Com avanço tecnológico, telenovelas vivem entre o novo e a tradição

Carminha, vilã de “Avenida Brasil”, ataca a mocinha, Nina | foto: divulgação

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Alexa Rosatti
Mariana Alvarez
Mariana Oliveira
» À primeira vista, uma telenovela é apenas entretenimento fácil. Na realidade brasileira, porém, vai muito além disso. Ditando moda, retratando costumes e até mesmo quebrando tabus, as novelas se tornaram parte do dia a dia do brasileiro e um marco da televisão nacional, sendo reconhecidas e respeitadas até mesmo internacionalmente.

Carminha, vilã de “Avenida Brasil”, ataca a mocinha, Nina | foto: divulgação

As telenovelas atingem os mais diferentes públicos, de todas as classes sociais e de diversas faixas etárias. “Todo brasileiro se reconhece na telenovela de alguma forma”, afirma Bruno Lima, autor e roteirista da TV Globo quando questionado sobre o poder da telenovela no Brasil. Por meio delas é possível retratar diferentes realidades e questionar preconceitos presentes na sociedade.
Além de retratar, influenciam comportamentos. “Eu comecei na dança do ventre por conta da novela O Clone. Fiz por anos porque amava assistir aquilo na televisão”, diz Vivian Dinamarco, estudante de oceanografia. Assim como Vivian, muitas pessoas já aderiram a modismos ligados às novelas.
Personagens da teledramaturgia inspiram e fascinam um grande público com suas manias, jeitos de falar, sotaques e vestimentas. “Copiei o cabelo e a roupa da namorada do Jorginho de Avenida Brasil. Achava ela demais”, diz Giulia Bonizzoni, estudante de moda.
O público brasileiro sente necessidade de acompanhar cada capítulo e cada cena. A novela faz com que as pessoas se identifiquem e passem a ver na história criada, sua própria realidade. Assistir e almejar algo retratado na televisão faz parte da vida do telespectador. Muitas vezes pode enxergar ali algo que é desejado para tentar fugir de uma realidade que não o satisfaz. Assim, o desenrolar da história acarreta em uma ligação com o público que quer ver o que acontece no decorrer da trama e da vida dos personagens.
Mesmo a novela estando presente na televisão desde 1951, foi em 1965, com O Direito de Nascer, que o gênero passou a crescer e ganhar a atenção do público e de investidores. Em 1967, escrevendo um capítulo em que um terremoto devastador matava 100 integrantes da novela para dar novo rumo a uma trama que não estava fazendo sucesso, a autora Janete Clair conquistou seu espaço na TV Globo e deu início a uma nova era da teledramaturgia da emissora, que veio a se tornar hoje, uma das maiores produtoras de telenovelas do mundo. “Esta foi a melhor época para a telenovela, eu acho. Eram dramas mais psicológicos” disse Ana Rosa, atriz global.
Com o passar dos anos, emissoras concorrentes, como Bandeirantes, SBT e Record, começaram a produzir e a importar novelas. Entretanto, a Globo com suas grandes produções se manteve líder de audiência no segmento. “As telenovelas são forte produto de comercialização. As outras emissoras tentam balizar os horários em função da Globo porque ela ainda detém bastante mercado em telenovela. Mas já tem competições fortes de alguns produtos em outras emissoras. O SBT compra muitas novelas de fora, porque é difícil e caro produzir” afirma Jane Aparecida Marques, professora e doutora da USP, especialista em telenovelas.
No ápice da dramaturgia nacional, em 1985, estreia Roque Santeiro, escrita por Dias Gomes e Aguinaldo Silva, que atingiu recorde de audiência. Essa foi uma nova versão, pois a primeira, que ocorreu em 1975, foi censurada pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), tendo em vista seu conteúdo crítico à ditadura instaurada na época.
Com a virada do século as novelas evoluíram. Agora com mais influência publicitária, elas se tornaram uma grande indústria, e, com o avanço da tecnologia, a disputa por audiência aumentou.
Tabus e preconceitos
Espetacularizando eventos cotidianos e transformando histórias reais em entretenimento, a telenovela se tornou um gênero único no país. Com função social, informativa e até mesmo política, elas tentam driblar tabus e preconceitos existentes na sociedade. Como em Caminho das Índias (2009) quando trataram do tema da esquizofrenia, com o personagem Tarso, interpretado pelo ator Bruno Gagliasso, ou com a novela A Favorita (2008) quando Lilia Cabral interpretou a Catarina, que era violentada pelo marido, trazendo à discussão, violência contra as mulheres.
Para a professora de antropologia da USP e doutora em Ciências Sociais, Heloisa Buarque de Almeida, a telenovela expõe os temas com abordagem unidimensional, com debate superficial. O merchandising social, por exemplo, se vê cada vez mais envolvido nas tramas da teledramaturgia. Entretanto, a trama revela aos telespectadores o tema a ser debatido, não necessariamente o debate concluído.
Muito mais do que retratar e ilustrar o que está acontecendo nas ruas, a telenovela como produto social e cultural tem o poder de influenciar e estimular. Pregar a cidadania e ajudar o telespectador a refletir sobre os mais variados assuntos acaba sendo uma função praticada por ela, segundo Bruno Lima. Para o roteirista, a TV reflete as mudanças da sociedade, e não o contrário.

Patrícia Pillar em cena de “A Favorita” | Foto: divulgação

Audiência
Apesar de seu sucesso como produto cultural, a audiência das telenovelas na TV vem caindo nos últimos anos. A queda de telespectadores, contudo, não necessariamente significa que menos pessoas veem novela. Isso porque parte da audiência migrou para novos dispositivos. A novela está na internet.
A tecnologia permitiu ao telespectador encontrar outras formas, talvez mais convenientes, para acompanhar as histórias exploradas na televisão. Com a internet, as pessoas têm acesso ao conteúdo na hora e lugar que preferirem.
Para Renata Dias Gomes, autora e neta do dramaturgo Dias Gomes, a telenovela ainda é o maior produto cultural brasileiro e as pessoas que estão deixando de assistir as novelas na televisão migraram para a internet. Acompanhar comentários pelo Twitter, Facebook e outras redes sociais parece estar se tornando cada vez mais comum, de acordo com ela. “O que eu vejo é que a internet tem mudado a forma de assistir. Muita gente assiste depois. Mas as pessoas continuam vendo. E os comentários em tempo real acabam motivando a assistir na hora em que a novela passa.”
“O papo que o pessoal tinha antes no bar, na padaria, agora é na hora, na internet. Lógico que não é um hábito de todo mundo. A conversa do bar continua existindo e é preciso entender que público é esse, que comenta a novela online”, completa Renata. Como autora, ela conta que gosta de acompanhar os comentários em tempo real pelo Twitter e pelo Facebook. “Gosto de ficar atenta aos comentários que rolam antes e depois no Facebook. No Twitter é imediato e isso é muito legal!”
Mesmo com a ascensão de outros meios, a novela se mantém no mercado e na casa das pessoas. “Há casas no Brasil que não têm geladeira, mas têm televisão. Então a novela chega a lugares remotos e une o país inteiro”