Cultura do desapego: feiras populares fazem sucesso em regiões de SP
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Juan Cuela (1º semestre)
Várias revistas e websites voltados à temática de saúde falam sobre o ato de desapegar. Não apenas de objetos, mas também de pessoas e do passado, estimulando assim a liberdade e uma melhor aceitação da realidade. Recentemente, a palavra ganhou um significado um tanto diferente, mas com esta mesma essência: perder o envolvimento, a dependência ou o compromisso com algo.
Com a difusão da Internet como meio de comunicação, as redes sociais ocasionaram a agregação de pessoas com o mesmo objetivo: “dar fim” ao que não se usa mais, ou nunca se utilizou. Com isso, os grupos passaram a se organizar em espaços públicos abertos, alguns com barracas apresentando uma enorme variedade de produtos.
“O desapego sempre existiu, era chamado de brechó. As pessoas começaram a fazer doações e de repente viram que as mercadorias doadas estavam sendo vendidas no Facebook, ou no Orkut”, conta a doceira Heloísa Lima, que faz parte da comissão da Feira do Desapego da Vila Matilde, na zona leste de São Paulo. “Então, elas começaram a pensar: ‘Se as pessoas podem vender o que eu estou doando, então por que eu não posso vender também, por um precinho bem razoável, e conseguir comprar alguma outra coisa?’. O desapego tem esses altos e baixos, tem mercadorias que você encontra por cem reais na loja, e lá você encontra por vinte, trinta reais, então vale a pena”
Embora o verbo “desapegar” indique que há algum tipo de vínculo com aquilo que se está vendendo, quem frequenta a feira utiliza-o com um sentido bem diferente. Podem ser encontrados produtos novos em meio aos usados, todos com preços extremamente acessíveis.
Mas nem tudo são flores. Com a disseminação da feira naquele bairro, começaram a surgir pessoas praticando comércio ilegal, como o de animais. Com isso, a então subprefeita da Penha impediu momentaneamente a realização da feira.
“Foram árduos oito meses ‘fugindo’ da fiscalização e buscando um diálogo com a subprefeitura, para que os trabalhos voltassem ao normal através da legalização”, diz Heloísa. Aquele tipo de comércio passou a ser a principal fonte de renda de vários integrantes do grupo. Enquanto o processo decorria, a praça continuava existindo na ilegalidade, com a constante pressão dos fiscais, embora estes não fossem agressivos com os frequentadores da feira.
Por fim, no dia 9 de junho de 2018, foi publicada no Diário Oficial de São Paulo uma portaria da subprefeitura da Penha autorizando a realização da feira em uma praça de eventos na Rua Atuaí, ao lado da estação de metrô Vila Matilde. “Valeu muito a pena todo o esforço, o stress, o nervosismo”, afirma Heloísa.
Organizar tudo não é uma tarefa fácil e a feira ainda está longe de ser perfeita, mas em comparação com períodos anteriores bem mais turbulentos, Heloísa considera que o cenário atual está “90% bom”, e a tendência é de expansão. Quem vende no espaço legalizado deve possuir um cadastro, andar sempre com um crachá e pagar uma taxa de quatro reais por mês – um real para cada sábado de funcionamento – destinada a despesas, como fotocópias, montagem e desmontagem das tendas. Os fiscais que antes atravancavam a realização da feira agora auxiliam a comissão da mesma a organizar e supervisionar os trabalhos.
Os grupos do Facebook são em sua maioria fechados. A descrição de um deles diz: “Se você tem algo realmente barato para vender, então é um desapego e aqui com certeza é o melhor lugar para negociar isso, mas preste atenção nos detalhes de boa vizinhança”. Em seguida, são apresentadas várias regras que, se descumpridas, podem acarretar na expulsão do usuário do grupo.
O conceito de feira de desapego é visivelmente um sucesso. Uma das mais populares da cidade é a da Mooca, localizada ao lado da estação de metrô Bresser-Mooca. Outras pessoas de outros bairros, cativadas pela ideia, estão buscando a legalização de novas feiras com suas respectivas subprefeituras.