Aplicativo pirata

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Eduardo Fabricio – 4º semestre de Jornalismo

Quando estava chegando a hora da final, comecei a fazer as contas, eu já sabia a angústia que me esperava logo mais, não só por aquela ser a primeira decisão do Corinthians em cinco anos, mas por não poder acompanhar. “Bom, o jogo começa faltando 15 minutos pras 22h. Eu saio às 22h. Vejo os primeiros 15 minutos aqui no trabalho e depois saio correndo”.

Mas não era tão simples assim. O tempo que levo para voltar do trampo, que fica na Barra Funda, até minha casa, no extremo da zona sul, é de pouco mais de uma hora. E como se já não bastasse, a engenharia do metrô ia me ajudar.

A última linha do meu caminho de volta é a lilás, que foi construída debaixo da terra desde a estação Chácara Klabin até a Largo Treze, ou seja, eu ficaria sem sinal de celular ou informação da partida por quase meia hora. Mas isso era problema para o Eduardo do futuro.

Enquanto pensava, o jogo começou e com sete minutos o atacante Pedro já me fez repensar se valia a pena correr para chegar logo em casa, 1 a 0 Flamengo. Mesmo assim, decidi acreditar.

Quando o relógio de ponto virou para 22h eu já estava com o crachá na mão, pronto para começar minha jornada. Saí voando do trabalho, corri até a estação e pulei os últimos três degraus da escada para alcançar o metrô que já estava saindo.

Da Barra Funda até a Sé, fui acompanhando a descrição dos lances pela internet. Desci na estação central, onde parti para a primeira baldeação. Foi quando passei por uma mina que estava usando a camisa do Corinthians e provavelmente assistindo ao jogo pelo celular. Ela estava bem brava e dizendo coisas que prefiro não escrever neste relato. Quando vi a cena pensei que o Flamengo já devia ter feito o segundo gol.

O metrô chegou, entrei rápido e logo acessei meu celular para ver o que estava acontecendo… “ufa”, ainda estava 1 a 0. Desembarquei na Ana Rosa, driblei a multidão e parti para a última baldeação, “next station, Chácara Klabin”.

Quando a porta se abriu na última estação da linha lilás, um misto de alegria e sofrimento tomou conta de mim. Eu sabia que quando chegasse lá embaixo não teria mais sinal de internet.

Cheguei na plataforma e ainda tentei ver se conseguia alguma informação, nada. Naquele momento, me tornei o Eduardo do futuro, e tinha um problemão. Pelo menos era o primeiro da fila, podia escolher o assento do canto e me imaginar eu um filme de Hollywood, naquelas cenas em que o protagonista olha pela janela e é abraçado por um sofrimento sem fim.

Ao meu lado, sentou um senhorzinho, sim, “-inho” porque ele era bem baixo, devia ter 1,60 m. Era negro, usava óculos, tinha o cabelo no estilo black power só que sem tanto volume.

De repente, um menino gritou, “gol do Corinthians”. “Gol do Corinthians? Sério mesmo? Chupa, Flamengo!, disse o senhor. Ele percebeu minha animação e entendeu que  além do vagão, também estávamos no mesmo barco corintiano. “Empatando agora fica bom pra gente, hein?”, concordei com ele e começamos a conversar.

Acho que nós dois encontramos um no outro uma forma de distração. Vira e mexe ele tentava acessar um dos cinco ou seis aplicativos de TV pirata que tinha instalados no celular, mas nenhum funcionou. Ele era o típico senhor, segurava o celular com a mão esquerda e usava apenas o dedo indicador direito para digitar. Enquanto isso, uma voz robótica confirmava as teclas que ele apertava, “C”, “O”, “R”. Provavelmente ele precisava de óculos novos.

A essa altura, tínhamos avançado algumas estações. Já estávamos na… na… “onde a gente tá?”. Escolhemos sentar em lugares onde de um lado se via parede e do outro as pilastras tampavam o nome da estação. Não sabíamos do jogo, nem se aquela agonia ainda ia demorar muito.

Em algum momento, ele dividiu o seu maior arrependimento comigo. “Eu podia ter ido de ônibus, mas escolhi vir de metrô porque é mais rápido. Esqueci que não tem sinal aqui. Era só eu ter pegado o Santa Cruz, ido até Moema, de lá pegar o Capelinha e descer em Santo Amaro”. É, ele também devia trabalhar longe.

Depois de um tempo, umas das agonias acabou, nos esticamos e conseguimos dar uma olhadinha para fora. Estávamos na Borba Gato, isso significa que dali quatro estações o sinal ia voltar. A partir dali, não teve mais conversa. Os dois olhavam fixamente para o indicador de sinal no celular, esperando qualquer barrinha ser preenchida.

Na saída da estação Largo Treze, o metrô já começa a sair debaixo da terra. Por ser mais ágil e usar mais que um dedo para digitar, fui o primeiro a abrir o resultado parcial do jogo, enquanto isso ele ainda tentava fazer o aplicativo pirata funcionar.

Ele estava tão concentrado que não percebeu o brilho sumindo de mim. Eu, jornalista em formação, tinha sido vítima de uma fake news. Não, o Corinthians não tinha marcado um gol, o jogo ainda estava 1 a 0. Mas a parte mais difícil disso foi dar essa notícia para meu companheiro.

“Não foi gol não, Flamengo ainda tá ganhando”. Ele olhou confuso para o meu celular e parecia não acreditar. Na verdade, ele só acreditou mesmo quando viu com seus próprios olhos, no aplicativo pirata de confiança. Ao desembarcar, me despedi com a famosa frase: “Bom jogo para nós”.

Quando tudo acabou, com o Corinthians derrotado, só conseguia pensar em como aquele senhorzinho ainda ia ficar triste, já que o sinal do aplicativo pirata demorava bem mais.