Tatuagem é coisa de mulher
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Tatuadoras, como Mariana Zaragoza, estão ocupando cada vez mais os estúdios e já percebem um equilíbrio de gênero entre clientes – Foto: Acervo Pessoal
Manuela Kara (1º semestre)
“O meio era muito mais dominado por homens, era muito mais difícil ganhar espaço. Não tive apoio de colegas de profissão e algumas vezes sofri ataques morais”. É assim que Mariana Zaragoza se refere ao seu ingresso no universo da tatuagem, ramo no qual trabalha há 10 anos. Ela, que é proprietária do Estúdio TPM (Tatuagem Para Mulheres), bem como outras tatuadoras, têm buscado mudar um cenário historicamente marcado pela presença masculina.
No ramo há 6 anos, Mel Bueno considera que as mulheres estão se destacando não apenas em quantidade, mas também pelos segmentos em que conseguem se inserir. “É incrivel vê-las conseguindo se destacar, não apenas em nichos de tatuagens delicadas ou femininas”, afirma.
A inserção gradual das mulheres nesse âmbito é uma mudança que se estende às clientes. Valentina Rossati, que começou a tatuar em meio à pandemia de Covid-19, percebe que o assunto aos poucos está deixando de ser um tabu, mas continua marcado pela presença masculina. “O interesse pela tatuagem até pouco tempo era muito maior por parte dos homens. E ainda tinha aquele papo de que ‘tatuagem não é coisa pra mulher’”, diz.
Vanessa Barros, tatuadora desde o final de 2020, percebe já haver um equilíbrio de gênero em relação a pessoas tatuadas. “As mulheres finalmente assumiram a estética do corpo tatuado e não se envergonham disso”, destaca.
Valentina Rossati considera que o predomínio de clientes homens nos estúdios de tatuagem é reflexo do machismo – Foto: Acervo Pessoal
Preconceito – Ainda que, aos poucos, as mulheres estejam se destacando como tatuadoras, Zaragoza reconhece já ter sofrido preconceito de gênero. “Uma vez fiz uma tatuagem, e ao finalizar o acompanhante da cliente disse: ‘Nossa! Perfeita! Nem parece que foi feito por uma mulher’. Isso nunca mais saiu da minha cabeça”, conta.
“Já senti preconceito sim, tanto de clientes quanto de colegas de profissão. Eu me considero uma pessoa delicada e sensível e sempre senti que as outras pessoas duvidavam da minha capacidade por conta disso. Já passei por situações em que homens que não são da área tentaram me explicar como fazer meu trabalho. Homens quase sempre querem me explicar algo que eu já sei”, desabafa Bueno.
Rossati faz coro às colegas e avalia que o problema é recorrente: “O preconceito existe e acontece o tempo todo nesse ramo: Já percebi tatuador homem desmerecer nós mulheres e inferiorizar nosso trabalho apenas pelo gênero, como se eles soubessem mais do que a gente”.
Já Barros não se sente alvo de preconceito, mas reconhece que isso não consiste em uma regra. “Não anula o contexto de muitas outras mulheres tatuadoras que passaram por situações de preconceito e até mesmo assédio nos estúdios de tatuagem”, reforça.
Vanessa Barros tem consciência de que o preconceito e o assédio são problemas sérios enfrentados pelas tatuadoras – Foto: Acervo Pessoal
De mulher pra mulher – Para Zaragoza, não há duvidas de que mulheres se sentem mais confortáveis quando são atendidas por outra mulher. Algumas de suas clientes, aliás, afirmam que só decidiram se tatuar quando acharam profissionais mulheres.
Bueno, por sua vez, afirma que essa preferência pode vir do fato de as mulheres serem mais solícitas e terem mais tato para lidar com outras mulheres, mas ratifica também que muitas vezes a tatuagem representa um momento decisivo da vida da cliente. “Coberturas de cicatrizes de violência doméstica e sexual são mais recorrentes do que eu imaginava que seriam”, conta a tatuadora que acredita que algumas mulheres preferem profissionais do mesmo sexo por conta de abusos que já sofreram. “Se sentem menos vulneráveis conosco”.
Muitas mulheres que tatuei buscavam desenhos que simbolizassem superações pessoais, como a abusos e violência de gênero. “As buscas por desenho que simbolizem amor próprio quase sempre estão ligadas a essas histórias. Ouço bastante delas pra entender como fazer o desenho”, compartilha Barros.
Rossati ainda considera que a questão de gênero é uma via de mão dupla, já que as tatuadoras também preferem clientes mulheres. “Eu, que atendo sozinha, me sinto desconfortável e meio insegura quando atendo um homem, principalmente fora do horário comercial, mesmo quando é um conhecido. Sinto que ambas as partes não conseguem ficar completamente à vontade. Infelizmente, essa é a realidade para nós mulheres. Temos que estar atentas o tempo todo”, conclui.
#ParaTodosVerem: Na primeira foto, aparece Mariana Zaragoza, mulher de pele clara e coberta de tatuagens, entre elas um risco fino que vai de seu lábio inferior à ponta de seu queixo; seu rosto está levemente apoiado em sua mão esquerda; seu cabelo castanho está todo concentrado no lado oposto ao da mão que toca o rosto; seus olhos claros estão focados na câmera. Na segunda foto, aparece Valentina Rossati, de corpo inteiro, seu cabelo é castanho e passa dos ombros; ela está vestida toda de preto e uma de suas mãos toca o começo de seu moletom, que ela veste de maneira despojada; a outra mão está apoiada em uma de suas pernas que está levemente a frente da outra. Na terceira foto, Vanessa Barros aparece em pé, em frente a uma parede branca com desenhos delicados de flores; ela veste uma camiseta preta na qual está escrito “tatue como uma garota”.