Objetificação e machismo ainda são parte da rotina das mulheres

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Fotos: Stéfani Inouye/Cejor-ESPM

Por Camilla Santos, Debóra Sá e Vivian Lusor

»»»Simone sonha em se casar com um bom marido, ter pelo menos três filhos e dedicar a vida ao bem-estar de sua família.

Maria sai de casa para trabalhar às cinco horas da manhã, corre atrás do sustento da família e quando volta para o lar só quer curtir a companhia de sua… esposa.

Cláudia quer largar o emprego e viajar pelo mundo. Livre, não gosta de se apegar a nada – nem a ninguém.

Júlia quer ser empresária de sucesso.

Luiza, viver das artes.

Mônica não sabe o que quer.

Todas essas mulheres, apesar de fictícias, são bem reais. Estão por aí, à nossa volta, focadas em seus objetivos dia após dia. Aparentemente, a única coisa que as une é o fato de pertencerem ao mesmo gênero. Diante disso, a pergunta mais simples do mundo se revela a mais complexa: afinal, o que significa ser mulher?

Ninguém sabe a resposta. Ao longo da história, filósofos, cientistas, psicólogos, médicos, escritores definiram as mulheres por meio de atributos negativos, como seres instáveis, fracos, faladeiros, menos inteligentes… Ou então, ao contrário, ressaltaram qualidades como sensibilidade especial, bondade, instinto maternal, altruísmo. Estereótipos. Foram construídos padrões que, no fim das contas, só serviram para motivar diferentes maneiras de oprimir esse gênero.

Para a historiadora e professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná Carla Cristina Nacke Conradi, ser mulher é estar constantemente em luta, pois uma vez presente na sociedade é necessário ter o direito de escolher suas regras, sua estética, relações amorosas ou sociais. “Não é o sexo que vai estabelecer quais são as minhas características, é a minha vivência e a minha subjetividade”, afirma.

Vilma Rodrigues é estudante de Publicidade e Propaganda da ESPM e tem 20 anos. Para ela a resposta está em realizar tudo aquilo que se tem obrigação ou vontade de fazer. “Eu acho que ser mulher é você se sentir mulher, se sentir poderosa, se sentir capaz, e também frágil em alguns momentos.”

A resposta mais óbvia para a pergunta sobre o que faz de uma mulher uma mulher geralmente recai sobre o aspecto biológico. São os cromossomos XX e identificadores como glândulas mamárias, órgãos reprodutores etc. No entanto, o aspecto biológico não dá conta do problema da definição do gênero feminino na atualidade.

Carla afirma que não é o sexo que estabelece quais são as características próprias da mulher, e sim sua vivência e subjetividade. “Muitas vezes usa-se a frase tão bem construída por Simone de Beauvoir, que diz ‘você não nasce mulher, você se torna mulher’”, cita a historiadora.

Para Cleo Souza, de 37 anos, que trabalha na área de TI, ser mulher é: “Gerar vida, se dedicar, ter que ser melhor que os homens para fazer uma mesma função, porque a população como um todo exige isso da gente”.

Para a historiadora e professora da Universidade Federal do Paraná Ana Paula Vosne Martins, “a dominação e a violência de gênero são componentes do que é chamado de história do poder”. Em meio a isso, há resquícios de uma percepção machista do mundo, como a ideia de posse masculina sobre o corpo e a vontade da mulher, como se ela fosse definida somente pela capacidade de servir aos homens para o sexo.

Essa tentativa de designar o que é ser mulher delimitou as qualidades e os vícios femininos, ditando seu lugar na sociedade. Uma mulher não pode trabalhar em ofícios que foram “destinados” aos homens. Deve cuidar dos filhos, do lar e do marido.

É claro que a mulher tem direito de, se quiser, aspirar a esse papel. Mas também pode viver no extremo oposto. “Tem que ser guerreira. Fui mãe solteira aos 15 anos e na adolescência já fui estuprada. Tem que ter muita força e fé em Deus para seguir a vida”, diz Natália Santiago, hoje com 31 anos, que trabalha como auxiliar administrativa e diz que ser mulher é “complicado”.

Desde a infância

A diferenciação de gêneros – e, como consequência, a opressão sobre as mulheres – vem desde o útero. “Ela começa no resultado do ultrassom, porque daí se escolhem as roupas para a menina e as roupas para o menino”, conta Eliane Maio, psicóloga e professora da Universidade Estadual de Maringá. “O quarto e as roupas de um recém-nascido de sexo feminino são rosa, pois a cor é considerada de menina nas lojas e na cabeça das pessoas”, completa. Todas essas expectativas – construídas antes mesmo de a criança nascer – são projetadas na vida das meninas.

A historiadora Ana Paula acredita também que é necessário olhar para o passado recente para entender que a mulher pode ter papéis sociais tão fortes como os homens. “Por mais que as mulheres tenham sido consideradas incapazes e inferiores por tanto tempo, nem se conformaram com a subalternidade e com a dominação masculina”, diz.

Mudanças culturais começaram a ganhar força nesse sentido no fim do século XIX e no começo do XX. As críticas à forma vigente de definir a mulher, vindas de autoras mulheres, tiveram grande impacto. Com isso, questões relativas aos direitos civis e políticos das mulheres, mas também ao acesso mais amplo à educação, avançaram. Por isso, hoje é possível a mulheres ter acesso a profissões que antes eram fechadas a elas, como a medicina e o direito.

Avanços?

Hoje a mulher tem o direito de trabalhar, votar, viajar sozinha e, se assim desejar, casar-se com quem quiser. Essas não eram as opções de nossas avós e bisavós. “Nada disso que conquistamos nos foi dado como um benefício, uma ‘bondade’. Foi resultado de uma longa história escrita por mulheres corajosas que ousaram dizer não para o que consideravam injusto e que mobilizaram energias individuais e coletivas para mudar leis e formas arraigadas de pensamento”, diz Ana Paula.

No Brasil há cerca de 100,5 milhões de mulheres de acordo com dados do IBGE de 2012. Sendo que as mais pobres, especialmente as negras, seguem como as mais subjugadas. Segundo dados da ONU Mulheres, braço das Nações Unidas que discute a questão de gênero, no Brasil, a taxa de desemprego das mulheres é cerca de duas vezes a dos homens. Apenas um quarto delas empregadas está no setor formal. O salário médio para os homens é 30% maior do que o de mulheres. Um terço das famílias brasileiras é chefiada por mulheres, e metade delas é monoparental. A taxa de feminicídio para as mulheres dobrou entre 1980 e 2011. Em 2012, o número de estupros foi superior a 50 mil no país.

O trabalho para promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres ainda apresenta muitos desafios. O país continua a ocupar um lugar inferior no ranking que demarca a presença de mulheres na política. No Brasil, elas ocupam pouco mais de 10% dos assentos no Congresso Nacional. Nas prefeituras são apenas 10% e representam 12% dos conselhos municipais.

Pouco a pouco, porém, as mulheres vêm conquistando espaço. A promulgação da Lei Maria da Penha, em 2006, colocou o país na vanguarda mundial. A lei é amplamente conhecida: apenas 2% da população nunca ouviu falar dela. Em 2013, os 6,2 milhões de trabalhadores domésticos – em grande parte mulheres afrodescendentes – alcançaram a igualdade ao terem reconhecidos seus direitos trabalhistas. A transferência de renda condicionada do programa Bolsa Família, que beneficia 16 milhões de brasileiros, dos quais 94% são mulheres, é também uma referência internacional como uma política de proteção social. No cômputo geral, as mulheres têm conseguido resistir, conscientes de que há um longo caminho a ser percorrido.

“Não tenho vergonha de ser mulher”, diz, Getuliana Pereira dos Santos, 64 anos, doméstica que trabalha na região da Vila Mariana, quando reflete sobre a condição feminina.

E por que teria?