, Martha responde: “Para mim é ter um número pequeno de problemas para lidar. Não ter nenhum é um delírio. E que esses problemas não sejam trágicos nem permanentes, e sim corriqueiros e provisórios. Além disso, estar com a saúde em dia, ter amigos inteligentes e divertidos, poder ir ao cinema, ouvir música, ler um livro e viajar de vez em quando. Não ter dívidas – nem financeiras, nem morais. Possuir vínculos afetivos, gostar de si mesmo, incluindo as fragilidades. Trabalhar em algo que seja estimulante. Sei que parece simples, mas são prazeres raros para muita gente. Para mim, são mais que suficientes para eu me sentir plenamente grata”.

Redes sociais

Além de ser alardeada em todos os lugares do mundo “real” – nos livros de autoajuda, na publicidade de quase tudo o que se possa comprar, nas farmácias – a felicidade como ideal de vida conquista também o mundo virtual.

Com o advento das redes sociais, multiplicaram-se as maneiras pelas quais a felicidade é vendida como ideal de vida. E não qualquer felicidade: é uma felicidade baseada em consumo, em beleza, em juventude, em luxos diversos. Grande parte dos internautas perdem horas valiosas dos seus dias empenhando-se em uma prática de voyeurismo descontrolado em blogs e perfis de webcelebridades.

Mas lidar com o ambiente de superexposição no qual as redes sociais se inserem requer uma certa segurança da pessoa em relação a ela mesma. Isso é o que a estudante de direito da FGV Isabela Reiter, de 18 anos, pensa. “Aos 12 ou 13 anos de idade, quando comecei a utilizar o Instagram e o Facebook, ainda era muito insegura em relação ao meu próprio corpo e a como eu gostaria de ser vista pelos meus amigos virtuais.” Ela conta que o sentimento de insegurança em relação ao que postava na rede era muito comum há uns anos, e que ela era diretamente influenciada pelos padrões de beleza exibidos nas telas. Hoje, ainda sente essa pressão, mas se preocupa menos com o número de likes em seus perfis virtuais.

Reiter tenta resistir à “realidade alternativa” da internet, onde os avatares virtuais de nós mesmos parecem sempre satisfeitos e alegres, lindos e produzidos. Partindo deste ponto, julgar a vida de alguém apenas pelos seus perfis online é adotar para si mesmo um padrão inalcançável de vida – e de felicidade. É entrar em uma competição para mostrar que a sua grama é mais verde que a do vizinho, ou seja, que o seu estilo de vida (o exibido online, ao menos) é melhor do que o dos outros, e que portanto merece mais curtidas e compartilhamentos.

Para a estudante, a fórmula da felicidade nas redes sociais está ligada aos bens de consumo que as pessoas expõem, como carros, e a experiências com viagens e restaurantes. “Se não está na internet, é como se não tivesse ocorrido”, diz. “Isso mostra que a nossa sociedade está cada vez menos preocupada com a essência, com o real, e está se preocupando cada vez mais com a aparência e com a percepção dos outros sobre a vida de cada um.”

A vida “real”

Na vida real, concorda a estudante, momentos felizes e outros nem tanto se alternam. Então, por que mostrar uma realidade que não é a que você vive no mundo real? Justamente porque hoje em dia as pessoas vivem cada vez mais um mundo de aparências, em que é preciso ser feliz a todo custo o tempo inteiro. E aquelas pessoas que usam das redes sociais para compartilharem seus sentimentos reais em momentos de tristeza e de irritação, ou até mesmo para expor problemas pessoais, são chamadas de depressivas ou bipolares.

Segundo o psicólogo e professor da ESPM e da PUC-SP Pedro de Santi, a pessoa que tem real depressão acaba, desse modo, sofrendo duplamente: primeiro por estar triste, e segundo pela pressão de que “todo mundo neste mundo precisar estar feliz”.

A busca exacerbada pela vida perfeita nas redes sociais pode desenvolver outros problemas como crises de autoestima e de ansiedade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também afirma que o Brasil é o país recordista em ansiedade no mundo: 9,3% da população sofre desse distúrbio, o que totaliza 18,6 milhões de pessoas.

Para a estudante de publicidade Bianca Escabrós, 19 anos, não se sentir à vontade para fazer alguma publicação é parte do cotidiano. “A opressão está lá mas ela é tão presente que a gente nem percebe mais”, critica.

Depressão

Nesse cenário de busca pela alegria constante e negação da tristeza, as vendas de antidepressivos disparam. Segundo dados da IMS Health, no ano passado, a venda de estabilizadores de humor cresceu 18,2% no Brasil e movimentou aproximadamente R$ 3,4 bilhões.

Na busca contemporânea pela felicidade, seu contrário, a depressão, cresce e atinge pessoas de diferentes idades. De acordo com a OMS, hoje cerca de 17 milhões de brasileiros são vítimas da depressão.

O relatório “Depressão e outros distúrbios mentais comuns: estimativas globais de saúde”, produzido pela organização em 2017, mostrou que o principal público afetado pela depressão são as mulheres, e que mais da metade das vítimas não consegue acesso ao tratamento adequado. No mundo, o número de pessoas com esse transtorno ultrapassa a marca dos 350 milhões.

A solução? Não há receita mágica, infelizmente. Para os casos em que a depressão não é médica, ou seja, química, mas sim cultural, fruto dessa inadequação a padrões utópicos, um bom exercício é aceitar que sentimentos como tristeza e frustração fazem parte da construção da felicidade. Saber que as redes sociais são apenas uma representação embelezada da realidade. E que dias melhores virão.

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