Mudanças climáticas expõem pessoas em situação de rua a riscos extremos em São Paulo
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Morador enfrenta fortes chuvas. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Isabelle Santos (2º semestre)
Nos três primeiros meses de 2025, a cidade de São Paulo chegou a registrar mais de 90 pontos de alagamento em um único dia – 24 de janeiro -, segundo dados da Defesa Civil. As chuvas intensas e cada vez mais frequentes escancaram a vulnerabilidade de quem vive à margem da cidade. Enquanto a água invade casas, ruas, praças e viadutos, milhares de pessoas em situação de rua tentam sobreviver sem abrigo e segurança. De acordo com o último Censo da População em Situação de Rua, realizado pela Prefeitura em 2021, mais de 31 mil pessoas vivem nessas condições na capital paulista.
Os desafios são vários: vão da geografia e urbanização do município à falta de precisão das previsões meteorológicas. “Para a população em situação de rua, a antecipação de alertas precisa ser mais eficaz e ágil, considerando que a resposta das autoridades ainda não é suficiente para garantir a proteção dos mais vulneráveis durante esses eventos”, afirma Maria Clara Sassaki, especialista em meteorologia e porta-voz da plataforma Tempo Ok.
São Paulo também possui áreas naturalmente mais suscetíveis a alagamentos e deslizamentos de terra, o que exige um planejamento urbano mais eficiente e adaptado a essas particularidades. Além disso, o crescimento desordenado nas regiões centrais da cidade intensifica o calor, o que favorece chuvas mais intensas e repentinas. Esse cenário agrava ainda mais a vulnerabilidade das pessoas em situação de rua, que ficam expostas a esses fenômenos climáticos extremos sem qualquer infraestrutura de proteção.
O que faz – e o que não faz – o Poder Público
Entre 2021 e 2024, a gestão de Ricardo Nunes implementou medidas como a ampliação de abrigos temporários e a distribuição de kits de emergência (alimentos, roupas e itens de higiene). Os recursos destinados a ações de drenagem das ruas aumentaram, passando de cerca de R$ 120 milhões em 2021 para uma previsão de R$ 185 milhões em 2024.
No entanto, dados revelam que, embora as ações tenham sido intensificadas, a resposta da Prefeitura tem limitações. A distribuição de abrigos e kits não atendeu a toda a demanda. No bairro da Sé – um dos mais afetados pelas chuvas -, embora existam cerca de 2 mil pessoas em situação de rua, de acordo com o Censo de 2021, apenas 162 pessoas foram atendidas e foram distribuídos apenas 39 kits de higiene, segundo dados da Operação Chuvas de Verão obtidos via Lei de Acesso à Informação. Os bairros Brás, Pari e República não tiveram informações divulgadas.
Adriana Sandre, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, afirma que além das falhas históricas no planejamento urbano, São Paulo enfrenta um modelo de drenagem antigo, incapaz de responder aos eventos extremos que se intensificam com as mudanças climáticas. “A cidade não está preparada para enfrentar a maior frequência e intensidade das chuvas”, explica.
O resultado é um acúmulo de água nas áreas mais baixas e vulneráveis, como fundos de vale, margens de córregos e espaços sob viadutos, locais onde muitas pessoas em situação de rua acabam se abrigando. “Essas zonas já são estruturalmente suscetíveis a enchentes e, mesmo assim, continuam sendo ocupadas por quem não tem para onde ir”, destaca Adriana.
Adriana defende a implementação de soluções que aliem infraestrutura verde e políticas sociais, e ainda, a criação de sistemas de alerta e rotas seguras de evacuação, além de espaços públicos que sirvam como abrigo em tempos de crise. “Hoje, quem está na rua não tem moradia nem proteção mínima frente aos desastres climáticos. Isso precisa mudar.”
Uma cidade que não foi feita para todos
São Paulo enfrenta um desafio histórico no planejamento urbano: a implementação nem sempre acompanha o ritmo acelerado da ocupação da cidade. “A revisão recente da legislação, que incentiva a verticalização sem prever contrapartidas para a permeabilidade do solo, contribui para o aumento dos alagamentos, que atingem principalmente as pessoas em situação de rua”, explica Viviane Manzione Rubio, coordenadora adjunta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie.
Ela também ressalta que a falta de um Plano Municipal de Habitação implementado de maneira eficaz compromete a resposta às chuvas intensas, que segue baseada em ações pontuais, com alcance limitado. Para Viviane, a ausência de uma política habitacional contínua, que ultrapasse as mudanças de governo, aumenta a exposição desse grupo aos riscos decorrentes de eventos climáticos extremos.
As ONGs e os que fazem o que podem
Diante das limitações das políticas públicas para atender a população vulnerável durante as enchentes em São Paulo, a atuação de lideranças como o padre Júlio Lancellotti e de organizações da sociedade tem ganhado destaque. Padre Júlio é uma figura que tem se dedicado há décadas à defesa dos direitos desse grupo, oferecendo assistência básica e promovendo projetos que buscam garantir o acesso à moradia, como o “Morar Primeiro”, que prioriza a habitação sem pré-condições.
Organizações como a ONG DaRua SP também desempenham papel importante, distribuindo kits de higiene, alimentos e roupas, além de desenvolver iniciativas voltadas à capacitação e à inclusão social. Mesmo com recursos limitados e a dependência de doações, a organização mantém suas iniciativas, reforçando a importância do apoio da sociedade civil para complementar as respostas do poder público.
Outro lado
A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de São Paulo solicitando um posicionamento, porém não houve resposta até a data de publicação do texto. Caso haja retorno, a reportagem será atualizada.