Carandiru, 24 anos: obras culturais e jornalistas repercutem o massacre

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“Antes que eu me arrependa, sobe com essa fila aí. Sai da minha presença, que você vai pegar o maior boi porque tem a cara do meu filho mais velho!” Essa foi a fala de um policial militar para um dos detentos durante o massacre do Carandiru, relatada no livro do médico Dráuzio Varella, Estação Carandiru.

Durante uma ação da Polícia Militar, 111 presos foram mortos no presídio, na tentava de conter uma rebelião interna. O acontecimento resultou na detenção provisória de 74 PMs e em 87 feridos. No dia 2 de outubro, o massacre completou 24 anos.

Na terça-feira (27), o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou os 5 julgamentos que condenaram os policiais ainda arrolados no processo. A medida foi votada pelos desembargadores Camilo Léllis (revisor) e Edison Brandão. Eles consideraram que não havia provas que apontassem quais foram os crimes cometidos pelos agentes. A justificativa é a de que, sem poder individualizar as ações, não havia como condená-los.

O relator Ivan Sartori também votou pela anulação e absolvição dos réus, usando como argumento o caso dos tres policiais que foram absolvidos na época do julgamento por falta de evidências da participação de dois deles e por um erro de denúncia do terceiro. Segundo o relator, seria injusto condenar os outros, uma vez que suas ações aconteceram nas mesmas circunstâncias. Além disso, ele alegou que os agentes agiram em legítima defesa.

Em contrapartida, a Promotoria afirma que todos os policiais que participaram da ação e atiraram têm participação no resultado final, uma vez que assumiram o risco de entrar com metralhadoras no presídio.

 

Repercussão

A jornalista Rosana Teixeira era repórter da Band na época e cobriu o acontecimento. Ela relata que durante o acorrido, as ruas ao redor da penitenciária ficaram intransitáveis devido à presença da imprensa, familiares e ONGs defensoras dos Direitos Humanos. “Cheguei lá por volta das 16 horas e saí perto das três horas da manhã. A situação ainda não havia sido resolvida, estava muito tensa com a polícia, várias ambulâncias e viaturas entrando e saindo de lá”, conta.

Rosana acrescentou que foi fundamental a cobertura da imprensa.  “A mídia é sempre importante, porque às vezes um crime só é realmente desvendado e julgado pela pressão da imprensa. No caso do Carandiru foi isso: a PM não teve como esconder o massacre e precisou assumir por causa de toda repercussão. A justiça não foi feita antes, e não está sendo agora”.

Heidy Vargas, jornalista e professora de Produção e Edição em TV da ESPM-SP, também estava presente durante o episódio. Na época, iniciante na profissão, ela conta que se os jornalistas não tivessem lá, a população não saberia o que tinha acontecido. “O interessante de ter coberto a rebelião, foi notar o gigantismo e a falência do Estado no quesito prisional”, conclui.

“Para mim e para a defesa, ficou claro que muitos policiais que estavam lá não fizeram um ato ilícito, apenas cumpriram ordens”, afirma o advogado criminal, Cristiano Jouuckhader. Referindo-se ao acontecimento como uma das páginas mais sombrias da história do sistema prisional brasileiro, ele diz que não é possível julgá-los sem ter a certeza da sua efetiva participação. O especialista ressalta ainda, que é essencial cobrar políticas que respeitem os cidadãos, os direitos individuais e a cidadania. “Criminalizar a PM de forma geral não é o caminho. Devemos fortalecer as nossas instituições”, diz.

Sem data prevista, uma nova sessão será convocada por mais 2 desembargadores. Eles devem votar pela “anulação” ou “absolvição” dos policiais. Os três juízes também podem rever seus votos, e caso mantenham a decisão e os outros dois acompanhem o relator, pode haver absolvição completa.  A promotoria entrará com recurso no Supremo Tribunal de Justiça para manter as condenações, fato que pode protelar a decisão por anos.

Para entender mais sobre o massacre, consulte:

Livros:

  • Estação Carandiru– Drauzio Varella
  • Carcereiros– Drauzio Varella
  • Paraiso Carandiru– Sidney Salles
  • Pavilhão 9- Paixão e morte no Carandiru– Hosmany Ramos
  • Vidas do Carandiru– Humberto Rodrigues

Filmes:

  • Carandiru- Hector Babenco
  • Sobreviventes- Estudantes da PUC-Campinas (disponível no YouTube)
  • Prisioneiro da Grade de Ferro- Paulo Sacramento
  • Deus e o Diabo em cima da Muralha- Drauzio Varella
  • Entre a Luz e a Sombra- Luciana Burlamaqui

 

Musicas:

  • Sobrevivendo no Inferno– Racionais MC’s

Por Fernanda Baddini, Juliana Nóbrega e Vivian Lusor (2o semestre)