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Afetos Edição 08 - Afetos Plural

Aumentam casos de divórcios, e de filhos de divorciados, no país

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Filhos do divórcio. Ilustração: Alberto Galloni

Filhos do divórcio. Ilustração: Alberto Galloni

Ana Clara Maksoud
Gabriel Ficoni
Rodrigo Tucci
Uly Campos

»»»“Às vezes eu fico pensando em como uma pessoa pode deitar no travesseiro e pensar que tem uma filha e que não fala com ela há tanto tempo”, conta Nathália Moura, 19 anos, sobre como ficou seu relacionamento com o pai depois do divórcio de seus pais.
A história da estudante se repete em milhares de famílias por todo Brasil. Segundo dados do IBGE, só em 2013 foram celebrados 324.921 divórcios.
A facilitação do processo legal e burocrático de divórcio impulsionou esse número. Nos anos de 1890, a “separação de corpos” só ocorria em casos de adultério, injúria, abandono do lar ou vontade mútua dos cônjuges. Mais tarde, em 1916, foi criado o desquite, que colocava fim à relação entre os casados, mas não ao vínculo matrimonial. A situação era malvista pela sociedade e dificilmente a mulher desquitada podia se casar novamente. O divórcio foi instituído oficialmente só em 1977. Hoje, se o casal estiver de acordo e não houver filhos, pode se divorciar em um dia em um cartório. Se houver filhos, é preciso procurar a Justiça.
Mas o divórcio é mais do que um rito burocrático. O advogado Lagreca Netoressalta que ele envolve inúmeros sentimentos. “A separação envolve tanto sentimentos presentes quanto mágoas passadas e dúvidas sobre o futuro. Isso merece um tratamento muito especial, pois vai transformar o projeto de vida dessa família.”
No caso da estudante Nathália, o divórcio dos pais foi tranquilo e perturbado ao mesmo tempo. Apesar de não ter havido uma briga, os pais dela se separaram e voltaram algumas vezes antes de se divorciarem definitivamente. “Eles ficaram assim até eu ter uns 7 anos. Isso foi um pouco conturbado na minha cabeça”, explica. Nathália conta que depois da separação, ela nunca mais falou com o pai. “Minha mãe nunca me incentivou a falar com meu pai, mas nunca me restringiu. Meu pai nunca teve compromisso comigo”, completa.
Já no caso de uma estudante de 21 anos que não quis se identificar, a relação com seus pais melhorou depois do divórcio. “Minha relação com a minha mãe se estreitou, e com meu pai também.” Apesar de não ter irmãos e sentir que o divórcio diminuiu ainda mais sua família, hoje ela lida bem com a situação e vê tudo isso como um aprendizado. “Eu percebo que sou uma pessoa diferente porque meus pais se separaram, eu aprendi a amadurecer muito rápido, aprendi a ignorar o que eles falavam, aprendi a separar as coisas e aprendi que tenho muito dos dois”, conta.
O FIM DO AFETO
No início deste novo século, já se sabia que o divórcio pode afetar a vida das crianças de forma persistente. No ano 2000, Judith Wallerstein, psicóloga da universidade da Califórnia, publicou o livro “O Legado Inesperado do Divórcio: Um Estudo Referência de 25 anos”. Sua pesquisa foi realizada de 1971 a 1996, acompanhando filhos de divorciados até a vida adulta. Wallerstein também entrevistou um grupo de 44 crianças de famílias em que não houve separação, que cresceram ao lado de filhos de pais separados e que estudaram nas mesmas escolas.
Ao comparar as experiências vividas em ambos os grupos, o estudo concluiu que o divórcio dos pais teve um impacto profundo e duradouro na vida emocional das crianças, especialmente em suas relações adultas, pois essas crianças experimentaram o medo da perda e de catástrofes. Além disso foi encontrado um maior uso de drogas e álcool durante a juventude dessas crianças. Os filhos de pais divorciados também registraram menos casamentos, menos filhos e mais divórcios em relação à prole de famílias em que não houve separação.
O estudo revelou ainda que apenas 60% dos filhos de pais divorciados haviam se casado, em comparação com 80% de casamentos nos filhos de famílias que permaneceram unidas. Em 25% dos casos, os filhos de divorciados relataram o uso de drogas e álcool antes dos 14 anos de idade, contra apenas 9% do grupo de comparação.
Porém, Wallerstein não defende que os casais fiquem juntos por causa dos filhos, independentemente do casamento que tenham, pois a separação pode ser melhor para as crianças, se for conduzida como uma transformação benéfica na vida dos pais e encarada como um exemplo.

Nathália Moura não fala com o pai há sete anos | Foto Gabriel Ficoni

Nathália Moura não fala com o pai há sete anos | Foto Gabriel Ficoni

Muitas vezes ver o fim do amor e afeto dos pais pode ser a parte mais difícil para os filhos. Para a psicóloga Luciane Bonfanti, é importante que os pais tenham uma conversa com eles e deixem claro que estão se separando porque algo não está dando certo. “A segurança emocional passada pelos pais nesse momento também é fundamental: dizer o quanto amam os filhos, o quanto são importantes, que não sumirão de suas vidas e que podem continuar contando com os pais para qualquer coisa que precisarem”, explica.
Para a estudante que não quis se identificar, ver o fim do afeto dos pais foi bem triste. “Mas como eles já brigavam havia muito tempo, eu acho que já sabia que o afeto e o amor entre eles não era tão grande assim. O que foi mais chocante é que eles se separaram duas ou três semanas depois da minha festa de 15 anos, e lá eles estavam muito apaixonados, a gente fez muita coisa em família”, conta.
A separação para Luiza Lima, estudante de 16 anos, também foi complicada. “Foi difícil em partes, porque os dois nunca foram carinhosos um com o outro. Vi eles se beijarem uma única vez e, mesmo assim, nada demais. O difícil foi lidar com o fato de que eles não se amavam do modo que eu acreditava. Foi meio que uma quebra do que eu considerava amor. A adaptação foi até que tranquila, me acostumei rápido com as mudanças”, diz.
O caso de Isadora Nunes, que tinha 10 anos quando seus pais se separaram, foi marcante para sua noção de família. “Foi bem difícil. Eu tenho um estilo meio tradicional a respeito de família, meu sonho é construir uma unida e harmoniosa, e muitas vezes eu senti que não podia ter a minha como exemplo disso. Mas, conforme eu fui amadurecendo, fui me acostumando com essa situação dos pais separados e entendendo que uma família pode sim ser diferente e que nunca vai ser realmente perfeita”, explica.
Para a psicóloga Bonfanti, existem adolescentes que vivem a experiência do divórcio de maneira mais tranquila. Ficam tristes por passar por essa separação e ver que os pais não estão mais juntos, mas conseguem superar isso sem grandes problemas. “Por isso casos de depressão, fúria e rebeldia em geral são causas de uma separação conturbada, em todas as fases. Há filhos que lidam de maneira muito melhor com a separação do que vivendo com os dois pais em constantes brigas dentro de casa. Ver os pais se separarem de forma tranquila é muito mais benéfico e saudável do que ver os pais juntos em casa, brigando. Eles percebem o respeito entre os pais”, conta.
Um exemplo é o caso de Isadora, que percebeu que a separação foi benéfica para os pais. “Hoje vejo que não faria o menor sentido se eles estivessem juntos ainda, eles são pessoas muito diferentes e, como casaram cedo, acho que acabaram se acostumando um com o outro e não se permitiam ser como eles realmente gostariam de ser”, diz.
Luiza e seu irmão, Pedro Lima, de 19 anos, também viram a separação como um acontecimento positivo. “O que eu me lembrava sempre era de eles brigarem muito, não eram muito afetivos e carinhosos um com o outro, sempre um reclamava do outro para mim. Logo que o divórcio aconteceu e eu soube, fiquei bem mal, mas depois entendi que seria o melhor para eles”, diz a irmã. “Lidei bem, acho que foi o certo a fazer”, completa o irmão.
NOVA ROTINA
Com a separação, os pais muitas vezes constroem novas famílias e os filhos se dividem em duas casas. Para a psicóloga Bonfanti, é bom que os filhos não sintam uma mudança tão drástica dessa vivência de dois lares com regras diferentes. “Se o filho não puder optar e tiver que viver sempre em duas casas, pipocando, ele terá que adquirir um jeito de lidar com isso. O melhor é sempre o bom senso” diz.
A partir dos 14 ou 15 anos, Luciane afirma que não há problema algum para o filho viver um dia em cada casa. “Ele já aprendeu e já está seguro de si mesmo. Ele se sente seguro dos dois lados”, comenta.
O advogado Lagreca Neto ainda acrescenta que é preciso decidir a respeito das necessidades afetivas do filho, “quem estará presente nas datas comemorativas como aniversários, Natal e Ano Novo, para evitar o desentendimento da família”.
O pai de Isadora mora com outra mulher e teve um filho com ela, mas sua mãe não casou depois da separação. “No começo foi um incômodo muito grande, porque ele contou que ia ter um filho antes mesmo de a gente saber que ele estava saindo com uma mulher. Foi bem chocante e eu fiquei com bastante ciúme. Mas conforme eles foram se juntando eu fui me adaptando e hoje me dou superbem com ela e com meu meio-irmão.” Hoje a estudante gosta do fato de ter duas famílias. “É bom para não cair tanto na rotina. E também acabo tendo mais liberdade para fazer as coisas que eu quero, ser mais independente”, conta.
A mãe de Nathália acabou se casando novamente e a estudante lembra de como se sentiu trocada. “Eu não aceitava meu padrasto, não exatamente porque eu sentia saudade do meu pai, mas porque eu me sentia um pouco trocada pela minha mãe”, comenta.
A relação entre eles teve alguns eventos turbulentos. “Quando a gente foi passar o Ano Novo junto, meu padrasto chegou querendo tirar uma foto comigo e eu falei: nunca vou querer tirar uma foto com você. Eu achava que ele tinha causado todos os meus problemas”, lembra Nathália.
“A nossa relação não mudou da água para o vinho. Quando fiz 13 anos ele me deu um MP4 que dentro tinha uma gravação falando o quanto ele gostava de mim e que não queria fazer parte dos meus problemas”, diz. Hoje, Nathália considera seu padrasto como um pai. “Ele me criou como filha dele”, completa.
Se, mesmo com todos os cuidados, os filhos ainda apresentarem sintomas de agressividade, timidez, ou até mesmo regresso no desenvolvimento, a ajuda profissional de um terapeuta pode ser interessante, sugere Luciane.
“Muitas vezes, a criança se sente melhor falando com alguém que não está ligado diretamente à família. Assim, é possível que se identifique as causas e os sintomas sentidos para posteriormente começar um tratamento psicológico”, conclui.

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