#ElasSim
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por Giovanna Oliveira, Giovanna Tuneli, Nathalia Miranda, Maria Victória Brizzi e Sofia Nunes Aureli
Sob a perspectiva dos movimentos sociais, especialmente o feminista, o ano de 2018 não veio apenas para eleger o retrocesso ao Brasil. Foi também uma faísca para a ação das mulheres em prol de seus direitos. “Companheira, me ajuda que eu não posso andar só. Eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor” foi não apenas um dos cantos entoados nas manifestações, mas também um grito de união pela sororidade, e sobretudo, pela democracia.
Vozes femininas ecoaram pelas ruas de todo o país. Como uma lufada de ar, bradavam em gritos de guerra as práticas sufocantes para sua existência. Quando a rua é pintada de roxo, a cor do feminismo, as mulheres retomam pautas como feminicídio, cultura do estupro, igualdade de gênero, visibilidade lésbica e bi e o combate a tantas outras formas de machismo e misoginia. Todas elas, invisíveis aos olhos de terceiros no dia a dia, mas pulsantes na pele feminina.
E essa movimentação se transformou em representatividade feminina no Legislativo, com aumento de 51% das mulheres atuantes no Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados, a representação feminina passou de 51, em 2014, para 77 deputadas, em 2018. No entanto, o número do Senado – sete – permaneceu o mesmo.
Isso mostra que ainda há um longo caminho para alcançar a igualdade. E as expectativas passaram a ser negativas depois das últimas eleições gerais. A cientista política Deysi Cioccari destaca, por exemplo, que as mulheres detêm apenas 15% de cadeiras no parlamento brasileiro, um cenário completamente desproporcional ao total da população feminina no País, de 51%. “O Congresso eleito é o mais conservador desde 1964. E o que isso significa? Que dificilmente pautas femininas e progressistas vão entrar em votação nos próximos quatro anos”, pontuou. Outra questão a ser lembrada, segundo ela, é o fato de que foi o assassinato de uma mulher, a vereadora fluminense Marielle Franco, em 14 de março, um dos pontos nevrálgicos da deflagração das recentes manifestações feministas. Nas palavras de Deysi, “Marielle era revolucionária, e aí mataram a revolução”. Sua figura virou semente e semeou uma maior inserção das mulheres na política.
Essa perspectiva negativa sobre o futuro próximo é compartilhada por Talíria Petrone, eleita deputada federal pelo PSOL-RJ. “O presidente eleito, Jair Bolsonaro, representa uma ameaça para a democracia e para os direitos humanos, sobretudo das minorias”, diz, destacando que ele é porta-voz de inúmeras declarações misóginas, homofóbicas e racistas. Bolsonaro afirmou publicamente que iria “botar um ponto final em todos esses ativismos”. “Isso já diz tudo sobre uma possibilidade grave de retrocesso nas condições de liberdade para o nosso exercício do direito à manifestação política em nosso país e de violento silenciamento dos movimentos sociais e partidos comprometidos com os direitos humanos e as pautas da esquerda”, afirma Talíria.
Diante desse cenário, a reação das mulheres foi semelhante à de um ser humano quando entra em defesa do próprio organismo. Elas se uniram e assumiram o papel de anticorpos. Em setembro, houve uma manifestação nas redes sociais em um grupo do Facebook, seguido por uma série de atos que começaram no mesmo mês. O objetivo era demonstrar a desaprovação ao então candidato Bolsonaro e passar um recado para qualquer um que estivesse ali para ouvir: nossas pautas não serão silenciadas.
Além da criação do grupo no Facebook “Mulheres unidas contra Bolsonaro” – com mais de 2,5 milhões de participantes –, a hashtag #elenão se popularizou nas principais redes sociais. Artistas nacionais e internacionais aderiram à tag e a tornaram mais conhecida. Deborah Secco, Bruna Linzmeyer, Leticia Colin e Nanda Costa encamparam a causa no Brasil; Roger Walters, Dan Reynolds, Dua Lipa, Madonna e Lauren Jauregui a propagaram no exterior.
Em razão da primeira manifestação oficial, o #elenão foi utilizado 193,4 mil vezes e uma de suas variações, a #elenunca, outras 152 mil, segundo levantamento da reportagem da Plural realizado com o uso da ferramenta para análise de publicações nas redes sociais fornecida pelo Stilingue para uma parceria com o curso de Jornalismo da ESPM-SP. No Brasil, os manifestantes se reuniram em 114 cidades, em todos os Estados e no Distrito Federal. Na semana do primeiro ato nas ruas, 15 países já tinham eventos marcados, sendo a maioria na Europa. “O #elenão é uma bela demonstração de como todas as bandeiras podem lutar unidas por causas fundamentais em comum, como a própria democracia”, comenta Talíria Petrone, que também compartilhou a campanha nas redes sociais.
“No Brasil, tivemos o que chamam de ‘Primavera Feminista’ contra o Cunha [Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados]. Além disso, temos há anos a Marcha das Vadias, e as ocupações de escolas em São Paulo em 2015 tiveram grande protagonismo das mulheres”, relembra a socióloga Jordana Dias.
“O #elenão é a continuidade de um processo importante de empoderamento das mulheres que agora mira nesta ameaça chamada Jair Bolsonaro, que é a materialização do que há de pior das forças patriarcais, misóginas, racistas e homofóbicas na sociedade”, acrescenta.
“Se buscamos a igualdade e nossos direitos, devemos lutar por eles, consequentemente precisamos nos posicionar e nos colocar disponíveis para isso”, disse Brenda Silva, uma das manifestantes presentes no Largo da Batata, zona oeste de São Paulo.
Na visão da cientista política Deysi Cioccari, contudo, o #elenão foi usado de forma equivocada pelos manifestantes, o que de certa forma teria deturpado o movimento. “O que a gente viu sendo passado para frente foram imagens de mulheres levantando a camiseta”, disse.
Contra a resistência?
Em resposta a essas manifestações contra Jair Bolsonaro, surgiu nas redes sociais o movimento #elesim, em defesa do então candidato. Essa contra-resistência partiu de mulheres, homens e crianças que repetiam discursos de ordem em represália à esquerda, como bordões como “o PT acabou com a minha vida”, “o regime militar só matou bandido” e “o comunismo vai acabar com o Brasil”.
Nessas manifestações, as mulheres estavam com bandeiras do Brasil em punho e entoando versos musicais para exaltar Bolsonaro, gritando por mudança. Elas traziam no rosto sorrisos de quem acreditava que iria votar democraticamente. Muitas demonstravam certo endeusamento pelo então candidato. “Tem gente indo na onda da ‘modinha’ do feminismo. E vêm falar sobre grosseria? Me poupe. Estamos elegendo um presidente e não um marido”, afirmou a advogada Carol Pavanelli.
O posicionamento de Carol ecoou o que as próprias mulheres do partido do presidente eleito defenderam ao longo da campanha. Auto-intitulada “Bolsonaro de saia”, Joice Hasselmann, eleita deputada federal pelo PSL-SP com mais de 1 milhão de votos, declarou publicamente que não pensa em trabalhar em projetos somente para o público feminino. “Não gosto dessa coisa de projeto segmentado. Fui eleita por brasileiros de São Paulo, meus projetos são de nação”, disse à imprensa.
O #elesim alcançou grande repercussão entre as garotas a partir da página do Facebook Mulheres com Bolsonaro – que atingiu 1,4 milhão de curtidas – e de vídeos compartilhados pela mesma mídia. Celebridades como a atriz Regina Duarte e a ex-modelo Andressa Urach também se manifestaram em defesa do então candidato à Presidência.
O #elesim alcançou grande repercussão entre as garotas a partir da página do Facebook Mulheres com Bolsonaro e de vídeos compartilhados pela mesma mídia. Questionada sobre o #elenão, Gabriela Saade, defensora do presidente eleito, disse considerar a hashtag desnecessária, pois acredita que Bolsonaro se elegeu porque “ninguém aguenta mais a roubalheira do PT”. “Eu votei nele. Não concordo com tudo que ele fala. Mas é a minha esperança! Se ele não for bem, farei um esforço para tirá-lo!”.
A cientista política Deysi Cioccari explica que este tipo de posicionamento está relacionado a uma necessidade de buscar o passado como um lugar seguro. “O fato de a sociedade hoje ser muito acelerada causa ansiedade. O passado a gente já conhece, mas o futuro é incerto, líquido”, afirmou.
Deysi ainda pontua que o movimento Mulheres Com Bolsonaro confirma a hipótese da influência do voto feminino definido pela figura masculina, especialmente dos maridos: “Bolsonaro começou a crescer entre mulheres casadas, ou seja, os maridos votavam nele, tecnicamente porque ele defende os valores da família. Essas mulheres foram atrás dos maridos”, avalia.
É com base em análises assim que Deysi questiona, por exemplo, a necessidade de se pensar sobre quem representará as minorias diante de um Congresso eleito com maioria conservadora, ou ainda, no tocante às questões feministas, como lidar com um presidente eleito que descredibiliza essas temáticas. “Eu não vejo com muito otimismo. A história da mulher na política brasileira ainda é muito recente. São pautas intocáveis porque são silenciadas”, disse.
As respostas parecem estar justamente na necessidade de encontrar nesse cenário adverso uma equação para o fortalecimento dos movimentos sociais. “Sem as mulheres, não haverá uma revolução que transforme este mundo em um lugar bom de se viver”, concluiu a deputada eleita Talíria Petrone.