Transexuais vivem difícil rotina de desinformação e preconceito

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Por Bruna Masculi e Camila Fernandes de Oliveira

»»»Você já imaginou ter a sensação de estar no corpo errado? Já pensou como seria não estar satisfeito com o seu corpo e sexo biológicos? Sentir-se prisioneiro de um corpo que você mal reconhece como seu? Angústias assim, difíceis de expressar em palavras, e até de imaginar, fazem parte do cotidiano dos transexuais. E, não bastasse o drama psicológico, ainda enfrentam a preocupação com a violência e a discriminação na sociedade e no mercado de trabalho.

O termo, popularmente abreviado por “trans”, refere-se ao indivíduo que enfrenta um processo de transição e mudança de características físicas e sexuais. Esse período de mudanças envolve tratamentos hormonais, cirurgias e adaptação psicológica ao novo sexo, que é realizada através de terapia individual ou em grupo. Entretanto, mesmo após a conquista de uma nova identidade, os transgêneros continuam vivendo em condições dramaticamente diferentes daquelas em que a maioria das pessoas se encontra. Dessa diferença nasce a violenta repressão, que pode resultar em morte.

Dados doGrupo Gay da Bahia (GGB) mostram que o Brasil é o país que mais mata transexuais. A expectativa de vida de um homem ou mulher trans é de apenas 36 anos no país, bem abaixo da média nacional, que é de 73. A cada 25 horas um LGBT é morto no Brasil. Desde 2008 ocorreram aproximadamente 1.374 assassinatos de trans. Para efeito de comparação, entre 2008 e 2016 foram registrados 2.115 assassinatos de pessoas transgênero em todo o mundo.

Além de uma realidade violenta, esse grupo ainda enfrenta situações de preconceito e dificuldades para manter uma vida normal. Encontrar um emprego, manter relações afetivas, ser aceito pela família e pelo grupo de amigos, ser acolhido pela sociedade, são fatores que passam a se tornar quase impossíveis de se tornarem realidade a partir do momento em que a fase de transição se inicia.

Infância

A insatisfação com o corpo e o sexo biológicos começa cedo: em alguns casos, desde os 3 ou 4 anos de idade surgem sinais de inadequação ao gênero biológico. J.S é um exemplo disso. Ela diz que desde sua infância enfrentava situações de incompatibilidade com seu gênero.

“Quando eu tinha cinco anos eu queria brincar de boneca, pegava toalha em casa e colocava na cabeça – tipo cabelo comprido. Eu queria ser a pequena sereia. Quando eu ia a lojas de brinquedo em época de Natal, minha mãe queria me dar carrinho e eu queria a Barbie da Ariel. Essa foi a minha infância, eu nunca gostar dos brinquedos e da brincadeiras de que eu devia só por ser um menino. Eu não gostava de jogar futebol, eu queria fazer balé com as minhas amigas. Eu nunca me identifiquei com nada no gênero masculino. Era tudo no gênero feminino”, relembra.

Aos 16 anos, J.S resolveu iniciar sua fase de transição de gênero. Ela conta que esse momento foi um divisor de águas em sua vida, mantendo por perto apenas pessoas que gostam dela de verdade. “Muitas pessoas se afastaram, a minha mãe entrou em crise, porque a visão que ela tinha é que transexuais são pessoas que se prostituem, vendem drogas, colocam silicones enormes e ficam na esquina e se entopem de plástica. Ela tinha certeza de que eu iria virar uma prostituta de esquina e ficou revoltadíssima”, fala.

“A falta de identificação dos transgêneros com o seu corpo é visto pela sociedade como algo patológico. Ela entende que ter essa identidade de gênero diferente é um transtorno de alguém que ‘não corresponde’ o corpo e a mente”, explica Eric Seger de Camargo, especialista em diferenças sexuais.

Talvez a mais pesada das repressões comece em casa. Leonardo Nardi, 18, iniciou sua transição há pouco tempo e já está na sexta dose hormonal. Desde que iniciou por conta própria os remédios, devido às dificuldades de conseguir o tratamento pelo SUS, sua família o rejeitou.

“Fui obrigada a ser o que eu não era, a colocar uma fantasia que me puseram. Estou no sexto mês de terapia hormonal e fora de casa há cinco meses. Não falo com os meus pais e não tenho contato nenhum com a minha família”, diz.

O tratamento conhecido como transexualização realiza um aumento na produção de hormônios masculinos ou femininos no corpo do usuário, levando a uma mudança extrema no corpo e também no comportamento do indivíduo. Cada caso precisa ser analisado por um especialista, para saber quantas doses serão necessárias para realizar o desejo do paciente de forma segura e responsável.

O uso desses hormônios por conta própria podem causar graves problemas renais, na pressão arterial e até levar ao câncer.

Segundo artigo publicado na revista “Lancet”, 60% dos transexuais sofrem de depressão e a principal causa é a rejeição da família e dos colegas de trabalho, favorecendo a adoção de comportamentos de risco, como a prostituição, o que por sua vez aumenta em 50% o risco de contrair HIV.