Músico se diz ofendido por piada racista em show de stand-up comedy

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Caso abre polêmica sobre limites do humor. Comediante defende estilo, mas professora de ética alerta para riscos de excessos

O show de stand-up comedy “Proibidão”, apresentado no Kitsch Club na Vila Mariana e que conta com nomes famosos como Danilo Gentilli e Alexandre Frota, foi palco de acusações de racismo, no dia 12 de março. Apesar de o espetáculo exigir dos espectadores a assinatura de um termo de que não processariam os integrantes do show por piadas preconceituosas, o músico Rapha “Dan-Top” se sentiu ofendido com uma das brincadeiras e chamou a Polícia Militar. O músico afirmou que não estava ciente do conteúdo do show nem do documento e que era apenas funcionário da casa.

O ocorrido abriu um novo debate sobre os limites do humor. Para o comediante Dinho Santana, existe uma diferença entre preconceito e estereótipos. “Os pilares da comicidade estão nas sátiras dos estereótipos sociais. É diferente de ser cômico pela desgraça alheia. Convido você agora a lembrar de alguma piada muito engraçada que não envolva preconceito”, diz.

De acordo com o humorista, as pessoas são livres para se expressarem e há exagero por parte da sociedade no que diz respeito à diferença entre brincadeira e ofensa. “O ocorrido não passou de uma brincadeira, uma vez que o lugar era apropriado e o humorista também se envolveu na piada”, afirma Santana.

A professora Denise Fabretti, que leciona ética na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo, ressalta a importância do contexto histórico e social para que a ofensa seja considerada grave. “Em nosso sistema social, somos fruto de um grupo que, até 1888, ainda estava no regime da escravidão dos afrodescendentes. Atualmente, existe todo um trabalho de movimentos não discriminatórios no sentido de combater resquícios de preconceito racial. Assim, o tipo de piada que foi feita em relação ao músico, sob o aspecto ético da nossa sociedade, pode ser considerado extremamente preconceituoso”, afirma.

Ineficácia

A proposta do “Proibidão” chega a ter menos limites que a de outros shows de stand-up comedy. Ele é especificamente projetado para ser politicamente incorreto, com piadas sobre negros, deficientes, mulheres, gays, entre outros, sem censura alguma. Para se proteger de eventuais processos, a casa obriga o espectador a assinar um documento no qual afirma estar ciente de ter pagado para ver e ouvir casos que socialmente são considerados antiéticos.

“Quando se faz um espetáculo em que as pessoas devem assinar um termo de que não ficarão ofendidas, algo está muito errado. Ou quem está fazendo o show já sabe que não vai ser ético, que vai ultrapassar todos os limites do bom senso e quer um aval para isso, pois sabe que está fazendo algo inconveniente. Ou quem vai assistir é muito rigoroso com piadas que envolvem características físicas, sociais, raciais e religiosas”, afirma Denise Fabretti.

De acordo com o Código Civil Brasileiro, qualquer forma de contrato estabelecido por duas partes, como o termo de responsabilidade, vale como lei. Mas o fato dos clientes assinarem esse termo não justifica que crimes sejam cometidos, pois um contrato não pode valer mais que as leis do País: ele deve ser regido por estas. “O contrato em questão não pode legitimar o desrespeito à lei”, afirma o advogado Gabriel Mundim. “Não posso afirmar que houve racismo na piada do humorista, seria preciso assistir ao vídeo da piada no contexto no qual ela foi feita. Mas, se for comprovado o ato de injúria racista, o humorista pode ser, sim, processado nos termos da lei”, avalia Mundim.

O advogado de Rapha “Dan-Top”, Raphael Lopes, vai pedir à Polícia Civil a abertura de um inquérito sobre o caso, mesmo que o músico e o humorista tenham resolvido o ocorrido após o show pessoalmente e não tenha sido registrado um boletim de ocorrência. O músico voltou atrás e agora quer o fim do evento de stand-up comedy.

 Natalia Parodi Picanço (3º semestre)