“O que o racismo faz é se manter ativo”, diz repórter da Alma Preta

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Luana de Andrade (1º semestre)

Em entrevista ao Portal de Jornalismo da ESPM-SP, Juca Guimarães fala sobre o racismo na cobertura da grande imprensa, em uma comparação entre a abordagem da mídia no desaparecimento de Fernando Henrique, Alexandre da Silva e Lucas Matheus, “os meninos de Belford Roxo”, e no assassinato de Henry Borel. Juca é jornalista desde 1999 e, atualmente, trabalha como repórter na Alma Preta, agência de notícias especializada na temática racial. A entrevista aconteceu no 14 de maio de forma online.

Portal de Jornalismo: No G1, há mais de 400 publicações correspondentes ao caso do menino Henry Borel, ao passo que menos de 70 foram feitas sobre o desaparecimento em Belford Roxo de Fernando, Alexandre e Lucas. O que possivelmente fundamenta a distinta repercussão desses casos?

Juca Guimarães: São dois casos emblemáticos que dizem muito sobre os critérios de relevância adotados no jornalismo e pela sociedade como um todo. A motivação base que sustenta essa assombrosa desigualdade da cobertura jornalística, que gera também um desinteresse pelo caso onde os personagens são negros, é o racismo e o modo como ele se estrutura e se fortalece dentro das engrenagens do dia-a-dia.

PJ: Você acredita que haja, portanto, preconceito racial por parte da imprensa ao fazer maiores coberturas em casos que envolvem pessoas brancas ou há alguma outra motivação para isso?

JG: Há, sim, preconceito, sem dúvida. Um preconceito institucional, sobretudo, pois a população negra não é vista nem como consumidora de notícias, apesar de ser 56% da população de 210 milhões de brasileiros, considerando os autodeclarados pretos e pardos. A imprensa no Brasil tem uma mentalidade branca e isso não muda com mais repórteres e apresentadores negros. A mudança tem que ser na lógica geral da produção de notícias e no aprofundamento das questões relacionadas às tensões raciais de cada pauta.

PJ: Nas matérias sobre o menino Henry, seu nome é apresentado logo nos títulos.  Já no caso ocorrido em Belford Roxo, os desaparecidos são tratados no título como “os meninos de Belford Roxo”, sendo seus respectivos nomes apresentados somente no subtítulo ou no corpo da matéria. Há alguma justificativa para isso acontecer?

JG: A explicação é a falta de empatia em todo o processo de produção das reportagens e a falta de letramento racial dos profissionais de imprensa. A Constituição brasileira é antirracista, todos os princípios e valores adotados pelos jornais mundo afora são antirracistas. A defesa da democracia e dos direitos humanos é, na sua centralidade, uma posição antirracista. No entanto, apesar de tudo isso, a imprensa é diariamente contaminada pelo racismo. Não estou dizendo que as pessoas são racistas ou que as pessoas brancas que vivem hoje em 2021 são culpadas pelo racismo ou pela escravidão de quatro séculos no Brasil, que tem 521 anos de existência. O que o racismo faz é se manter ativo, violento, excludente e perverso nas relações sociais, políticas, econômicas e amorosas [sim, falar de amor é importante para o tema] contra a população negra, fortalecendo uma série de privilégios para a branquitude.

PJ: O que corresponde à branquitude?

JG: A branquitude não são os brancos, mas a condição de não se racializar tomando para si a cadeira da normalidade e do padrão, decidindo quem serão excluídos, apagados e exterminados. Essa é a chave da questão racial e é contra isso a luta antirracista.

PJ: Os critérios de noticiabilidade são fundamentados pela branquitude?

JG: Falando sobre os critérios que definem as escolhas no noticiário, que é na grande maioria das vezes uma decisão feito à luz da branquitude, o que a gente vê é um conteúdo noticioso com empatia apenas em relação a pessoas brancas e seus privilégios da não-racialização. Isso é evidente, por exemplo, ao se notar que as crianças que sumiram em Belford Roxo não são nomeadas, não é feito o menor esforço para humanização dessas três crianças. A raça, no que diz respeito ao convívio social, não é definida ao nascer, mas se forma ao longo da vida e das experiências de vida. E é por isso que a cor da pele não diz quem é ou não é racista, mas sim o modo como ela reage e interage com os privilégios da racialização imposta pela branquitude.

PJ: De que modo o jornalismo poderia contribuir para a investigação de casos como esse desaparecimento?

JG: O jornalismo é fundamental para a manutenção e funcionalidade de qualquer país republicano. A liberdade de imprensa é um medidor do nível e da saúde da democracia de um país. Por isso, eu acho que ao acompanhar as investigações, apurar dados, cobrar informações dos órgãos públicos e atualizações sobre o andamento do caso, os jornalistas ajudarão.