O jornalismo em tempos de pandemia

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Audiência e o consumo de notícias crescem durante o isolamento social

 

Letícia Ferreira, Manuela Ravioli (3º.sem)

 

O consumo de notícias e informações se tornou mais recorrente durante o isolamento social ocasionado pela pandemia da Covid-19. Segundo o Instituto Kantar, que realizou uma pesquisa em março de 2020, mais de um terço (34%) dos entrevistados de todo o mundo dizem que os motivos estão atrelados à vontade de se manter bem informado e preparado.

O tempo gasto com notícias entre os brasileiros aumentou em até um terço, segundo o Instituto Kantar. Na China, o tempo gasto assistindo a programas de notícias mais do que dobrou nos primeiros três meses do ano, de 9 horas em 2019 passou a 18,5 horas em 2020.

Com 235 milhões de acessos e 71 milhões de visitantes apenas em março (até o dia 28), O Globo atingiu o pico histórico de audiência. Outros jornais e portais de notícias também registram aumento expressivo no consumo de notícias, como o site da Folha de S. Paulo, por exemplo, que registrou 73,8 milhões de acessos em abril, em comparação com 69,8 milhões no mês anterior. Na televisão, o Jornal Nacional superou audiência de novela das 21h atingindo 50,3 pontos na medição de audiência do Ibope.

O cenário atual mostra que os brasileiros amadureceram em relação ao consumo de notícias, desconfiando de conteúdos falsos – conhecidos como fake news – e dando mais valor ao que é divulgado pela imprensa. Segundo pesquisa Datafolha do fim de março, apenas 12% dos entrevistados disseram confiar em informações que recebem por Whatsapp ou Facebook.

O Observatório da Ética Jornalística (Objethos) trouxe dados do Barômetro de Confiança, levantamento produzido pela Edelman, que mostram que os meios jornalísticos tradicionais são apontados como mais confiáveis pelos entrevistados. Cientistas e médicos também aparecem como fontes com maior credibilidade. Pessoas de dez países, entre eles o Brasil, foram ouvidas no início de março. Outro estudo, do Pew Research Center, mostra que quem usa as redes sociais como principal fonte de informação está mais desinformado do que quem recorre ao jornalismo. Os dados são relativos aos EUA.

 

Adaptação e novos formatos

A crise do coronavírus exigiu de todos uma reinvenção e adaptação à situação de quarentena. Muitas mudanças em relação aos formatos e plataformas jornalísticas também aconteceram. Os meios de comunicação se reinventaram para atender, informar e conscientizar diversos públicos, que já perceberam algumas mudanças. “Informações sobre teatro, cinema foram substituídos por programações de lives, um mundo que eu desconhecia”, diz a consumidora de informações Isamara Cossoy.

Para adaptar-se à realidade de sua audiência, O Globo procurou apostar em conteúdos diversificados para que assim pudesse atingir todos os tipos de público. Lançou até um festival de música, com o nome de #tamojunto, que chegou a 1,5 milhão de visualizações em seu primeiro fim de semana de evento (20 a 22 de março).

Para democratizar conteúdos, o jornal também publicou uma coleção de guias em PDFs, com temas que vão de dicas para encarar a ansiedade na quarentena até o que fazer com as crianças em casa. Os arquivos, que foram pensados para facilitar a distribuição via WhatsApp, ultrapassaram 300 mil downloads e foram compartilhados para milhões de pessoas em duas semanas. O jornal também criou uma área com conteúdo 100% gratuito com serviços sobre a Covid-19, possibilitando a oferta de informação ao leitor não assinante.

Outro meio de comunicação que possui a preocupação de entregar informação de qualidade para a população é a Folha de S. Paulo, que no dia 12 de março, liberou o acesso de não assinantes a informações relevantes sobre o novo coronavírus.

Revista televisiva semanal da Rede Globo, o Fantástico está sendo quase 100% produzido seguindo o modelo de home office. Em suas casas, os repórteres do programa estão produzindo as matérias, nas quais eles mesmos escrevem os textos, gravam, entrevistam e editam.

Já a Mural, agência de notícias que cobre regiões periféricas da Grande São Paulo, uniu forças para adaptar as práticas presenciais da agência para reuniões online e produção home office. Além disso, a Mural trouxe em um podcast chamado Em Quarentena, histórias de moradores, dia a dia das periferias e notícias em primeira mão.

 

Busca por informação

São diversos motivos que influenciam o maior consumo de conteúdos jornalísticos, entre eles o aumento de tempo livre, preocupações, conhecer sobre profilaxias da doença, além das diversas curiosidades. Para o antropólogo, psicanalista e professor da ESPM Eduardo Benzatti, uma das causas dessa vontade de se informar está intimamente ligada à necessidade de sobrevivência. “Se há uma maior procura de consumo de notícias e recomendações de comportamento, é porque há sim uma preocupação maior com a vida”, comenta Benzatti.

O sentimento de esperança, notícias boas e dias melhores também estão associados ao jornalismo. “Até para que a gente encontre em algum lugar uma luz”, comenta Isamara Cossoy, que sempre se preocupou em se manter a par das notícias. Hoje, ela confessa que essa prática é ainda mais recorrente e reconhece a importância da profissão. “Sem o jornalismo, nós não teríamos acesso a metade das coisas que acontecem. Além disso, ele traz opiniões e pontos de vista diferentes, eu acho isso muito importante”, finaliza.

O ineditismo dessa doença também influencia nesse maior consumo, já que o jornalismo de hoje se preocupa em contar sobre o que está acontecendo, situação que se estabelece como novidade para todo o mundo. “Acredito que as pessoas passaram a buscar informações para tentar saber mais sobre algo nunca visto no mundo, sobre um vírus cujos efeitos ainda estão sob estudo, que afetou radicalmente a saúde, a dinâmica das cidades, as relações pessoais e a economia”, conta Maria Pia Palermo, diretora da Agência Reuters de notícias no Brasil.

 

Novos hábitos

Há jovens que também fazem parte dessa parcela da população mais informada em tempos de pandemia. Existem aqueles que já possuíam o costume de se informar e outros que fizeram virar hábito depois do isolamento social. Julia Scodiero, estudante de ciências sociais e do consumo da ESPM-SP, não tinha o hábito de ler notícias e de assistir a telejornais. Com o cenário da pandemia, a situação de Julia mudou. “Agora no momento da pandemia do coronavírus comecei a consumir mais as informações dos jornais, pois acho que é de extrema importância estarmos ligados às medidas que são passadas pela OMS ou pelas novas notícias para nos conscientizarmos”.

Já a estudante de relações públicas Mariana Finelli tinha o hábito de consumir notícias, mas não tanto quanto hoje. Ela dá sua opinião sobre a importância do jornalismo durante a pandemia: “Sempre valorizei o trabalho dos jornalistas, mas agora aprecio ainda mais. Passar informação e conhecimento para a população é muito necessário principalmente neste momento de pandemia e isolamento social”.

 

Confiabilidade e notícias falsas

A pandemia e o isolamento social também auxiliaram a comprovar que as mídias sociais se estabelecem como veículos menos confiáveis de informações. Uma pesquisa feita pela Pew Research Center com 8.914 norte-americanos nesse momento comprova que mais da metade (57%) daqueles que dependem das mídias sociais para se informar sobre notícias políticas dizem ter encontrado notícias falsas sobre a Covid-19. Os canais de mídia nacionais, como televisão e jornais em todo o país, ainda são vistos como uma das fontes de informação mais confiáveis, com 54% das pessoas identificando-os como uma fonte confiável, segundo o instituto Kantar.

De acordo com o portal de notícias Agência Brasil, uma pesquisa desenvolvida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra que o Whatsapp foi a rede social com a maior disseminação de notícias falsas sobre o novo coronavírus. Com 73,7% das informações falsas, WhatsApp é seguido pelo Instagram com 10,5% e 15,8% no Facebook.

Com a emergente onda de fake news que se agravou na época da crise da Covid-19, a importância do consumo de informações checadas e de fontes confiáveis se tornou essencial na vida das pessoas. Um levantamento da MindMiners – plataforma de pesquisa digital – realizado a pedido da agência Leo Burnett, aponta que sites de notícias e TV aberta são os maiores fornecedores de informações verídicas.

A jornalista Carol Mager conta sobre o perigo e a ameaça que são as fake news. “Desde um pouco antes do atual governo entrar, e isso é fortemente revelado nas eleições, ocorreu uma divisão entre as pessoas. Muito pelas fakes news que cresceram e que ainda estão por aí aterrorizando muita gente que acredita”.

Julia Scodiero explicita sua opinião sobre o consumo de notícias de fontes confiáveis. “Acredito que nesse momento temos que checar cada vez mais de onde está vindo aquele conteúdo que estamos consumindo pois as fake news vêm crescendo cada vez mais e é de extrema importância estarmos sempre atentos.”

Maria Pia Palermo, diretora da Agência Reuters de notícias, acredita que a crise das fake news dá ainda mais credibilidade ao jornalismo de qualidade. “É muito importante produzir informação de qualidade, precisa, equilibrada e com responsabilidade, especialmente quando pode ter impacto direto na saúde e vida das pessoas”, afirma.

 

Valorização

Exibindo informações de qualidade e conscientizando a população de medidas importantes, o jornalismo recebeu diversos elogios por seu profissionalismo. “Se tem uma fatia da sociedade que tem se comportado de maneira bastante exemplar nessa história toda, é a boa imprensa, a imprensa séria”, opina Benzatti.

A jovem Mariana Finelli elogia os profissionais: “Sempre valorizei o trabalho dos jornalistas, mas agora aprecio ainda mais. Passar informação e conhecimento pra população é muito necessário principalmente neste momento de pandemia e isolamento social”.

Além de incentivar seus alunos, Maria Elisabete Antonioli, coordenadora do curso de Jornalismo da ESPM, elogia o trabalho que vem sendo realizado por jornalistas em relação ao coronavírus. “A imprensa está com foco nessa situação e fazendo muitíssimo bem toda a cobertura, mesmo com todas as dificuldades que o isolamento social impõe, para que a sociedade possa acompanhar realmente o que está acontecendo”.

Maria Elisabete ainda enfatiza a importância dessa profissão levando em consideração o cenário de desinformação que vive o Brasil atualmente. “O jornalismo é a referência para quem quer estar informado corretamente. O mais importante, neste momento, é que o jornalista continue honrando sua profissão e produzindo informações precisas sobre a pandemia ou qualquer outro assunto”, complementa.