A negação do mistério divino

Imagem feita pelo telescópio Hubble; ateus veem ciência onde crentes veem Deus | foto nasa

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Beatriz Medaglini
»»» Uma jovem nascida em uma família católica fervorosa. Desde pequena criada sob os preceitos da religião, foi obrigada a fazer a primeira comunhão e o sacramento da crisma. Mas, no decorrer dos anos, percebeu que aquele papo de fé, Bíblia e dogmas cristãos nada lhe dizia, e aos poucos foi se distanciando da religião, abandonando uma crença que foi imposta desde seu nascimento.

Imagem feita pelo telescópio Hubble; ateus veem ciência onde crentes veem Deus | foto Nasa

A família não aceitou, e, hoje, conversas sobre religião são banidas em encontros e jantares. A menina acabou se distanciando de sua família, se tornando assim uma ovelha negra dentro de sua própria casa.
Essa é a história de Gabriela Rocha, 19 anos, moradora da capital paulista e que se considera sem religião. E se engana quem pensa que pessoas como Gabriela são raras no Brasil. Desde 1960, o número de ateus cresceu de 0,6% para 8% da população, segundo o último censo do IBGE, de 2010. O fenômeno não para por aí: segundo pesquisas do Datafolha, esse número só tende a crescer nos próximos anos.

Ateísmo e deísmo
O ateísmo, em seu amplo sentido, significa a ausência de crenças na existência de divindades. Este termo provém do grego clássico, cujo prefixo “a” significa ausência e “teísmo” remete à crença na existência de um Deus.
Desde os primórdios, a ausência de religião foi mal vista, muitas vezes causada por uma generalização de que pessoas sem crença, ou seja, diferentes da maioria, não mereciam confiança. Com a difusão do pensamento científico, o ateísmo ganha mais espaço nas sociedades a partir do século 18. Entretanto, engana-se quem pensa que toda pessoa que se define como ateia é igual. Dentro dos que se denominam sem religião, existem muitas ramificações e diferentes formas de pensamento.
Os denominados ateus práticos são aqueles que vivem como se a existência de divindades fosse uma crença irrelevante. Chamados também de apateístas, eles tentam explicar os diversos fenômenos do mundo sem recorrer a fatores divinos. Eles nem creem nem negam a existência de um deus: consideram essa questão desnecessária.
Já o ateísmo teórico, o mais popular, é aquele que nega a existência de qualquer divindade, manifestando-se por meio do pensamento cientifico cético e utilizando-se dele para explicar e contradizer fenômenos tidos por religiosos.
Existem também os que se denominam deístas, aqueles que acreditam na existência de uma força ou energia maior que controla e rege a vida, mas não necessariamente uma divindade. O deísmo também enquadra-se entre aqueles que se dizem sem religião, apesar de ser uma forma oposta ao ateísmo.

No Brasil
Mesmo com a ausência de dados recentes sobre o número de brasileiros que se consideram sem religião (o ultimo censo do IBGE foi feito em 2010), é visível o crescimento de um descontentamento do povo brasileiro no âmbito religioso.
O professor de filosofia Eduardo Oyakawa, da ESPM-SP, explica que essa tendência de abandono de religiões se dá graças à modernização de instituições sociais atualmente, predominantemente laicas. As elites que compõem essas instituições tendem a seguir preceitos racionais e se apoiando em conceitos científicos, o que com o tempo gera um distanciamento das religiões.
Para Oyakawa, o mundo moderno tende a acreditar que os problemas humanos são inteira e essencialmente humanos, inutilizando explicações pautadas em fenômenos místicos e de atribuição a intervenções divinas. Essa tendência vem ganhando espaço no mundo globalizado, não somente no Brasil.
O teólogo Rodrigo Franklin de Souza, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, também enfatiza que antigamente era obrigatório ter uma religião no Brasil. A sociedade brasileira vivia em um contexto de que o catolicismo já era pré-estabelecido. Dessa forma, pessoas nasciam católicas, sem ter contato com outras religiões e com medo de julgamento se seguissem por outro caminho.
Já no contexto atual, dizer-se sem religião, com toda a liberdade que temos no seculo 21, não é vergonhoso. Tornou-se uma escolha comum, apesar de eventualmente ser alvo de preconceito.