O que muda com o 5G

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Arthur Flavio – 4º semestre de Jornalismo

“Uma revolução está a caminho”. Foi assim que Tadeu Schmidt abriu a reportagem do Fantástico, na TV Globo, sobre o 5G, em dezembro de 2020. A quinta geração de internet móvel, ou 5G, é a mais nova entrada no mundo dos sistemas de celulares e arquitetura de rede. Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), ela possibilitará uma velocidade máxima de 20 gigabits por segundo, 20 vezes mais rápida que a rede 4G atual. Isso permitirá a evolução de processos produtivos em diversos setores das indústrias. A quinta geração chegou ao Brasil no começo de julho, em São Paulo. Segundo dados da Anatel, a tecnologia já está disponível em todas as capitais do país. Entretanto, a rede 5G ainda é bem limitada, e demorará alguns anos para atingir a capilaridade que a sua antecessora tem. Então, se a maioria da população brasileira não tem acesso e a única mudança é a velocidade, por que se importar? A resposta vem das possibilidades.

Em entrevista para a Plural, Fábio Soares, engenheiro de telecomunicação, disse: “Os especialistas mundo afora entendem que o 5G vai ser mais disruptivo que a própria internet”. Mas o que exatamente isso significa? A internet comercial, para o consumo público surgiu em 1993 e consistia basicamente em sites. Naquela época, era inimaginável a forma que essa tecnologia seria usada hoje. Por exemplo, no processo de checar a rota mais fácil ou rápida de desolamento a partir de um celular. O 5G chega com a promessa de ser mais que isso. Segundo Soares, as possibilidades não se limitam a trajetos e aplicações palpáveis, mas também de forma que muitos nem perceberam. Internet das coisas e inteligência artificial são termos que parecem coisa de cinema. Com o 5G, eles se tornarão termos do dia a dia. Mas quem ganha com o 5G?

Para onde vamos

A quinta geração está presente, no momento, em todas as capitais do Brasil, mas com acesso ainda restrito a boa parte da população. Isso se deve à baixa compatibilidade com celulares de gerações passadas. Uma lista disponibilizada pela Anatel diz que, atualmente, 82 modelos de aparelhos funcionam com o 5G. Isso também se deve ao baixo número de antenas instaladas. As promessas da Anatel parecem querer resolver essa questão, mas em um período nada animador. No site oficial do governo, é informado que o objetivo é atender 100% dos municípios com população igual ou superior a 30 mil habitantes, fornecendo uma antena para cada 15 mil pessoas, apenas em meados de 2029.

Ou seja, o 5G não estará disponível para a população geral logo de cara. Afinal, a tecnologia é uma promessa de revolução. E não vem simplesmente prover uma maior qualidade e velocidade para a população de uma forma direta, mas sim por meio de melhorias nas indústrias que provêm para a sociedade.  Com o 5G, será possível realizar o que chamam de internet das coisas (IoT, como também é chamada, a partir das iniciais da expressão em inglês, Internet of Things). Cidades conectadas o tempo inteiro. A sua geladeira vai saber sua comida favorita, quando você precisa dela e qual o supermercado você vai com mais frequência. Isso se ela já não comprar para você.

Cunhado por Kevin Ashton em 1999, o termo Internet of Things (IoT) costuma se referir a uma rede de objetos conectados e sensíveis. Indústrias inteiras serão remodeladas para estarem conectadas a data centers que realizaram trabalhos manuais com a maior eficiência já vista. André Lemos, engenheiro, mestre em Política de Ciência e Tecnologia e doutor em Sociologia, escreve no texto de abertura de seu livro A comunicação das coisas: teoria ator-rede e cibercultura: “Na cultura contemporânea, mediadores não-humanos (objetos inteligentes, computadores, servidores, redes telemáticas, smartphones, sensores, etc.), nos fazem fazer (nós, humanos) muitas coisas, provocando mudanças em nosso comportamento no dia a dia e também, em contrapartida, recursivamente, mudamos esses não-humanos de acordo com a nossa necessidade”.

No Brasil, junto com a chegada do 5G em 2022, temos a Lei 14.108/2020, que impulsiona a IoT. Essa lei permite que aparelhos do dia a dia, como eletrodomésticos, sejam conectados à internet e reduz a fiscalização de instalação e a fiscalização do funcionamento de estruturas de telecomunicações M2M (máquina a máquina), que é basicamente o uso de uma máquina para controlar outra. Com isso, viabilizando a instalação de inteligência artificial em diversas indústrias, sem a fiscalização constante das próprias fábricas.

Em entrevista para a Plural, Carlos Storck, pesquisador e professor do Cefet-MG, doutor em Informática e especialista em 5G, diz que a inteligência artificial proporcionará uma mudança significativa nas indústrias. As máquinas já podiam ser controladas por inteligência artificial, mas era necessária uma estrutura gigantesca de refrigeração para amenizar o calor produzido pela quantidade de dados processados. Agora, com o 5G, só é necessário um pequeno aparelho montado junto à máquina que se comunique com um data center que tenha toda essa estrutura.

Fábio Soares destacou também o que poderá acontecer com as pessoas que ficarão sem emprego por terem suas funções realizadas por robôs. O entrevistado disse que “eles estão saindo de um emprego com pouco valor agregado para um com muito valor agregado”, e que isso não será um problema, pois uma vez que os empregos manuais não forem mais necessários, eles ressurgirão como programadores e técnicos de inteligência artificial. Mas quando questionado sobre a necessidade de estudos para realizar essa nova função e que, muitas vezes, operadores de máquinas não têm o dinheiro necessário para a realização desse processo, Soares diz: “Claro, isso vai demandar deles algum tipo de esforço. Vai ter que ter um esforço do governo também, com educação”, sem mencionar a responsabilidade das empresas nesse processo.

Outra coisa que muda com o 5G é a baixa latência que a nova tecnologia proporciona. Latência é a diferença de tempo em que uma ação é dada e quando ela acontece, o delay, segundo Carlos Rafael Gimenes das Neves, engenheiro da Computação e professor no curso de Tech da ESPM-SP. Na quinta geração é de um milissegundo. E essa baixa latência é que permite um carro dirigir sozinho. É também o que vai permitir que um médico no Japão opere uma pessoa no Brasil.

Dessa forma, a tecnologia 5G não será perceptível à população de uma maneira geral num primeiro momento. Mas o que ela proporcionará são alternativas ainda nem pensadas pelos seres humanos de como otimizar nossa sociedade. Só que ainda restam perguntas que só o futuro irá nos responder. Quem realmente ganha com a otimização das máquinas e o que acontecerá com aqueles que perderam seus empregos para elas? Além de perguntas de cunho ético, como o quão dependentes da tecnologia somos e o quão longe isso pode chegar.

Enquanto elas não são respondidas, resta esperar pela sexta geração, que tem previsão de chegada para 2028, segundo Fábio Soares, e promete velocidade de até 1 mil Gbps, com foco em máquinas e ampliação de realidade estendida. O 5G opera em outra escala, de cem megabytes (MB) a 1GB de taxa média, com 20GB de pico. Ou seja, o 6G tem cem vezes mais velocidade. O problema é que, quanto mais alta a frequência, menor a distância que ela é capaz de percorrer.

 

Antenas e frequências

É necessário compreender que a tecnologia de dados móveis é baseada em radiofrequências. Ou seja, o sinal é enviado e recebido por meio de antenas e receptores, com centrais que são conhecidas por Estação Rádio Base (ERB). Aquelas torres gigantescas formadas por linhas de aço laranja, branca ou vermelha.

Com a chegada do 5G, essas torres irão mudar. A nova tecnologia ainda funciona com as radiofrequências, mas com frequências de ondas muito mais rápidas, só assim ela consegue carregar mais dados. Quanto menor a onda, maior a frequência e consequentemente, mais informação a rede é capaz de passar. Mas um problema surge com isso. Marcelo Zuffo, professor de sistemas eletrônicos da USP, disse para o Fantástico, em reportagem veiculada pela TV Globo em dezembro de 2020: “No caso do 5G, a gente aumenta a velocidade de propagação de sinal usando ondas menores. O problema dessas frequências é que elas são menos penetrantes”. Isso significa que as ondas do 5G não viajam tão longe quanto as do seu antecessor.

Marcos Vinicius Aguiar, diretor-executivo de Relações Governamentais da AEA, disse que pela baixa penetração das ondas do 5G, a instalação de mais antenas é necessária, para que o sinal fique mais estável. Por isso, a paisagem urbana tende a mudar. Logo mais será normal olhar para cima e ver antenas para todos os lados. Fixadas nos mais diversos prédios. Mas como será que a humanidade chegou a esse ponto?

De onde viemos

Em 1973, Martin Cooper testou com sucesso o primeiro celular. O jovem inventor havia assumido o controle da empresa Dyna Tac três anos antes. Embora ele tenha sido criado em 1973, o aparelho só foi lançado em 1983, pesava quase 1 kg e foi o começo de tudo. O mundo sentia então o gosto do 1G, que realizava apenas chamadas por voz.

Mas nem tudo eram rosas. Fábio Soares, engenheiro de telecomunicação, disse que, embora revolucionária, a tecnologia do 1G não foi acessível para grande parte da população, devido ao alto preço do serviço, e por isso não é tão lembrada hoje em dia. Segundo dados do Tilt (2017), do grupo UOL, o primeiro celular do mundo custava cerca de US$ 3.995 (cerca de R$ 20,8 mil). Fora a taxa de US$ 50 (aproximadamente R$ 260) por mês para adquirir o plano comercial e uma taxa adicional de US$ 0,40 (R$ 2) por minuto de ligação. Ou seja, ter um celular não era para qualquer um.

A partir da década de 1990, surgiu o 2G e o começo da era digital. Diferentemente de seu antecessor, que funcionava de maneira analógica, a nova geração trabalhava de forma digital, permitindo diversas conversas ao mesmo tempo e o barateamento da tecnologia. Outra mudança que o 2G proporcionou foram as mensagens de texto. E bem no final da vida, devido ao surgimento de novas tecnologias (GPRS e Edge), permitia acesso limitado à internet, em uma taxa extremamente baixa, 171 Kbps no GPRS e 384 Kbps no Edge, segundo o CanalTech.

Dez anos depois, segundo o pesquisador e professor Carlos Storck, o mercado conheceu o 3G, em 2021. Com ele, veio a consolidação da navegação e acesso da internet pelos celulares, mas ainda trazia uma velocidade baixa. Fábio Soares disse: “No 3G a gente está falando de no máximo 2 Mbps, mas a média de fato era de 384 a 500 Kbps, bem menor que a expectativa, e com uma latência extremamente alta. Então praticamente tudo o que você conseguia navegar era em site”.

Mas a utilização do 3G pela massa foi, novamente, um processo demorado. Houve uma troca de frequências utilizadas, de GSM para UMTS. E essa troca foi demorada em diversos países. Inclusive no Brasil, que conseguiu fazer uso da tecnologia, de fato, apenas seis anos depois de seu lançamento.

Mais dez anos depois, em 2010, chegou a vez do 4G. Agora, a internet móvel tinha uma velocidade e latência que chegavam a 1 Gbps e 80 milissegundos. Isso possibilitou a criação de uma rede muito mais eficiente, e com ela aplicativos que faziam uso do GPS, dando uma enorme autonomia aos dispositivos celulares, com aparelhos que estavam conectados o tempo todo. Mas isso não foi bem democratizado.

Segundo um levantamento da Anatel em 2020, mais de 20 milhões de pessoas ainda usavam o 3G no Brasil. Sobre isso, Fábio Soares afirma: “Existe um problema financeiro. O Brasil é muito grande. Por mais que as operadoras sejam grandes, elas não têm bolso para fazer uma cobertura de uma tecnologia nova”. E segue explicando que existe uma preocupação para que isso diminua com o 5G. Instituições como a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Ministério das Comunicações e a Anatel estão abrindo um processo com o nome de democratização do 5G, por meio do qual incentivam que os prefeitos das cidades invistam na infraestrutura de celular para que as operadoras possam trabalhar. Mas nenhum dos órgãos assume a responsabilidade de que elas sejam de fato implantadas e não dizem nada sobre o que acontece se a cidade não tiver dinheiro para essa implementação.