Correspondente da Globo comenta atentado em Londres

Ernani Lemos, chefe dos correspondentes da TV Globo, em Londres. (foto: Shirley M. Cavalcante)

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Ernani Lemos, chefe dos correspondentes da TV Globo, em Londres. (foto: arquivo pessoal)

No último dia 22 de março, a população de Londres assistiu a Khalid Masood, um britânico de 52 anos, atropelar e a matar quatro pessoas na frente do Parlamento Britânico. Esse foi um dos vários ataques a civis avaliados como terrorismo e cobertos pelo jornalismo. Para compreender como se faz a cobertura sobre um evento desses e quais procedimentos a serem seguidos, o Portal de Jornalismo da ESPM-SP conversou com o chefe dos correspondentes da TV Globo em Londres, Ernani Lemos:

PJ: Como foi a cobertura do atentado? Quando você soube e qual o procedimento padrão no momento que esses ataques ocorrem?

Em um episódio como esse, temos de ser rápidos e duplamente cautelosos. A razão da rapidez é a mais óbvia: dar a notícia o quanto antes. Já a cautela dupla é para preservar a segurança da equipe e verificar rigorosamente a informação. Fazemos isso em qualquer cobertura, mas nessas ocasiões nos esforçamos ainda mais para não cair na armadilha de reproduzir notícias falsas ou espalhar alarme indevidamente. Desde o início da onda de atentados na Europa, em 2015, qualquer manchete de tiroteio, explosão ou atropelamento traz involuntariamente à mente da maioria das pessoas a hipótese de terrorismo. Só quando as autoridades tratam o caso como terrorismo ou algum grupo extremista reivindica o ataque é que nos referimos ao fato dessa forma. Como todas as nossas equipes são rigorosas e têm treinamento de segurança, no caso do atentado de Londres o procedimento foi simples: o time que estava no Parlamento gravou o que conseguiu e já mandou o material para a redação enquanto os outros foram imediatamente para as imediações do parlamento apurar e reportar.

PJ: Em relação a política de Imigração adotada pelo Trump e pelo Reino Unido, você acredita que esse ataque contribuiu para uma maior rigidez nessas políticas? O que você tem observado em relação ao tratamento que essas pessoas têm recebido nos últimos anos?

Você tem razão quanto ao aumento do preconceito. Recentemente comecei a ler um livro que se passava em Londres e dizia, citando ataques de 2005, que tinham sido “atentados muçulmanos”. Não consegui terminar. É esse tipo de equívoco que enraíza na cabeça de muita gente o absurdo de culpar uma cultura ou religião pela insanidade de indivíduos ou pequenos grupos. O Reino Unido tem uma comunidade islâmica enorme, formada por imigrantes do Paquistão, de Bangladesh, de países do norte da África e do Oriente Médio. Em Londres, há bairros inteiros de muçulmanos, inclusive com placas de rua na língua dos estrangeiros. E esses lugares são visitados por turistas. A aceitação das diferentes religiões e culturas é exemplar aqui. Ainda assim, há diversos muçulmanos que se sentem alvo de preconceito e crimes de ódio, seja com ataques a estabelecimentos onde trabalham ou agressões nas redes sociais. Isso sempre aumenta depois de um atentado atribuído a grupos terroristas que se escondem sob pretextos religiosos. O ataque da última quarta ainda não levou à implantação de políticas discriminatórias por aqui. Líderes de diferentes religiões até fizeram questão de aparecer juntos no dia seguinte para demonstrar a união da sociedade. Mas infelizmente sabemos que esses atos ecumênicos não são capazes de acabar completamente com o preconceito num país.

PJ: Você acredita que o crime tenha alguma relação com a xenofobia estimulada pelo Brexit ou que foi realmente um atentado terrorista?

Pergunta boa, mas difícil. Na conclusão da investigação, a polícia informou que não encontrou nenhum sinal de que o assassino tenha recebido ajuda e que provavelmente jamais será possível saber os motivos dele. Problemas mentais, vingança, Brexit, terror, desespero, dificuldade financeira, busca por publicidade póstuma… Acho normal que o cérebro humano levante mil hipóteses. Mas se não encontrarem provas, é tudo especulação.

PJ: Qual a maior diferença que você sentiu em relação a essa cobertura e outras que sua equipe realizou, como o atentado ao jornal francês Charlie Hebdo?

São muitas diferenças. Esse ataque foi no nosso quintal, a 30 minutos do escritório. O do Charlie Hebdo foi em Paris. A logística de deslocamento da equipe faz parte do trabalho, mas muda um pouco o começo da cobertura. O atentado de Londres foi rápido (durou menos de cinco minutos) e perpetrado por uma só pessoa que morreu na cena. A ação principal se encerrou na hora e o que restou para atualizar nos dias seguintes foi a identificação das vítimas e do assassino, além das investigações. No caso de Paris, foram várias ações, de várias pessoas, que envolveram reféns, muito mais mortos, e fuga. Vale lembrar que um dos suspeitos de envolvimento só foi preso no ano passado, em Bruxelas, se não me engano. Isso sem contar que o Charlie Hebdo foi alvo de um ataque deliberado contra a liberdade de expressão e marcou o início da atual onda de terrorismo na Europa. Os episódios são bastante diferentes.

Por Giovanna Dagios (1o semestre)