Larissa Crippa, Luana de Andrade, Manuela Margini, Milena da Silva e Viviane Tolosa (3º semestre de Jornalismo) *
Paula (nome fictício) não se importa se tem apenas 14 anos, seu sonho é ser mãe agora. Já Maria (nome fictício), com a mesma idade, perdeu a virgindade por pressão e acabou engravidando. O parceiro disse que não era dele. Priscila, com 17 anos, deu à luz sozinha no banheiro de sua casa, sem sequer saber que estava grávida. Yasmin engravidou com 15 anos e teve que largar a escola. Cristiane, Silvanete e Gisele engravidaram na adolescência e são adultas hoje em dia, mas como teriam sido suas vidas se não tivessem engravidado enquanto jovens?
Essas histórias, esses nomes, representam uma minúscula parcela de uma média de 400 mil casos por ano de gravidez precoce no Brasil. O número, que aumentou durante as décadas, conta com 419.252 meninas que engravidaram na faixa etária de 10 a 19 anos; sendo 19.330 entre 10 e 14 anos e 399.922 com idades entre 15 e 19 anos, de acordo com a última pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2021. E por que exatamente temos números tão altos? Por que estamos acima da média mundial de gravidez na adolescência?
Para Sheila Sedicias, ginecologista e colunista no portal Tua Saúde, as principais causas para a gravidez na adolescência são a desinformação sobre o assunto e sobre métodos contraceptivos, baixo nível financeiro e social, família com outros casos similares e mau ambiente familiar. A médica ressalta que apesar da gravidez precoce acontecer em qualquer classe social, é mais frequente nas famílias de baixa renda, já que muitas vezes as jovens, devido a falta de objetivos ou incentivos da família em relação aos estudos, passam a acreditar que ter um filho representa um projeto de vida.
A educação sexual não funciona de maneira efetiva no Brasil, principalmente com a falta de apoio estatal. O atual governo, por exemplo, já rejeitou diversas medidas que visavam a orientação sobre temas relativos a gravidez. A título de exemplo, é possível observar quando o presidente Jair Bolsonaro afirmou, em 2019, numa transmissão ao vivo em uma rede social, que reeditaria a Caderneta de saúde do adolescente, documento do Ministério da Saúde que reúne informações sobre como evitar doenças, mudanças no corpo, saúde sexual, bucal e alimentícia. Ele recomendou que os pais rasgassem as páginas enquanto a reforma não acontecia.
Entre as páginas que deveriam ser eliminadas, de acordo com o presidente, havia desenhos sobre como usar a camisinha masculina, desde a abertura da embalagem ao modo como deve ser colocada e, depois da relação sexual, retirada do pênis e jogada no lixo. Outra página, que também deveria ser excluída, explicava como as adolescentes devem introduzir a camisinha feminina. A justificativa para a remoção é que as orientações eram “obscenas”. O Ministério da Saúde disse que seguiria as orientações do presidente, e o ministro da Saúde na época, Luiz Henrique Mandetta, reafirmou a revisão, apesar de não confirmar o recolhimento do material. Mesmo com a discussão, a versão digital no portal do Ministério da Saúde continua com as respectivas imagens até hoje.
De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), o risco de morte materna duplica entre mães menores de 15 anos em países de baixa e média renda. Além da mortalidade, segundo a enfermeira obstetra Rose Oliveira, há maior chance de parto prematuro, rompimento precoce da bolsa e aborto espontâneo. No aspecto psicológico, as mães têm maiores chances de desenvolver depressão ou transtornos similares, tanto durante a gravidez, como no pós-parto. A diminuição da autoestima e problemas afetivos entre a mãe o bebê são outras consequências da gravidez na adolescência. Em muitos casos, a mulher precisa abandonar os estudos ou o trabalho.
Devido a todas as implicações que a gravidez precoce pode provocar, este tipo de gestação é considerado de alto risco, tanto para a mãe quanto para o bebê. Na Constituição Federal brasileira, artigo 128, a interrupção da gravidez quando a mãe está em risco, prática conhecida como aborto terapêutico, é permitida. Mas, apesar de todas as ameaças à vida da jovem mãe e do feto, essas condições são consideradas especulatórias, e o aborto legal não é concedido nesse caso.
O assunto é complexo e, analisando os dados, é possível pensar, mesmo que por um segundo, que a solução pode ser simples. Mas, em cada caso que compõe os altos índices, há mulheres lutando contra sentimentos, enfrentando preconceitos e se desafiando para viver uma situação tão delicada quanto a gravidez na adolescência. O buraco é muito mais embaixo.
O parto surpresa
Terça-feira, 15 de junho de 2021. Às 5h30 da manhã seu celular começou a vibrar no mesmo ritmo que tocava todos os dias. Assim que acordou, Priscila Grigório Fonseca, então com 17 anos, 1,57 metro de altura, 70 quilos, começou a sentir um incômodo na região do abdômen, abaixo do ventre. Acostumada com uma menstruação regular, estranhou a cólica fora de época, mas sem grandes preocupações. Seguindo normalmente sua rotina, saiu do seu apartamento de 60 metros quadrados no bairro do Cambuci, zona sul de São Paulo, em que mora com os pais e os acompanhou até a rua General Carneiro, no centro da cidade, onde os três trabalhavam na lanchonete da família.
Ao longo do dia, a dor que sentia foi se tornando cada vez mais aguda. Foi, então, por volta das 13h30 que seu pai aconselhou que ela fosse embora. Pai e filha tiraram a camisa polo laranja que usavam no serviço e foram para casa. No caminho, passaram em uma farmácia do Cambuci para comprar a caixinha roxa que Priscila estava acostumada a ver todos os meses. O Ponstan sempre foi o remédio usado para aliviar a cólica. Dessa vez, porém, vomitou o medicamento assim que chegou em casa. Sentindo-se mal, a jovem foi para pequeno banheiro em frente ao seu quarto e, de costas para o vaso sanitário, olhando para o chuveiro, sentiu a cólica se intensificar. Eram as contrações que anunciavam a chegada de um bebê, que ela sequer sabia que estava carregando.
Em um ordinário movimento para sentar-se para urinar, repentinamente notou uma sensação que nunca havia experimentado. Em segundos, Ana Clara – como viria a ser chamada posteriormente – estava caída no chão do banheiro. O pai de Priscila, transtornado e confuso na mesma medida que a filha, pegou uma toalha, envolveu a recém-nascida e entregou-a à mãe da criança. Ainda ligada ao bebê pelo cordão umbilical, a jovem mãe desceu pelo elevador vestindo um roupão de veludo de seu pai, segurando a filha que continuava envolta por uma toalha, e caminhou em direção aos paramédicos que haviam sido chamados.
A ambulância estava parada na rua de mão dupla da entrada do condomínio de prédios onde o nascimento tinha acontecido. No carro da assistência médica, o cordão umbilical foi cortado e os primeiros atendimentos foram prestados para a mãe e para o bebê. Já no hospital, alguns dos médicos criaram a pior memória de Priscila sobre o dia do nascimento de Ana Clara: ela foi vítima de violência obstétrica. “Eu cheguei lá e contei a história. Obviamente, as enfermeiras e os médicos falaram que eu estava mentindo, porque era impossível. Quando a enfermeira foi tirar a placenta de mim, ela enfiou a mão em mim e ficou escavando para tirar. Foi horrível”, conta Priscila.
De acordo com o portal da Cochrane, rede internacional de informações sobre a saúde, a placenta costuma soltar do útero de forma espontânea. Contudo, quando a intervenção médica se faz necessária, é possível realizar o procedimento manualmente ou a partir da prescrição de remédios. Em ambos os casos, as intervenções, de modo geral, não provocam dor ou, no máximo, causam um incômodo inferior à dor do parto. Os médicos da Cochrane ainda destacam que, independentemente da situação, é fundamental que as mulheres sejam informadas para que estejam conscientes e de acordo com o procedimento que for realizado. Isso não aconteceu com Priscila.
Segundo os exames, Ana Clara nasceu de nove meses, em perfeito estado. Durante toda a gestação, Priscila manteve seu peso habitual, não formou barriga e menstruou normalmente. Com exceção de seus pais, do namorado e das pessoas que tinham visto de perto, dias antes, como seu corpo não indicava qualquer sinal de gravidez, foram poucos os que acreditaram no caso, que é popularmente conhecido como gravidez silenciosa. Para a obstetra e ginecologista Luciana Olla de Medeiros, apesar de raras, situações em que a gestação é descoberta apenas no momento do nascimento podem acontecer como resultado de um conjunto de circunstâncias específicas.
Além de sangramentos durante a gravidez, que podem ser confundidos com a menstruação, e da falta de barriga em razão de sobrepeso ou da rigidez do abdome (que pode impedir a expansão do útero para frente), o desconhecimento acerca da gestação, de acordo com Luciana, é resultado, principalmente, de desinformação e desatenção com o próprio corpo. A médica afirma que, embora existam casos em que os sintomas tradicionais da gravidez não ocorram, sempre haverá algum tipo de mudança e efeitos no corpo da gestante. A falta de informação e autoconhecimento surge, segundo a médica, em razão da insuficiência de conversas sobre a puberdade, sobre a adolescência e sobre relações sexuais.
Luciana Olla ainda afirma que é de extrema importância que haja espaço dentro de casa para a discussão desses assuntos. “Às vezes, podem ter o acesso na escola, mas se o ambiente familiar não permite essas orientações, essas conversas, o esclarecimento de algumas dúvidas, elas (jovens gestantes) podem não compreender essas mudanças e não as associarem a uma gestação”, explica a obstetra. Na casa de Priscila, a educação sexual sempre foi um tabu difícil de contornar. Como método contraceptivo, usava apenas preservativo masculino no momento da relação. Por não falar abertamente sobre o assunto com seus pais, nunca havia passado por uma consulta ginecológica para adotar outros métodos anticoncepcionais. “Falar sobre sexo, nunca. Camisinha, nunca. Se eu falasse sobre algo assim, era capaz que me mandassem para um convento”, conta a jovem mãe.
Hoje, um ano após o nascimento, em um quarto pequeno, um colchão infantil, colocado no chão do lado esquerdo da cama de solteiro de Priscila, é o berço de Ana Clara. Morando com os pais, que depois de semanas resistindo a aceitar a nova realidade passaram a ajudar na criação da neta, a mãe que passou nove meses sem saber que estava grávida está prestes a concluir o primeiro semestre da faculdade de psicologia, estudando no período da manhã, quando sua filha está na creche.
O namoro, que agora completa pouco mais de três anos, continua firme. Pedro Spricigo, 19 anos, namorado de Priscila e pai de Ana Clara, apoiou a família desde o nascimento da filha. Começou a trabalhar na churrascaria de seu pai para sustentar a recém-nascida e adiou os planos de estudo. Apesar de morar com os pais e, portanto, não acompanhar a rotina da filha, que vive na casa de Priscila, Pedro dedica todas as quartas-feiras – seus dias de folga – para cuidar da criança, que é sustentada por ele e pelos pais de Priscila.
Apesar da boa relação com namorado e com a família, a jovem não deixa de pensar no que poderia ter feito de diferente. “Eu fiz tudo o que não podia e a Clara nasceu perfeita, totalmente saudável. Então, acho que a Clara tinha que vir por algum propósito. Mas acho que se fosse para mudar alguma coisa, eu teria corrido atrás de outros métodos contraceptivos, como remédios e DIU”, explica Priscila. Agora, mesmo consciente da necessidade de manter tais cuidados, a mãe da pequena Ana Clara ainda enfrenta desafios para se sentir plenamente segura. Dessa vez, em virtude da fila do SUS (Sistema Único de Saúde). Desde que deu à luz, Priscila entrou na fila do implante do dispositivo intrauterino (DIU), mas ainda está longe de conseguir realizar o procedimento por meio do sistema público.
Quase 12 meses depois do dia que mudou sua vida para sempre, Priscila sonha com um futuro tranquilo para sua família. Estudar, trabalhar e juntar dinheiro estão entre as prioridades dos pais de Ana Clara, que desejam poder viver juntos e proporcionar um ambiente adequado para sua filha crescer e ser feliz. O parto surpresa foi um susto e um desafio, mas foi a partir dele que o novo capítulo da vida de Priscila começou a ser escrito.
“Você está louca”
Maria (nome fictício) nunca vai esquecer do dia em que descobriu que estava grávida. Foi um choque. O desespero foi tão grande que começou a chorar se sentindo angustiada e atormentada por não saber o futuro que lhe aguardava. Afinal, só tinha 14 anos. Depois de mais de uma hora no banheiro, ela se acalmou, saiu de lá e guardou esse segredo. Não havia contado a ninguém da família que faria o teste e, depois, não cogitou falar que o resultado tinha sido positivo.
Para entender essa história é preciso contá-la do início. Maria tinha acabado de fazer 14 anos quando conheceu o pai de sua filha, por meio de amigos em comum. Eles estudavam na mesma escola. O rapaz tinha 16 anos quando os dois ficaram pela primeira vez. Não chegaram a namorar, mas ele já havia deixado claro que não sossegaria enquanto não tirasse a virgindade dela. Em mais um dia qualquer de aula, a jovem levou sua irmã para a escola e seguiu caminho para a casa do rapaz. Esse dia mudaria o rumo da vida de Maria.
Sentindo-se pressionada e deixando-se levar pela emoção do momento, ela deu ao seu parceiro aquilo que ele mais queria. “Depois disso ele mudou completamente comigo, começou a me tratar muito mal, igual um lixo.” Essas foram as palavras de Maria ao relembrar o que aconteceu após perder sua virgindade. Ela contou que ele a bloqueou no WhatsApp e, por isso, ela decidiu apagar o número dele e seguir em frente. Ainda não sabia o que estava por vir.
Enquanto passeava com um amigo, ela decidiu que iria juntar suas moedas e comprar um teste de gravidez, um mês depois do acontecido. Apesar de ter tomado pílula do dia seguinte e não ter sintomas, ela ficou assustada com a possibilidade de ter um filho. Quando chegou em sua casa, viu que apenas sua irmã estava no local. Então, almoçou, tomou banho, dormiu e só depois foi fazer o teste. Trancada no banheiro, ela sentou na privada, fez xixi no recipiente e em seguida colocou o teste dentro do potinho. Os minutos em que teve que esperar foram os de maior aflição. Os dois risquinhos apareceram, o resultado era positivo. Maria sentou no chão e chorou desesperadamente. Uma hora depois levantou, respirou, ficou mais calma e saiu do banheiro.
Ela passou um mês da gestação escondendo de todo mundo seu segredo, mas decidiu que ao menos o pai da criança precisava saber, então entrou em contato com um amigo dele e pediu que passasse o número de ex-companheiro, que havia apagado. A conversa se desenrolou da seguinte maneira:
– Fala o que você quer, Maria.
– Eu estou grávida de um mês e a criança é sua porque só tive relação com você.
– Não é meu, você está louca. Você transou com outra pessoa, então não sou pai dessa criança, eu não vou assumir.
O jovem sumiu. Após essa conversa, Maria decidiu que ainda não contaria a seus pais, não tinha coragem para fazer isso. Como era muito magra, ainda não era possível perceber as mudanças no seu corpo. Porém, quando estava com três meses de gestação, contou para sua melhor amiga e ela contou para a mãe. A mãe da amiga não resistiu e contou para a mãe de Maria o que havia descoberto. Quando ela chegou da escola, subiu direto para o seu quarto, e sua mãe foi atrás para que pudessem conversar. A mãe perguntou se a jovem era virgem, mesmo sabendo da resposta, e ela mentiu. Para comprovar o que havia dito, Maria teve que fazer outro teste de gravidez na frente de sua mãe, que quando viu o resultado mostrou-se decepcionada com a situação.
Foi nesse momento que tudo mudou. A mãe da adolescente obrigou a filha a contar para seu pai que estava grávida e passou uma semana sem falar com ela. Apesar de ter ficado surpreso, o pai de Maria reagiu de uma maneira que ela não imaginava, foi o primeiro a apoiá-la. Juntos, os três foram na casa do pai da criança para que ele assumisse sua filha. O padrasto dele queria que os jovens se casassem, morassem de aluguel e dessem um jeito de sustentar a família. O pai de Maria não permitiu, pois ela era muito nova para isso.
Após essa fase, já grávida de quatro meses, a jovem começou a cuidar mais da saúde e iniciou o pré-natal. Era uma gravidez de risco, já que ainda era adolescente, então precisava de repouso total. Conforme o tempo foi passando, as dores nas costas foram aumentando. Houve dias em que Maria sequer conseguiu dormir. O constrangimento a consumiu. “Foi um momento muito turbulento na minha vida, uma gravidez muito triste, tanto que eu tive muita vergonha. Era da escola pra casa, de casa pra escola. Fui muito julgada também por ser mãe nova, e eu tinha tanta vergonha, que eu não tirava foto da minha barriga, tenho poucas fotos. Mesmo com isso, fui para a escola até os nove meses, só parei uma semana antes da minha filha nascer. Quando ela nasceu, recebi um atestado de quatro meses e após esse tempo voltei para a escola.”
Durante toda sua gravidez, seu ex-parceiro a visitou apenas uma vez, e só fez isso porque era pressionado por sua família. Na escola, ele ignorou Maria o quanto pôde, e em qualquer oportunidade que tinha, falava que não acreditava que a jovem havia tomado a pílula.
Quando Maria já estava com 37 semanas de gestação sentiu uma contração muito forte e achou que sua filha iria nascer, correu para o hospital, mas foi alarme falso. Com a tentativa de puxar assunto e tentar se aproximar dele, ela contou sobre o ocorrido. “Foda-se, o que eu tenho a ver com isso?”, foi a resposta que recebeu.
Com 39 semanas e dois dias, a bolsa estourou em casa. Junto com seus pais, Maria foi para o hospital, e após 12h de contração Ana (nome fictício) nasceu. Foi seu presente de aniversário, pois dois dias antes ele tinha completado 15 anos Sua filha chegou com 2,790 quilos e com 45 cm. Após o nascimento, o pai registrou a recém-nascida e sumiu novamente. Só apareceu quando Ana já tinha oito meses.
Ao longo desse tempo ele não deu assistência e não ligou para saber como estava a vida da filha e da jovem mãe.
Apesar desses erros, Maria nunca proibiu o rapaz de ver e falar com sua filha. Agora, já com 19 anos, ele paga pensão de R$ 200 por mês, mas sempre atrasa. Ele não mudou. Ainda não ajuda na criação da filha, mas há dias em que aparece dizendo que quer ver Ana. “Ele não é um pai, a figura paterna que minha filha tem é a do meu pai”, revelou Maria.
Atualmente, Ana tem 3 anos, e Maria 18. Enquanto trabalha, sua filha fica na creche e seus pais e sua irmã a ajudam. Em alguns fins de semana o pai da criança a vê, na tentativa de recuperar o tempo perdido. Mesmo que a jovem tenha passado por todo esse turbulento processo, ela afirma que o filho, quando vem na hora certa, é benção.
Quero ser mãe
Aos 14 anos, ela tinha vontade de ser mãe. Refletiu sobre o assunto e durante a pandemia decidiu engravidar e teve seu bebê. Essa é a história de Paula (nome fictício), uma garota casada, que mora com o marido e planejou seu bebê durante a adolescência, com apenas 14 anos.
Em junho de 2020, durante a pandemia de Covid-19, quando Paula – cabelos pretos e longos, olhos castanhos, magra e baixa – e o marido Eduardo (nome fictício), 23 anos, perceberam que as condições de isolamento social iriam se prolongar devido à inexistência de vacina na época, começaram a pensar na possibilidade de ter um bebê. Eles pensaram em tudo, já que durante a quarentena todos precisavam ficar em casa, eles teriam um tempo maior para cuidar do recém-nascido e sabiam que ter um filho não seria fácil. Além disso, por morarem sozinhos em uma casa em Schroeder, uma cidade no interior de Santa Catarina, teriam condições de criar a criança de forma que não lhe faltasse nada.
Foi aí que, com a decisão tomada, em julho começaram a tentar e no dia 13 de agosto de 2020, Paula descobriu que estava grávida. No dia seguinte, logo pela manhã, ela acordou e junto do marido foi diretamente para a casa da mãe, que morava próximo a eles, contar a notícia. Sua mãe ficou preocupada e um pouco abalada pois, 15 anos antes, quando ainda era jovem, também foi mãe adolescente e sabia como era difícil. Apesar disso, apoiou a filha e disse que iria ajudá-la. O pai, ao contrário do que Paula pensava, também lhe apoiou desde o primeiro momento e até lhe deu dicas.
Antes de tomar a decisão de engravidar, Paula já sabia que seria julgada, principalmente, por ser de uma cidade pequena, com 15 mil habitantes. Em uma das situações enquanto estava grávida, decidiu ir a uma lanchonete no centro de Schroeder à noite e encontrou seus amigos da escola em mesas próximas. Passados alguns minutos, eles a olhavam e cochichavam, provavelmente por causa do tamanho de sua barriga. Assim que terminou de comer, Paula se levantou e foi para casa. Quando chegou, começou a chorar, mas teve todo apoio do marido, que não saiu do seu lado. Os olhares de julgamento e comentários maldosos ocorreram inúmeras vezes.
No dia 8 de novembro de 2020, com 16 semanas, fizeram um chá revelação na casa em que moravam para saberem o sexo do bebê. Paula estava muito feliz, na parede da sua casa tinha um arco de balões azul e rosa e, logo à frente, uma mesa com doces das mesmas cores dos balões, além de um lindo bolo no centro escrito “menino ou menina?”. Como Eduardo, seu marido, é mecânico, colocaram uma moto no meio da festa para encher, por meio do escapamento, um bexigão que continha um pó da cor que identificaria o sexo da criança. Azul para menino e rosa para menina. A bexiga estourou e a cor que saiu da bexiga foi azul, era um menino.
O parto foi complicado em alguns momentos. Com 31 semanas, Paula foi internada com muitas contrações. Depois de alguns exames, descobriu que estava com infecção urinária e precisou ir toda semana à maternidade, na cidade de Mafra, localizada a duas horas de Schroeder, com para tratar esse problema. Com 35 semanas e um dia sua bolsa estourou e precisou ser internada. Naquele momento tinha apenas dois centímetros de dilatação. O nervosismo e o medo começaram a crescer quando Paula precisou ser transferida de hospital, já que o que estava não tinha vaga na UTI. Ela orava muito e pedia a Deus para que seu filho viesse com saúde. Foram 24 horas de trabalho do parto normal, para que, no dia 12 de março de 2021, Gabriel (nome fictício) nascesse. O menino loiro de olhos claros nasceu pesando 2,9 quilos e medindo 48 cm.
A rotina de Paula foi bastante afetada com o nascimento de Gabriel, mas ela estava feliz por poder se manter presente na vida do filho. Enquanto as aulas eram online, continuou estudando e focada na escola, mas quando seu filho nasceu optou por tirar a licença-maternidade. Ela combinou com a escola que no ano seguinte voltaria a estudar, já que considera os estudos uma parte essencial para sua vida.
Hoje, com 16 anos, Paula se sente realizada com a família que tem. Apesar disso, enfrentou grandes preconceitos nas redes sociais, já que postava vídeos felizes. Todos os dias em que posta seus conteúdos ainda aparecem pessoas dizendo que ela está romantizando a gravidez na adolescência, quando diz que é muito grata pela vida que tem, que planejou ter seu filho e que pensou em tudo antes de engravidar. Diariamente, em sua conta do Instagram recebe mensagens de meninas que querem conselhos e dicas de Paula. Seja sobre como contar aos pais que está grávida, como amamentar, pedidos para que ela conte sobre suas experiências como mãe e dicas de vídeos que querem que ela grave para as redes. Esses são momentos de alegria para a garota, que dá atenção para cada uma das mensagens e responde as dúvidas uma por uma. Seu sonho é ser influenciadora digital.
Uma entre muitas
Essa é uma história que reflete a realidade de milhares de meninas que enfrentam a gravidez na adolescência. Em uma cidade pequena, com quase 48 mil habitantes, no Mato Grosso do Sul, chamada Aquidauana, Yasmin Araújo – loira, cabelos longos, olhos verdes e magra – com apenas 15 anos começou a sentir alguns sintomas de uma possível gravidez. Numa manhã, enquanto estava em seu quarto, abriu seu computador e começou a pesquisar em vídeos no YouTube como outras mulheres descobriram que estavam grávidas. Usava camisinha apenas no começo de suas relações, depois deixou de lado. Por isso, ficou angustiada, já que as mulheres falavam sobre os mesmos sintomas que ela estava sentindo. Sono excessivo, corrimento vaginal e, o mais comum, atraso menstrual. Naquele momento teve certeza de que estava grávida.
Para confirmar, pediu que Guilherme Araújo, seu namorado, 21 anos, fosse à farmácia mais próxima de sua casa comprar um teste. Assim que chegou com a compra, eram 16h, Yasmin que já não aguentava de ansiedade, foi correndo até o banheiro e o fez. Na embalagem do produto estava escrito que era necessário esperar 15 minutos, mas seu resultado foi imediato. Como esperado, o teste deu positivo, estava grávida de um mês.
Quando saiu do banheiro, Guilherme estava esperando do lado de fora e não parecia nervoso, apenas ansioso pelo resultado. “O que é? O que deu?” foram as primeiras perguntas. Quando Yasmin lhe contou do resultado, ele disse apenas uma palavra: “Ferrou”. Apesar do nervosismo, logo que ela descobriu da gravidez começou a pesquisar sobre quartos de bebê na internet.
Com dois meses de gravidez, Yasmin decidiu contar para sua mãe, já que moravam na mesma casa e em algum momento a barriga começaria a crescer. Por ironia do destino não encontrava tempo para conversar com ela ao longo da semana. Quando percebeu que estava adiando demais, foi com seu namorado até a sala de sua casa, sentou no sofá e gritou o nome da mãe. Quando ela chegou e se acomodou, Yasmin não conseguia falar. Então, sem enrolar, Guilherme disse: “A Yasmin está grávida”. A primeira reação de sua mãe foi ficar em estado de choque, depois chorou e, por fim, brigou com os dois. Como não havia o que ser feito, a mãe da garota disse que no dia seguinte ela iria ao hospital fazer um exame de sangue, e foi assim que seu pai descobriu.
Quando acordou na manhã seguinte, 6h, o pai a levou de carro até o hospital para fazer o exame antes da escola. Ele ainda não sabia que a menina no banco do carona estava grávida. O exame foi rápido e o resultado saiu no mesmo dia. O pai de Yasmin não tinha ideia do que estava acontecendo e quando foi deixá-la na porta da escola, ela jogou o resultado do exame em seu colo e saiu correndo para fora do carro em direção à escola. Por causa da situação, nunca soube qual foi a reação imediata do pai.
Sofreu muito julgamento durante toda gravidez, de pessoas mais velhas que acreditavam que ter a criança acabaria com a sua vida e estragaria seu futuro, de amigos que se afastaram, olhares de soslaio de pessoas que andavam na rua olhando para sua barriga e pessoas que faziam comentários de pena, como se Yasmin carregasse alguma doença e não uma criança. Por outro lado, alguns amigos ficaram superanimados, queriam saber o nome, todos os detalhes da gravidez e, nessa fase, também fez novos amigos.
No quesito saúde, os oito meses de gestação da adolescente não foram muito complicados e sempre contou com o apoio do namorado. Tinha muita vontade de comer quiabo, sentia enjoo no caso de não comer nada pela manhã, vomitava quando tomava vitamina ômega três e sentia muito sono. Foi apenas no sexto mês, quando a barriga começou a ficar pesada, que alguns problemas apareceram. Yasmin começou a se cansar mais rápido, o pé começou a inchar e sentia muitas dores nas costas devido ao tamanho da barriga.
Um mês antes do previsto, Yasmin começou a sentir uma leve contração de cinco em cinco minutos. Então falou brincando para o namorado: “Amor, eu acho que eu estou com contração”. A garota tinha visto uma vez na internet que se entrasse embaixo do chuveiro com água morna e a dor parasse não era trabalho, e foi o que aconteceu com Yasmin na hora de testar. Porém, de alguma forma ela sentia que estava chegando a hora, então pediu para que seus pais a levassem para o hospital.
Enquanto ia para a maternidade, no carro, o pai dizia: “Acho que estamos indo à toa porque você não está em trabalho de parto”. Quando chegou ao hospital e foi direcionada para fazer o exame de toque, já tinha 3 cm de dilatação, então precisou ser internada. Passadas algumas poucas horas, sentindo apenas uma dor parecida com a de uma cólica menstrual, uma médica refez o exame de toque e foram constatados 7 cm de dilatação, ela estava em trabalho de parto.
O parto foi normal e teve a duração de 23 horas. A menininha loira e de olhos claros nomeada Mariah Araújo nasceu no dia 15 de março de 2020, com 2,600 kg e medindo 47 cm. Apesar da dor, a sensação de dar a luz a sua filha era indescritível e quando viu a menina pela primeira vez, não conseguiu conter a emoção e chorou.
Yasmin não queria dar para seus pais o trabalho de cuidar dela e de sua filha e, como tinha condições para se manter em casa, optou por deixar a escola de lado até que Mariah viesse a completar dois anos. Ela não trabalhava, mas ajudava em casa, já que mora com os pais. Logo nos primeiros meses de Mariah, os pais se dividiam, na parte da manhã. À tarde, a mãe cuidava da menina e de noite, quando saía do quartel, Guilherme dava atenção à bebê.
Atualmente, com 18 anos, Yasmin está fazendo cursinho para tentar entrar em uma faculdade de psicologia, vai fazer supletivo e pretende prestar o Enem. Mariah, hoje com dois anos, é uma criança tranquila, carinhosa e cheia de energia.
Gravidez com final feliz
Em 2000, Gisele Pires tinha 17 anos e era uma menina baixa, loira, de olhos verdes e magra. Sua gravidez foi uma mistura de alegria e medo. Ela já era noiva de seu parceiro Jadson, que na época tinha 19 anos. Os dois estavam juntos desde os 13 e 15 anos e sempre foram fiéis um ao outro. Independentemente do que acontecia, encaravam juntos a situação.
Gisele desconfiou de que estava grávida após um atraso na menstruação e, como não tomava remédio, sabia que corria o risco de engravidar. Quando começou a sentir enjoos e mudanças no seu corpo, passou a ter uma maior desconfiança, então decidiu fazer um teste no hospital. Ela foi com a cunhada, Keila, ao médico.
No hospital, as duas levaram a situação de uma forma tranquila e engraçada. Após brincarem com o ocorrido, a jovem percebeu o que realmente estava acontecendo. Ela estava grávida com apenas 17 anos. Como iria contar para sua família? Como seu pai iria reagir? Como eles iam se sustentar? Apesar de todas essas perguntas, medos e inseguranças o casal em nenhum momento pensou em realizar um aborto, pois acreditavam que Deus tinha um propósito de vida para eles com aquele bebê.
O momento de contar para seus pais foi um dos mais tensos, a sua maior preocupação era com a reação que eles iriam ter. Os noivos sabiam que aquele momento da vida deles não era o melhor para ter um filho, pois os dois ainda estavam na escola, e Jadson era o único que já tinha um emprego, porém não era suficiente para conseguir manter uma família. Ao contar para seus pais, os dois ficaram chocados com a notícia e não sabiam como reagir. A mãe de Gisele falou: “Já que está feito, não adianta brigar com você, então o que resta é celebrar.”
A menina ainda estava na escola, mas abandonou seus estudos para poder cuidar da sua saúde, pois com cinco meses descobriu que sua gravidez era de risco após a sua placenta se descolar. Ela ainda contou que alguns amigos lhe deram assistência ao saberem da grande novidade e que outros desacreditaram que ela iria conseguir manter a sua família unida. Para Gisele, aqueles que não a apoiaram não eram seus amigos de verdade e então ela não deveria manter tais amizades.
Durante toda sua gravidez sofreu diversos preconceitos apenas pelo fato de ser uma adolescente. As falas vieram das mais diferentes pessoas, até mesmo de sua mãe, que dizia: “Você está achando que vai ter filho para eu cuidar?”. Também ouvia comentários que afirmavam que após o nascimento do bebê, Gisele iria engravidar de novo, pois entregaria a criança para os outros cuidarem.
Após realizar o ultrassom e descobrir que o bebê que Gisele carregava era uma menina, os pais de primeira viagem ficaram extremamente felizes, pois o maior sonho do pai era ter uma menina. Depois disso, o momento do parto foi um dos mais emocionantes. Ao chegar no hospital, a gestante foi internada e permaneceu assim por 12 horas, na companhia de seu noivo.
O hospital público, em Itapeva, interior de São Paulo, estava repleto de meninas que estavam em seu terceiro ou quarto filho. Então, quando as gestantes reclamavam de dor, as enfermeiras as tratavam com ignorância e diziam: “Você já teve filho antes, para de reclamar, já sabe como é.” Vendo isso, Gisele não se sentia à vontade para reclamar das dores que sentia, então continuou sofrendo sozinha.
O quarto tinha todas as suas paredes brancas e duas camas. Sua colega de quarto era outra gestante que passava pela mesma situação. As duas enfrentariam a dor de um parto normal. Devido ao fato do quarto ser compartilhado, não era permitido a entrada de acompanhantes, então a mãe passou todos esses momentos de aflição sozinha. Quando Jadson soube que não poderia estar no momento mais importante da sua vida, ficou muito triste e decidiu que iria encontrar, da rua, o quarto de sua amada. Para isso, ficou andando na rua do hospital e gritava a cada janela que via.
O nascimento de Giovanna foi demorado, o trabalho de parto durou 18 horas de muito medo e dor. Gisele sofreu sozinha em um quarto no hospital, não teve a possibilidade de fazer exercícios que a ajudassem na dilatação. Apesar de tudo, o dia 9 de março de 2001 foi um dos mais importantes de sua vida e que ela jamais irá esquecer.
Hoje em dia, Gisele e Jadson completaram 21 anos de casados e são extremamente felizes com a família que criaram. Giovanna, sua filha mais velha, tem 21 anos, é baixa como seus pais, tem olhos castanhos e é morena. Ela tem uma voz sutil e parece ser tímida, mas depois de alguns minutos de conversa já se solta e não para de falar. A menina mora em Ribeirão Preto e já é noiva. Ela se dedica ao curso de Gestão de Recursos Rumanos na faculdade Psicolog, onde também trabalha como assistente comercial.
O segundo filho tem 18 anos, se chama Jhonny e mora em São Paulo com a sua avó, mas constantemente visita a casa de seus pais, que por ter só um cômodo não comporta os três juntos. O menino trabalha na empresa de soluções hidráulicas de seu tio e é um “faz tudo” no empreendimento. É um jovem alegre, independente, responsável e sonha em cursar Sistema de Informação.
Seus filhos os consideram seus melhores amigos, sempre contam tudo de suas vidas para eles, seja alguma aflição ou uma boa novidade. Na família, não há tabu quando o assunto é educação sexual, pois os pais aprenderam na prática a importância de saber e ter aulas sobre o assunto, porque, na época deles, não havia aula sobre o tema e seus pais nunca tocaram no assunto. Agora, os dois filhos já sabem a história de seus pais e o quanto eles tiveram que lutar para ter a vida que têm hoje. Eles sabem, principalmente, que gravidez não é brincadeira.
“Valeu a pena”
O ano era 2002, e Maria Josefa, a mãe de Cristiane Parra, desconfiou que sua filha estava grávida com apenas 17 anos. Elas decidiram ir em um laboratório que ficava perto de onde moravam, para que a jovem pudesse fazer o exame. Inclusive, foi Maria que ligou para o local em busca de saber o resultado do teste de Cris. O momento da descoberta foi desesperador, ambas não sabiam o que fazer, mas decidiram encarar essa fase um tanto quanto desafiadora.
Cristiane decidiu contar a novidade para seu namorado, Luís Carlos Barros, que na época tinha 21 anos. Para ele, a notícia serviu como uma forma de consolo, pois havia pouco tempo que sua mãe tinha falecido. Embora a reação do rapaz tenha sido boa, seus amigos não reagiram da mesma maneira, muitos se afastaram e os pais deles diziam que a jovem não era boa companhia. Então, além de ter enfrentado essa situação, ainda teve que lidar com todo sofrimento que sua mãe vinha passando por ter dificuldade de aceitar a gravidez da filha.
Até o sétimo mês de gestação, Cristiane continuou trabalhando. Ela não teve uma gravidez conturbada, apenas no início sentiu alguns enjoos, mas não era recorrente. Foi nesse tempo que descobriu que ganharia uma menina. Passando nove meses tranquila, chegou o dia do parto. A bolsa não estourou e os médicos deram um limite de tempo para que isso acontecesse, como não ocorreu, a médica resolveu que ela mesma iria fazer esse trabalho. “Só que nesse meio tempo ela estourou a minha bolsa, falou pra eu ir com calma, que eu não precisava me desesperar porque até o horário dela nascer ia demorar. Nesse meio tempo de tomar banho e tudo mais com a bolsa que eu cheguei no hospital, eles perceberam que por a minha filha ter passado do tempo, ela tinha feito cocô dentro da minha barriga. Então não podia ser parto normal porque ela poderia comer a sujeira e não sobreviver”, revelou Cristiane.
Assim que chegou ao hospital ela já foi colocada no soro, em uma mesa de cirurgia para dar início à cesariana, e foi no momento em que Gabrielly nasceu que as coisas começaram a se ajustar. A jovem e Maria Josefa contemplaram a criança que havia acabado de vir ao mundo. Cristiane ainda contou que na época não usava qualquer método contraceptivo, e que educação sexual sempre foi um assunto complicado a se tratar dentro de casa e na escola.
Uma semana após receber alta, Cris teve que voltar para o atendimento médico porque pegou uma infecção hospitalar durante o parto, por isso ficou internada por volta de oito dias. Durante esse tempo, sua filha ficou com sua mãe. E assim seguiram os dias, juntas, elas criaram a criança. Quando Gabrielly completou sete meses, a jovem voltou a estudar e se formou em Gestão Comercial, na Unisantanna, e começou a trabalhar na parte comercial de uma imobiliária. Sua mãe, que trabalhava vendendo Yakult, deixou seu ofício para que pudesse ficar em casa cuidando da neta.
Na época em que Gabrielly tinha 2 anos seus pais se separaram. No total tiveram cinco anos de relacionamento, mas nunca moraram juntos. Assim, Luís participou da criação de sua filha da maneira que pôde e faz isso até os dias atuais.
“Quando ela já estava um pouquinho maior, ela já devia ter seus 3 ou 4 anos, eu ingressei na faculdade. Foram épocas difíceis porque chegava à meia-noite, saía às 5h da manhã e quase não a via, mas todo esse esforço valeu a pena. Eu sempre pensava no melhor pra ela, nos estudos dela e eu não me arrependo. Hoje, eu vendo ela com quase 19 anos eu acredito que valeu a pena.”
Memórias de 1989
Silvanete Carnelós estava no auge de seus 17 anos em 1989, época fervorosa para o mundo. Guerra fria, ônibus espacial, queda do muro de Berlim, e o mais importante, pelo menos para ela: o fim do terceiro ano do colegial. O ensino médio é um turbilhão de emoções para qualquer adolescente, e a vez de Silvanete estava finalmente acabando, quando foi surpreendida por uma gravidez. Desespero. Essa é a primeira sensação que ela se lembra. O que vai acontecer agora? Como vou fazer sem uma rede de apoio? Mais desespero. Cada questionamento atordoava ainda mais sua mente.
Silvanete tinha a mãe e o padrasto, mas na prática não era tão simples. A vida naquela época era difícil, e a mãe estava sempre trabalhando. Logo ela teria que fazer o mesmo, se nada desse certo, para sustentar essa criança. Então lembrou que é preciso ter duas pessoas para fazer um bebê.
A reação do namorado, assim como a sua, também foi de susto, mas o rapaz, na época com seus 23 anos, assumiu a criança. A partir daí, as coisas foram ficando mais fáceis e, em dado momento, os dois até se casaram. Não que o casamento fosse algo surreal para aquele contexto. Silvanete percebeu que nem sua gravidez era. As pessoas de seu ciclo também estavam fazendo o mesmo, casando cedo e tendo filhos, logo após a formatura, ou até antes.
Apesar de não sofrer pressões sociais, e amigas e parentes acharem até natural, Silvanete teve que deixar a escola, e não gostou nada disso. Depois que o bebê nasceu, foi diagnosticado com problema no coração aos 16 dias de vida, e só pôde ser operado com quase um ano. Após a cirurgia, Silvanete dedicou-se completamente aos cuidados do filho, e a retomada dos estudos e o início de carreira vieram apenas cinco anos depois, época inclusive em que teve mais um bebê.
Ela e o marido, que hoje em dia é ex, abriram um negócio juntos, e a empresa rendeu frutos. Silvanete conta que tem estabilidade financeira e independência, e que apesar de não se arrepender de nada, pois foi mais feliz casada do que solteira, gostaria de ter permanecido na escola.
Se ela pudesse aconselhar mulheres em situação parecida, pediria para que continuassem na escola, e que se informassem sobre seus corpos o máximo que conseguissem. Ela conta que em sua época não se falava de sexo, nem em casa e nem na escola, e mesmo depois de anos de matrimônio, ela continuava descobrindo novidades sobre seu corpo. O tabu em cima do assunto também se estendia para contracepção e opções caso a mulher engravidasse. Não se falava de aborto ou adoção, a única opção era criar a criança.
Onde as histórias se cruzam
Apesar das particularidades, Priscila, Maria, Paula, Yasmin, Gisele, Silvanete e Cristiane são exemplos das mais de 400 mil histórias de gravidez na adolescência que se repetem todos os anos somente no Brasil. Mais do que apenas um dado, esse é o número de vidas transformadas por uma gestação precoce, as quais refletem um problema de saúde pública.
Para a obstetra Luciana Olla, é fundamental que o assunto seja observado em sua plenitude, pois a gravidez na adolescência envolve mais do que apenas o período de gestação e o acompanhamento médico necessário nessa etapa. “Além dos efeitos para a mãe, as consequências para o bebê são ainda maiores. Então, vários bebês acabam tendo um tempo de internação muito prolongado, além de consequências como surdez, cegueira e atraso do desenvolvimento neuropsicomotor”, explica a médica, que ainda ressalta que, muitas vezes, isso repercute como gastos para o sistema público de saúde.
Luciana ainda avalia que para além das questões relativas à saúde pública que precisam ser analisadas pelos governos a fim de que medidas de prevenção e promoção da saúde sejam elaboradas, o assunto também afeta outras áreas do desenvolvimento social. A especialista pontua que a gravidez na adolescência pode impactar a economia em razão da dificuldade de inserção dessas mulheres no mercado de trabalho. De acordo com o que observa nas pacientes, a médica explica que muitas meninas interrompem sua formação acadêmica e que, muitas vezes, não a retomam. Como consequência disso, futuramente encontram maiores dificuldades para se posicionarem dentro do mercado.
Para frear um possível aumento no número de casos de gravidezes na adolescência, Eduardo Monfort, professor de saúde sexual há mais de dez anos, ressalta a importância da presença de disciplinas que incluam a educação sexual nas escolas. De acordo com Monfort, é fundamental que os adolescentes recebam informações de qualidade antes de iniciarem a vida sexual. Segundo o professor, a presença dessas discussões no ambiente escolar se faz necessária pela insuficiência das orientações a que os jovens têm acesso dentro de casa. As personagens dessa reportagem relataram que o sexo sempre foi um tema intocável em conversas com seus pais.
Seja por desinformação, por acidente ou acaso do destino, histórias como as dessas sete mulheres são mais comuns do que se imagina. Enfrentar uma gravidez durante a adolescência não é e não precisa representar o fim da vida de uma mulher. Gisele, Silvanete e Cristiane são evidências disso. Por outro lado, buscar conhecimento e exigir que a informação sobre educação sexual seja democratizada – não apenas para mulheres – é indispensável para que cada vez mais mulheres possam escolher o caminho e o destino de suas vidas.
* As alunas Larissa Crippa, Luana de Andrade, Manuela Margini, Milena da Silva e Viviane Tolosa produziram este texto na disciplina de Grande Reportagem, sob orientação do professor Antonio Rocha Filho