No 30º aniversário de sua morte, Elis Regina voltou a ser assunto na mídia, ganhou destaque especial na Virada Cultural de São Paulo, realizada em maio, e foi homenageada pela filha, Maria Rita, numa turnê intitulada “Viva Elis”. Nesses shows, a cantora interpretou pela primeira vez um repertório composto exclusivamente por canções gravadas pela mãe, algumas das quais retratam o momento sociopolítico das décadas de 1960 e 1970.
Elis viveu a época da ditadura militar brasileira (1964 a 1985), período de repressão, controle e supressão das liberdades individuais. Qualquer composição musical ou mesmo declarações que ameaçassem a “normalidade” política da época era registrada como suspeita.
Artistas como Chico Buarque e Gilberto Gil sofreram com a censura e foram perseguidos, presos ou exilados. Elis, sempre engajada politicamente (filiou-se ao PT em 1981), criticou o regime ditatorial em suas músicas. Uma delas, a intitulada “O Bêbado e o Equilibrista”, composta por João Bosco e Aldir Blanc, é considerada o hino da anistia.
Durante a ditadura, a artista escapou de ser presa por conta da sua popularidade. A cantora morreu precocemente em 1982, com apenas 36 anos, em consequência de altas doses de cocaína e álcool.
Hoje, trinta anos após a morte de Elis, o panorama político brasileiro é diferente: a ditadura terminou, os governantes são escolhidos por meio de eleições e o direito à liberdade de expressão foi restabelecido com a promulgação da Constituição de 1988.
Novo cenário
O cenário musical também mudou. “A ditadura militar mexeu muito com o povo brasileiro, assim como mexeu com os artistas. Por isso, eles faziam várias músicas de protesto que acabavam sendo bem aceitas pelo público. Hoje, não se age mais tanto dessa forma, pois os aspectos desagradáveis que temos no País não afetam muito diretamente as pessoas”, esclarece Nestor Avelino Pinheiro, 72, economista aposentado que conviveu com o cantor Chico Buarque, um dos ícones da luta contra o regime.
Segundo Pinheiro, a exceção seriam os grupos de rap e hip hop, porém, mesmo assim, sua atuação seria superficial. “Eles falam de ambiente social, violência e coisas do tipo; mas suas músicas são passageiras. O cantor fala, as pessoas ouvem e não se toma nenhuma providência a respeito”, diz. Pinheiro avalia que o que se passa hoje é diferente do tempo da ditadura, quando havia músicas de protesto cuja causa o povo abraçava.
O professor de Sociologia e Antropologia da ESPM-SP, Pedro Jaime de Coelho Júnior, concorda que, atualmente, os artistas mais engajados politicamente seriam os do gênero rap e hip hop, originários da periferia, como os grupos O Rappa e Racionais MC’s. “Talvez possamos dizer que fazem uma música política aqueles que são vítimas de algum tipo de opressão. Por isso, os moradores da periferia a fazem”.
Segundo o professor, na geração de Elis Regina, a classe média era provocada a pensar sobre política. “Como hoje ela talvez não se ache oprimida, não procede da mesma forma”, explica.
Entretanto, não é esse tipo de música (a música de protesto de grupos como O Rappa e Racionais MC’s) que as pessoas mais ouvem e consomem hoje. Os vencedores da edição de 2011 do Prêmio Multishow de Música Brasileira comprovam isso. Nas categorias “melhor clipe” e “melhor álbum”, a vencedora foi a banda Restart; nas categorias “melhor música” e “melhor cantor” (o vocalista Di Ferrero), a vencedora foi a banda NX Zero; nas categorias “melhor artista sertanejo” e “melhor cantora”, Paula Fernandes; na categoria “melhor show”, Luan Santana; na categoria “melhor grupo”, Exaltasamba e Ivete Sangalo venceu na categoria “melhor DVD”.
Todos esses artistas valorizam e abordam em suas músicas temas como o amor, a festa, o carpe diem (expressão em latim que significa “aproveite o momento”) e o prazer; estando distantes tanto do engajamento político que era visto na época de Elis Regina, quanto do que é visto nas músicas dos Racionais MC’s, por exemplo.
Para o professor de Filosofia e de Lógica da Argumentação da ESPM-SP Eduardo Oyakawa, hoje predomina a música do entretenimento, das “danças fáceis e da risada sem graça”. “Nós temos ávidas gravadoras que impõem certo tipo de ritmo, uma musicalidade pasteurizada e homogeneizante. O Brasil era mais lírico e poético há trinta anos do que é hoje”, cita.
Entretanto, de acordo com Oyakawa, as gravadoras apenas exibem aquilo que vende. Sendo assim, se há essa tendência, é porque há quem a consuma. Segundo ele, isso também tem relação com uma geração não só brasileira, mas mundial, muito marcadamente individualista, narcísica e tecnológica.
Influência do contexto social e político
O cenário cultural e musical de hoje, se comparado à cena da época da ditadura militar brasileira é diferente e o comportamento individualista de grande parte dos jovens atuais é justificado pela situação política e econômica contemporânea, diz o professor Coelho Júnior.
Na ditadura, os jovens sabiam que, depois de formados, tinham amplas possibilidades de iniciação no mercado de trabalho, e isso fazia com que, durante os estudos universitários, eles se engajassem mais em discussões de teor político. O jovem de hoje se defronta mais com uma situação em que ele não tem certeza sobre o dia de amanhã. “Os mercados são muito voláteis e as certezas estão esfumaçadas. Talvez por conta de tudo isso, o jovem coloque salvar a sua pele em primeiro lugar, em vez de discutir as grandes questões políticas da sociedade”, afirma.
Se esta é a sociedade das inseguranças, a mentalidade é a do escapismo: se não se tem certeza de nada, deve-se curtir o momento e se esbaldar. “O jovem é anestesiado por tudo isso. Esse prazer excessivo esconde a dor, o medo da incerteza do futuro, de não saber como se encaixar”, expõe Coelho Júnior.
O professor Oyakawa concorda com essa afirmação. “Alcançamos um grau de estabilidade democrática e crescimento econômico que, paradoxalmente, só enfatiza esse individualismo. As pessoas só querem trabalhar, se dar bem e ter muita diversão”, observa.
Segundo Norma Grillo, 74, professora aposentada, o povo “cansou” tanto que hoje não toma mais conhecimento da política e acaba se prendendo a coisas menores.
Jovem Guarda
Se, por um lado, na época de Elis Regina, havia a música de protesto, por outro, também existia uma música menos engajada politicamente, representada pela Jovem Guarda. Dados da Wikipédia mostram que, surgido em agosto de 1965, a partir de um programa exibido pela TV Record, a alegria e descontração do movimento musical transformaram-no em um dos maiores fenômenos nacionais do século XX, tendo como principal influência o rock’n’roll britânico e norte-americano.
Dentre os artistas que se destacaram no movimento, estavam Roberto Carlos, Wanderléa e Erasmo Carlos. Esses músicos abordavam, em suas canções, temas não muito diferentes dos assuntos tratados pelos artistas que mais fazem sucesso hoje. A euforia do beijo roubado, o passeio de carro pela cidade ou a ida ao cinema são exemplos de situações que essas músicas traziam.
Entretanto, apesar do sucesso, os membros da Jovem Guarda (movimento também designado como “Iê-iê-iê”, em alusão direta à música dos Beatles) eram muitas vezes desvalorizados pelo público engajado. Considerados “alienados”, eram criticados por se manterem afastados das discussões políticas que sacudiam o Brasil durante os primeiros anos de ditadura militar.
O programa de televisão (também da TV Record) chamado “O Fino da Bossa”, que Elis Regina apresentou com Jair Rodrigues, fazia críticas às opções estéticas e temáticas da Jovem Guarda. Afinal vindo de Elis, não podia deixar de ser polêmico.
“Me tomam por quem? Um imbecil? Sou algo que se molda do jeitinho que se quer? Isso é o que todos queriam. Mas não vão conseguir, porque, quando descobrirem que estou verde, já estarei amarela. Eu sou do contra. Sou a Elis Regina Carvalho Costa que poucas pessoas vão morrer conhecendo”, declarou em entrevista concedida à revista Veja, em outubro de 1978, quando questionada a respeito de seu temperamento considerado difícil.
Laís Cebollini Guidi (1º. semestre)
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Adorei Lais, que voce sempre tenha sucesso em sua profissão!!!! bjos
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