Sobre duas rodas

Entregador do aplicativo IFood na Avenida Ibirapuera, em São Paulo, no dia 13/04/2020.

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Uma das profissões mais atuantes no isolamento, entregadores se arriscam nas ruas

 

Nikolas Ambrosano, Renan Gabriel (4º.sem)

 

Enquanto parte da população tem a possibilidade de ficar em casa para se proteger do novo coronavírus, muitos  trabalhadores precisam ir às ruas, colocando sua vida em risco por necessidade. É comum e necessário darmos destaque aos grandes heróis dessa pandemia: os profissionais de saúde, que vivem diariamente uma rotina árdua nos hospitais. Porém, há outra categoria que muitas vezes é esquecida no Brasil, a dos entregadores, que trabalham o tempo inteiro nas ruas, se arriscando com a missão de levar compras de supermercado, produtos de higiene pessoal, ou qualquer outra compra online até as nossas casas.

Com a maioria dos comércios fechados, muitas empresas têm optado pelo e-commerce, utilizando dos serviços de entrega em domicílio, o que tem dado resultado para muitas delas, de acordo com a economista Paula Sauer, professora da ESPM. “Tem uma frase na economia que usamos muito que é a seguinte: ‘Enquanto uns choram, outros vendem lenço’. Pode parecer cruel, mas a realidade é que muitas empresas estão ‘vendendo lenço’, e aproveitando essa oportunidade para crescer.” Paula também afirma que as empresas que não estão se adequando a essa realidade, serão muito prejudicadas. “As  empresas que conseguem se adequar rapidamente ao home office e ao serviço de televenda, saem na frente. Estão em situação extremamente delicada aquelas que não conseguem oferecer a entrega em domicílio, principalmente os prestadores de serviço”, disse a economista.

Mas para levar o produto até as nossas casas, os entregadores precisam estar nas ruas. Só que eles estão ganhando menos do que antes, e trabalhando mais. É o que aponta a pesquisa realizada pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho). Foram entrevistados mais de 250 entregadores, e desses, 60% relataram uma queda na remuneração desde o início da pandemia.

O entregador Felipe Nunes, de Campinas, disse que o número de entregas quase dobrou, e contou qual é a sua motivação para seguir trabalhando. “Antes eu fazia em média cinco entregas, agora faço aproximadamente dez por dia. O que me motiva é saber que estou ajudando as pessoas a ficarem em casa, podendo levar o alimento em seu conforto.”

Já o entregador carioca Guilherme Silva relatou ter havido uma redução no número de pedidos durante a pandemia. Ele contou ainda que se sente muito amedrontado, mas precisa buscar estímulos para continuar trabalhando. “Minhas motivações são as contas que eu tenho para pagar e minha esposa, que sempre me incentiva a continuar trabalhando”, disse. Por fim, relatou que está se cuidando – utilizando máscara e álcool em gel, e revelou o desejo de conseguir um emprego.

Há uma série de polêmicas no auxílio das empresas para esses trabalhadores. No início de abril, por exemplo, o aplicativo de delivery iFood conseguiu uma liminar contra a decisão da Justiça do Trabalho que o obrigava a pagar entregadores afastados pela Covid-19. Essa decisão decretou que a empresa pagasse um salário mínimo para os colaboradores que estivessem com suspeita da doença, infectados ou no grupo de risco. No entanto, a desembargadora Dóris Ribeiro Prina derrubou a liminar, que vigorou por apenas dois dias. Segundo Prina, a relação entre o aplicativo e os entregadores não pode ser caracterizada como trabalhista, pois eles podem escolher utilizar a plataforma ou não, a depender das suas necessidades.

Para a advogada Paula Camargo, as empresas têm o dever de assegurar a segurança dos seus funcionários, seguindo as orientações da OMS com relação à higiene e esterilização. Aplicativos como o iFood e 99 Food disponibilizam para os entregadores kits de higiene, com máscaras e álcool em gel para se protegerem. Ainda segundo Paula, cada caso deve ser analisado de maneira isolada, e quem se sentir lesado deve reivindicar os seus direitos. “Nesse momento todo caso tem que ser analisado individualmente. Caso algum trabalhador se sinta lesado, este deve procurar um advogado para maiores orientações”, explicou.

Vale ressaltar que alguns desses aplicativos de delivery possuem uma relação mais afastada dos entregadores. Segundo os termos de uso do iFood, a empresa se considera uma plataforma tecnológica e não uma empresa especializada em transporte ou operação logística, logo, os entregadores são os responsáveis por qualquer perda ou prejuízo nas entregas. Os entregadores ganham em média R$ 1 mil por mês. Esse valor é para os que trabalham 12 horas por dia, os que trabalham de seis a oito horas, ganham cerca de R$ 750 por mês.