Entre jornalistas e influencers, a entrevista na berlinda

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Montagem com reprodução de tela das entrevistas do Presidente Lula , Flávio Bolsonaro e Wanessa Camargo. Créditos (Podpah, Roda Viva, e Fantástico)

Texto e fotomontagem: Guilherme Paiva – 1º semestre

 

No programa de entrevistas Roda Viva, da TV Cultura, em seus 37 anos de existência, o entrevistado fica sentado no centro de uma roda, na entrevistadores especialistas ficam à sua volta, fazendo-lhe perguntas nem sempre fáceis de se responder. Na última segunda-feira (08), o programa recebeu o deputado federal Flávio Bolsonaro (PL), entrevista que repercutiu bastante nas redes sociais, com internautas acusando a emissora de haver suavizado algumas atitudes do político. Além disso, a jornalista Vera Magalhães, mediadora do programa, foi criticada em redes sociais porque não teria se posicionado firmemente ao fazer suas perguntas ao deputado.

Esta entrevista e outras dos últimos anos mostram a importância desta técnica jornalística que, quando bem realizada, revela dados fundamentais sobre o entrevistado.  Nos parágrafos abaixo, o Portal de Jornalismo ESPM-SP se aprofunda nesta ferramenta essencial ao jornalismo, e como esta tem sido vista por diferentes agentes da sociedade hoje em dia. 

A técnica

A entrevista é uma técnica jornalística atemporal, empregada para se conhecer melhor uma figura, seja ela pública ou não. Esse método consiste em uma espécie de conversa, na qual o jornalista faz uma série de perguntas não combinadas com o entrevistado. Neste contexto, o papel do jornalista é de pesquisar, checar e conferir os dados para elaborar perguntas, o que muitas vezes instiga e confronta o entrevistado.

Mas no século XXI, graças à descentralização do produtor de conteúdo gerada pela era digital, um novo profissional tem disputado com o jornalista o exercício de entrevistar: o influencer, que ganhou espaço com podcasts e canais do Youtube. Este novo comunicador, entretanto, nem sempre utiliza os mesmos métodos de realização de entrevistas que um jornalista, como não seguir um planejamento de perguntas, ou deixar o entrevistado mais livre para falar durante o tempo que quiser. Assim, a entrevista perde o caráter tradicional de confronto de ideias entre entrevistador e entrevistado. Não é raro perceber que entrevistas atuais permitam que o convidado fuja do tema pré-estabelecido, ou  a entrevista se torne muito mais uma conversa do que uma entrevista de fato. 

De acordo com a professora Francine Altheman, professora do curso de Jornalismo da ESPM-SP, “o jornalista tem o papel de cutucar, perguntar, de questionar, porque não aceita qualquer resposta”. Em contrapartida, o influencer tem a possibilidade de gerar afinidade com o entrevistado. “O influencer vai mais por um lado de fã ou hater”, comenta Francine, dando mais liberdade assim para aquele convidado que é mais próximo de entrevistador. 

Críticas 

Como uma estratégia de aumentar a audiência, emissoras como a Rede Globo tem escalado influencers para realizar entrevistas em programas como Fantástico, como a Blogueirinha, que ganhou um quadro, além de coberturas de futebol. De forma semelhante, influenciadores cobriram o carnaval paulistano mesma, o que gerou críticas do público, de ex-profissionais do canal e até da Federação Nacional do Jornalistas (FENAJ). Segundo as análises, a falta de preparo e de informação dos entrevistadores fez com que suas perguntas por vezes não fossem informativas ou interessantes, características essenciais de uma entrevista. 

Podcasts

Grandes figuras da opinião pública brasileira se renderam às entrevistas em podcasts. O Podpah, canal que conta com mais de 7,5 milhões de inscritos, alcançou mais de 3,6 milhões de acessos, graças à entrevista do presidente Lula. Outro canal de peso, o Flow, com 5,5 milhões de seguidores, entrevistou o ex-presidente Jair Bolsonaro. Em ambos casos, os programas que duraram horas, com os políticos falando à vontade, sem interpelação firme dos hosts

Talvez a atual soltura das entrevistas na web tenha acostumado mal os entrevistados, como no caso da entrevista com a cantora e ex-BBB Wanessa Camargo, que foi ao ar no Fantástico, programa dominical da Rede Globo. Nele, a jornalista Renata Ceribelli fez uma série de questionamentos sobre a trajetória da artista no reality. As perguntas sobre supostas atitudes racistas de Wanessa causaram desconforto na cantora, a ponto de sua assessoria de impreensa classificar a entrevista como “maliciosa”. Após as acusações, o Fantástico se pronunciou, dizendo que prezava pela verdade e que “não costuma evitar abordar situações controversas”.

Quer saber mais? 

O filme Frost / Nixon retrata o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, 3 anos após renunciar do cargo. No longa, ele aceita dar uma entrevista para esclarecer alguns pontos de sua carreira e ao longo da trama, é retratado o embate entre o político e o jornalismo. 

Para se conhecer melhor as técnicas de entrevista e o processo pelo qual ela passa, é recomendada a obra “Técnicas de entrevista jornalística: Um manual da prática na teoria”. Neste livro, são abordados desde dicas até técnicas para realizar essa atividade.