“Há sempre o jornalista que está atrás da verdade”, diz Audálio Dantas

Profissional conhecido e respeitado na imprensa brasileira, Audálio Dantas iniciou a carreira em 1954 no jornal Folha de S.Paulo. Foto: acervo pessoal

Nascido em Alagoas em 1932, a carreira jornalística de Audálio Dantas teve início em 1954 no jornal Folha de S.Paulo, tendo passado também pelas revistas O Cruzeiro, Quatro Rodas, Realidade, Manchete e Nova. Também é autor de livros. Entre eles, da obra sobre o jornalista Vladimir Herzog, morto e torturado durante a governo militar na época em que Audálio era presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo. O livro As Duas Guerras de Vlado foi ganhador do Prêmio Jabuti 2013 no gênero reportagem.

Audálio esteve no 8^o encontro da ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), no Rio de Janeiro, entre os dias 12 e 15 de outubro. Na oportunidade, concedeu essa entrevista para o Portal de Jornalismo da ESPM-SP. A seguir, ele fala sobre a importância do jornalismo investigativo na construção da democracia brasileira.

Portal de Jornalismo ESPM: Qual a importância do jornalismo na formação de uma democracia?
Audálio Dantas:  Eu acho que o jornalismo, de um modo geral, é fundamental em todos os momentos da história e em todas as partes do mundo, no sentido de cumprir o papel que é da sua natureza: levar a informação. A maneira como se leva essa informação é que é importante. Aqui, hoje (no Congresso da ABRAJI), nós tivemos a oportunidade de discutir que, de certa forma, temos, com a concentração dos meios de comunicação, uma espécie de pensamento único no país, e isso não é bom para o jornalismo nem para a democracia. Se nos ativermos ao caso do Brasil, a participação da imprensa na luta contra a ditadura militar é muito importante, principalmente a partir de uns movimentos populares, como as eleições diretas (para presidente), em 1984, principalmente. Esses movimentos não podiam – isso é importante dizer – ser ignorados porque estavam na rua; eram milhões de pessoas na rua. Alguns veículos tentaram, mas o movimento era tão importante que a imprensa teve que noticiar. Alguns veículos, como foi o caso da Folha de S.Paulo, com muito mais ênfase, tiveram papel importante nessa divulgação. Ainda no caso do Brasil, é relevante dizer que o papel da mídia é importante no sentido de trazer a informação e as aspirações da maioria. Porém, durante a ditatura militar, uma considerável porcentagem da grande imprensa foi conivente e silenciou, mesmo sem a necessidade de censura, sobre os crimes da ditadura.

PJ ESPM: E hoje?
Audálio Dantas: Hoje, nós temos a imprensa e o jornalismo investigativo despenhando um papel importante na busca de informações de questões de interesse público e de interesse geral. Isso não quer dizer que se apoie o que se faz, simplesmente, como jornalismo de denúncia a qualquer custo. A denuncia é importante, os fatos trazidos ao conhecimento público são importantes, mas não é importante, não é desejável e é reprovável que se faça isso como campanha política e como acusação sem prova que mais tarde se verifique que não eram verdadeiras. Enfim, é um problema muito complicado. Mas, de qualquer maneira, há sempre o jornalista que esta atrás da verdade.

PJ ESPM: Por parte das redações, ainda existe resistência em publicar uma matéria que vá contra o que o jornal acredita e, talvez, atrapalhe as relações políticas dos donos do jornal?
Audálio Dantas: Sem dúvida. Afinal de contas, o jornalismo é um negócio e as grandes empresas tem seus interesses. Eu daria como exemplo o caso da revista Veja. Se um repórter quiser escrever que o julgamento do mensalão não tiveram exatamente aqueles números (estima-se que tenham sido desviados R$284 milhões) que foram dados, ele não vai conseguir. Assim como em qualquer outro grande veículo, a vontade do dono deve prevalecer. Graciliano Ramos, uma vez, em um banquete em homenagem a um diretor do Correio da Manhã, onde trabalhava – ou em homenagem a ele, não me lembro bem –, disse que todo patrão é filho da puta, mas há uns que são menos. Eu acho que isso pode explicar mais ou menos que há, claro, proprietários de meios de comunicação que se pautam pela busca da informação verdadeira e outros que não, que buscam seus interesses.

PJ ESPM: O Mensalão, hoje, e o caso do impeachment do Collor, nos anos 1990, foram os maiores casos de sucesso do jornalismo investigativo no Brasil?
Audálio Dantas: Eu acho que o caso do impeachment do Collor foi muito importante porque ele levou o povo às ruas, principalmente os jovens. Foi um grande momento da história do Brasil. No caso do Mensalão, ninguém pode dizer que se tratou de um julgamento de anjos. Mas, ao mesmo tempo, ninguém pode negar que esse julgamento teve um sentido político, partidário e de endeusamento ou condenação de juízes que não votavam de acordo com o que pensavam certos meios de comunicação. Hoje mesmo, está aqui o Ministro Joaquim Barbosa (presidente do Supremo Tribunal Federal), que tem se revelado uma pessoa autoritária, que está sendo claramente lançado por grande veículos de comunicação para a Presidência da República. O Collor também foi lançado pela grande imprensa para presidente e um dos veículos que lançaram com grande ênfase foi a revista Veja. A capa da Veja – e acho que de O Globo também – sobre o caçador de marajás, que não era nenhum caçador de marajás, foi o começo da vitória do Collor para a Presidência da República.

PJ ESPM: O jornalismo investigativo no Brasil tem ganhado ou perdido espaço?
Audálio Dantas: Eu acho que, apesar de tudo, tem espaço, principalmente quando as investigações são em torno de casos que interessam aos donos dos meios de comunicação.

Mariana Stocco (2° semestre)