O caso do goleiro do Santos, Aranha, e o que se pode pensar sobre o racismo no Brasil

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Um ano e meio após a abolição da escravidão, em 1890, dizia o hino da república: “Nós nem cremos que escravos outrora tenham havido em tão nobre país”. Mas há poucos dias, 126 anos após a abolição da escravidão, a torcedora do grêmio, Patrícia Moreira da Silva, 23, durante um jogo do time, chamou o goleiro do Santos, negro, conhecido como Aranha, de macaco.

Dentre todos os atrasos sociopolíticos do Brasil que carregam resquícios do período colonial, o racismo se evidencia pela forma como ainda está presente na sociedade. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 51% dos brasileiros são negros e mestiços. Pode parecer paradoxal haver racismo em um país predominantemente negro e mestiço, entretanto, o preconceito, neste caso, é um fenômeno histórico que não se extinguiu, mesmo após a abolição da escravidão e o avanço da ciência.

No livro “Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas”, 1853, o escritor racista francês, Arthur de Gobineau, afirmou: “Se uma leve mistura da espécie negra desenvolve inteligência na raça branca, tornando-a mais imaginativa, artística, dando-lhes umas asas maiores, ao mesmo tempo, enfraquece o poder do raciocínio da raça branca, diminui a intensidade das suas faculdades práticas; é um golpe irremediável nas suas atividades e no seu poder físico e quase sempre elimina, do grupo resultante desta mistura, senão o direito de brilharem mais claramente que os brancos e pensarem mais claramente que os brancos e pensarem mais profundamente, pelo menos de o tentarem com paciência, tenacidade e sabedoria.”

Além de Gobineau, outros teóricos adeptos ao darwinismo social influenciaram a visão negativa da miscigenação, sob a justificativa que o negro deterioraria a raça branca. Nesse contexto, criou-se, em 1863, nos Estados Unidos, a Lei Antimiscigenação, proibindo a realização de casamentos inter-raciais. No Brasil, também durante o século XIX, o governo realizou políticas de Estado que incentivavam a imigração de europeus para o país, a fim de aumentar a quantidade de indivíduos brancos, branqueando e purificando a população. Tanto o darwinismo social, quanto a política de branqueamento da população, apesar de serem do século XIX, influenciaram o século XX.

Em 1930, em contraponto a visão negativa da miscigenação, Gilberto Freyre, no clássico “Casa Grande & Senzala”, romantiza a relação entre negros, índios e brancos, nos primórdios da história do Brasil, dizendo não ter ocorrido grande violência entre eles, e sim, uma grande festa: “o europeu saltava em terra escorregando em índia nua”, disse. O ideal de confraternização entre as raças, deu origem a “Democracia Racial”, em defesa da inexistência de racismo no Brasil. Em entrevista à Revista Veja, Gilberto foi perguntado se o culto a mulata reafirma a democracia perfeita no país, ou representa uma atitude racista: “Perfeita, de modo algum. Agora, que o Brasil é, creio que sem dúvida, a mais avançada democracia racial do mundo hoje, isto é. A mais avançada neste caminho de uma democracia racial”.

O conceito de “Democracia Racial” foi explorado pelo sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, que classificou o racismo no brasil como “cordial”, ou seja, existente, mas negado.  Prova do racismo cordial brasileiro, foi uma pesquisa realizada pela antropóloga Lilia Schwarcz, em 1988, no centenário da abolição, em que 96% dos entrevistados declaram-se não preconceituosos, e 99% disseram conhecer pessoas preconceituosas.

Hoje, a constituição procura garantir a igualdade entre negros e brancos. O Art. 5º, XLII, da Constituição Federal de 1988 diz “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Será que a lei, as descobertas da ciência de que não há qualquer superioridade entre negros, brancos e índios, e os 126 anos de abolição da escravidão, são necessários para combater o racismo no Brasil? Não. Infelizmente, a situação do negro hoje, ainda é desfavorável. Segundo o Tribunal Federal, menos de 3% dos estudantes da USP (Universidade Federal de São Paulo), a mais reconhecida universidade do país, são negros. Segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), feita em 2013, um trabalhador negro ganha, em média, 57,4% do salário do trabalhador branco. O Governo Federal revelou, em 2010: das 49.932 pessoas vítimas de homicídio; 70,6% eram negras.

O recente caso de racismo que envolveu uma torcedora gremista contra o goleiro do Santos, Aranha, é uma boa exemplificação de como o preconceito, para muitos, continua a existir e não ser levado a sério. Nas palavras de Patrícia Moreira, chamar o atleta de macaco não foi racismo, não teve intenção racista, foi somente no calor do jogo, porque o Grêmio estava perdendo.

Bianca Gomes (1 semestre)