Resquícios de práticas da ditadura militar persistem na sociedade brasileira

Evento realizado no dia 31 de março de 2014, no pátio do antigo DOI-Codi. Familiares e torturados participaram da homenagem aos mortos pela ditadura | Isabela Souza

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ANITA EFRAIM | DEBORA BROTTO | ISABELA SOUZA | MARIANA STOCCO
História 1** (os nomes foram trocados)
»»» Eram cinco jovens entre 21 e 26 anos. Acreditavam na esquerda e na possível mudança do país. Até que tudo deu errado.
Em uma madrugada, Eduardo, um dos cinco guerrilheiros, recebeu um telefonema. A irmã e a mãe de Antônio, amigo de Eduardo, pediram para que ele fosse até o prédio dele, no Rio de Janeiro, que estava rodeado de carros patrulha.
O apartamento estava todo revirado. Um tenente apareceu diante dos três e abriu a porta do elevador. Antônio estava estirado no fundo do fosso. A mãe recuou ao ver a cena. Seu ímpeto era o de pular também, suicidar-se. A mãe ficou em choque e só foi se recuperar nos anos de 1980.
Roberto segue desaparecido até hoje. Rubens estava na célula que havia sequestrado um americano logo após a Copa do Mundo de 1968. A namorada de Jonas tinha visto o noivo levar choques nas genitálias e passou pelo mesmo. “Não é brincadeira. Não tem papo”.
No dia em que o AI-5 foi decretado, a praia de Ipanema estava uma loucura. “Ninguém tinha a mínima ideia do que ia acontecer.”

História 2

»»» Era uma noite de julho na cidade maravilhosa. A favela da Rocinha seguia sua rotina normal mesmo enquanto a polícia realizava a Operação Paz Armada para combater o tráfico de drogas, em que 30 pessoas acabaram presas. Amarildo estava na porta de um bar quando foi abordado pelo policial Cara de Macaco, como é conhecido na comunidade. Apresentou seus documentos, mas mesmo assim acabou sendo levado à base da UPP.
Mais tarde, quando sua mulher, Bete, chegou à delegacia, a polícia dizia já tê-lo liberado. Amarildo sumiu. As câmeras de segurança da base policial não funcionaram naquela época. O sistema de rastreamento do carro em que o assistente de pedreiro foi levado indica que a viatura deixou a favela e rodou por vários pontos da cidade. Sete meses depois, a Justiça decretou a morte presumida dele.
Até hoje, ninguém foi preso e nem se sabe o real paradeiro do corpo de Amarildo, que deixou seis filhos.

FOTO: Mariana Stocco

Apesar das semelhanças, as duas histórias têm 50 anos de diferença. Em uma, o Brasil era regido por uma ditadura. Em outra, por uma democracia. O golpe de 1964, que depôs o presidente João Goulart, transformou a realidade brasileira e, até hoje, suas características aparecem enraizadas em diversas instituições e na própria cultura nacional.
A violência policial é marcante na sociedade. Talvez não enxergada por todos, mas vivenciada, principalmente, por moradores da periferia. A criação do termo Polícia Militar é de 1946. A Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) foi criada em plena ditadura para perseguir e tirar de cena os militantes esquerdistas. Segundo o Informe 2013 divulgado pela Anistia Internacional, no início do ano, os Estados brasileiros continuaram a realizar práticas policiais discriminatórias e repressivas para enfrentar a violência, resultando na morte de milhares de pessoas.
O aspecto racial foi destacado pela Anistia Internacional: homens negros e jovens faziam parte de um número desproporcional entre as vítimas, principalmente no Norte e no Nordeste do país. Os homicídios cometidos por policiais continuaram a ser registrados como “autos de resistência” ou “resistência seguida de morte” no Rio de Janeiro e em São Paulo. Segundo a Anistia, poucos casos de suspeita de violência policial são efetivamente investigados, apesar de todas as evidências de uso de força excessiva.
Um caso emblemático: José Guilherme Silva, 20 anos, foi acusado pela polícia de ter participado de um assalto em 14 de setembro de 2013 na cidade de Limeira. Abordado pela polícia, foi revistado e encaminhado para a delegacia, mesmo sem portar armas. Ele foi algemado com as mãos cruzadas para trás e posto no porta-malas da viatura. No trajeto, segundo a versão da polícia, o jovem sacou um revólver calibre 38 e se matou com um tiro na cabeça. Até hoje os pais do jovem não conseguiram provar que o filho foi assassinado e os policiais envolvidos permanecem nas ruas.
Conforme a Anistia Internacional, no Estado de São Paulo foram registrados 3.539 homicídios em 2013 por policiais – um aumento de 9,7% em relação a 2012. Só no mês de novembro do mesmo ano mais de 90 pessoas foram assassinadas por policiais.
Além da violência policial, a impunidade no país é outro resquício reforçado pela ditadura militar. De acordo com o historiador Marco Antonio Villa, a redemocratização do Brasil, feita por José Sarney, vice-presidente de Tancredo, não efetuou um acerto de contas com o passado. A transição mal feita levou a falhas no sistema Judiciário. “A questão da democratização ainda não atingiu as entranhas do poder Judiciário. E aí é onde a coisa é mais escabrosa”, afirma Villa, que justifica o fato com exemplos sobre juízes que, hoje, vendem sentenças e não são punidos.
Vladimir Safatle, filósofo e professor da Universidade de São Paulo, afirma que “está na moda” dizer que a ditadura só aconteceu realmente de 1969 a 1979, quando vigorou o Ato Institucional número 5, AI-5. Antes e depois teria acontecido um “regime autoritário”, mas nada que se comparasse a uma verdadeira ditadura. “Afinal, até existia partido de oposição”, ironiza. Para ele, essas análises trazem “um verdadeiro negacionismo histórico, a fim de desqualificar a necessidade de punir exemplarmente os que implementaram e deram suporte à ditadura civil-militar”.
“Quem diria que em 2014, 50 anos depois, nós estaríamos discutindo se houve ou não uma ditadura militar no país.” Para ele, era de se esperar que agora estivéssemos vendo cartas abertas das Forças Armadas pedindo perdão por terem protagonizado um dos momentos mais sangrentos da história brasileira e também de grupos empresariais, por terem financiado o golpe. “Mas, até agora, não se viram obrigados a um mínimo mea culpa.”
Contrário à interpretação de Safatle, Marco Antônio Villa diz que é possível afirmar que de 1964 a 1968 coexistiram formas autoritárias e democráticas de governo no país. Para ele, o governo não poderia ser considerado autoritário quando havia eleições, mesmo que indiretas, e com a efervescência cultural da época.
Segundo Villa, o Ato Institucional no 5, em 13 de dezembro de 1968, inaugura a fase mais severa da ditadura. As prisões, torturas e desaparecimentos aumentaram vertiginosamente. O AI-5 dava novos poderes ao presidente, entre eles o de proibir manifestações, decretar estado de sítio, legislar por meio de decreto-lei e cassar direitos políticos por dez anos, entre outros. A censura afetava sindicalistas, artistas, jornalistas e ativistas políticos.
A professora Denise Fabretti, da ESPM-SP, conta que o AI-5 rompeu com toda a estrutura institucional do país, como as divisões de poderes em Executivo, Judiciário e Legislativo. “A partir do AI-5, o Congresso vai para recesso e o Executivo passa a fazer as leis”, afirma. Além disso, o ato impede a concessão de habeas corpus para os presos políticos acusados de crime contra a ordem econômica e social.

Evento realizado no dia 31 de março de 2014, no pátio do antigo DOI-Codi. Familiares e torturados participaram da homenagem aos mortos pela ditadura | Isabela Souza

ECONOMIA
A economista e professora da ESPM-SP Cristina Helena de Mello conta que quando o golpe de 1964 foi dado, pensava-se em como corrigir a questão econômica da época: “Não se tratava só e apenas de uma discussão entre esquerda e direita, tratava-se de tentar propor soluções para uma inflação crescente, um déficit externo crescente e uma desorganização grande, no sentido da impossibilidade de repartição do produto social do trabalho na sociedade”. Cristina acredita que o horizonte de crescimento econômico no Brasil, atualmente, está ameaçado.
Ela também considera que questões econômicas importantes estão entrando na pauta da sociedade ainda sem a devida ponderação de seu significado. “Quando você enfrenta o limite de crescimento, também enfrenta uma questão social muito séria, de autoperpetuação social. Vemos o desencadeamento dos rolezinhos, de discussões sociais, de pessoas que são contra o Bolsa Família sem sequer saber o que é e quanto ele custa para nós, discussão sobre taxas de juros e ninguém sabe o que é.”

IMPRENSA

A maioria dos veículos de comunicação da época apoiou o golpe. Leonardo Trevisan, professor da ESPM-SP e jornalista, afirma que os meios de comunicação são empresas e têm contas a pagar, por isso a briga com o Estado custava caro. “Eu não sei se essa relação melhorou. Eu sei que mudou, mas melhorar é outra história. Hoje, a mídia tem medo de banco, dos grandes conglomerados. Eu não sei o que é melhor.”
Mariluce Moura teve seu marido assassinado e torturado por agentes em Recife em 1972. Era jornalista e militante de esquerda, foi presa em Salvador e torturada durante a gravidez. Ela relata que a informação que poderia ser publicada pelos meios de comunicação chegava pronta: o Estado mandava o que poderia ser divulgado. “Era decidido o que podia ou não sair no jornal. Não se podia contar tudo”, relata Mariluce, que desistiu de cobrir a área policial devido à censura pesada. Como a disseminação da informação era parcial, os militares contavam sua versão dos fatos.
Os militares mortos, que chegaram a ser torturados por aqueles que participavam da luta armada da esquerda revolucionária, tinham suas mortes anunciadas e eram homenageados pelo Estado. Os militantes da esquerda que eram mortos pelo regime tinham seus óbitos anunciados com desculpas, mentiras – como uma troca de tiros entre companheiros que nunca acontecera –, lembra Mariluce.
COMISSÃO DA VERDADE
A tentativa de compensação das vítimas da ditadura foi a criação da Comissão Nacional da Verdade, institucionalizada pela lei 12.528 de 2011. A Comissão tem como objetivo apurar as violações de Direitos Humanos entre 1946 e 1988. Em 2012, a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos enviou 475 processos à Comissão.
Em mesa de debate realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH) a advogada e professora universitária Rosa Maria Cardoso, coordenadora da CNV entre maio e agosto de 2013 afirmou que “apesar das dificuldades, nós da CNV conseguimos cumprir um objetivo fundamental que é criar um tempo de verdades”. Para ela, além do caráter de descobrir novas coisas sobre o período, a Comissão tem um dever de plantar a ideia do “nunca mais” na população, para que esse tipo de violência não se repita. A criação de uma Comissão gerou o desdobramento em cerca de 100 outras comissões, estaduais, municipais, de entidades de profissionais liberais, de sindicatos, de universidades e outras. Apesar do trabalho da CNV, ainda há muitas dúvidas sobre o período, principalmente a respeito dos corpos de pessoas desaparecidas.
“A mídia em geral tem noticiado de maneira estrondosa as novas descobertas da época da ditadura, da preparação do golpe e do próprio golpe”, afirma Rosa. Ela elogia o reconhecimento das Organizações Globo em admitir seus erros e promover a manutenção da democracia, em detrimento do julgamento dos motivos que levaram à adesão ao regime de 1964. “Se fôssemos atribuir má fé a quem repensa condutas equivocadas, estaríamos anulando a possibilidade de mudança em condições mais justas”, explica. “Por isso, seria muito importante que as Forças Armadas, por quaisquer motivos que fossem, pedissem perdão à sociedade brasileira”, finaliza a especialista.

FORÇAS ARMADAS
Segundo o portal da Comissão da Verdade, o ministro da Defesa, Celso Amorim, comunicou à Comissão que as Forças Armadas instauraram comissões de sindicância para investigar o uso de instalações militares para a prática de graves violações de direitos humanos. O comunicado foi emitido em 1º de abril de 2014. As sindicâncias foram pedidas pela CNV no dia 18 de fevereiro do mesmo ano.
A Comissão da Verdade cumpriu um dos seus maiores objetivos: revogar o silêncio sobre o tema. Porém, ela é contestada por segmentos conservadores da sociedade. “Por que só atacar o lado militar? Houve anistia e ela foi para todos. Agora ela não é mais? Tem Comissão da Verdade só para os militares? A Dilma também matou e roubou”, questiona Cristina Piviani, uma das organizadoras da Marcha da Família por Deus, que aconteceu em São Paulo e outras cidades em 22 de março.
O general Luiz Eduardo Rocha Paiva contesta a validade da Comissão baseado nos seus membros, que deveriam ser imparciais. “Alguém que militou na luta armada é imparcial para designar os membros da Comissão Nacional da Verdade?”, questiona Paiva, referindo-se à presidente Dilma Rousseff.
LEI DA ANISTIA
O tema mais polêmico envolvendo a Comissão da Verdade é a revogação da Lei da Anistia, a única no mundo que beneficiou os dois lados, perseguidos e perseguidores. Ieda Axel Rudi de Seixas, segurava a foto de seu pai no ato contra a ditadura que ocorreu no antigo DOI-Codi em São Paulo no dia 31 de março. “Meu pai é um dos mortos aqui no DOI-Codi. Ele foi baleado nesse pátio, junto com meu irmão. Eu fui abusada sexualmente no banheiro ali em cima, tinha uns dez homens; o principal era delegado”, relata a aposentada. “Eu não dei anistia para ninguém. Os torturadores estão por aí”, desabafa.
O americano James Naylor Green é professor na Brown University e Ph.D. em história latino-americana e nos Estados Unidos. O profissional divulgou, em palestra na FFLCH, o projeto Opening The Archives, parceria entre a Brown e a Universidade de Maringá, no Paraná. O site disponibiliza dez mil documentos com a visão americana em relação aos acontecimentos da ditadura militar no Brasil.
Ele afirma que nenhuma das informações nos documentos é inédita. Os arquivos já estavam disponibilizados em bibliotecas dos Estados Unidos. Um dos exemplos utilizado por Green é a repercussão do AI-5 no governo americano. “Quando aconteceu, houve uma crise dentro do departamento de Estado americano, porque o Brasil estava chegando à caracterização de uma ditadura militar e os militares negavam.” Os Estados Unidos se questionavam se deveriam continuar apoiando essa ditadura.
CONTEXTO HISTÓRICO
Para Sidney Leite, professor da ESPM-SP, o golpe teve no Brasil o mesmo peso que a Revolução Francesa teve na historiografia da França. Ele afirmou que a renúncia de Jânio Quadros gerou uma crise muito grande, já que o vice-presidente João Goulart tinha um currículo que desagradava os militares.
A crise seria resolvida com a implantação do parlamentarismo. “Foi instaurado do dia para a noite. Essa solução tirou o poder do presidente da República o entregou ao primeiro ministro e ao Congresso”, conta Sidney.
Sidney enfatiza a nomenclatura do golpe. Não foi apenas um golpe militar, mas envolveu muitos outros grupos, além dos militares. “Essa forma cínica de dizer que o golpe foi militar é uma forma de tirar as responsabilidades de figuras da política nacional, da sociedade civil, inclusive de muitos empresários, e também dos militares”, assegurou o professor.
violência no Doi-Codi
Se as paredes do DOI-Codi, localizado no bairro do Paraíso, em São Paulo, falassem, contariam histórias de horror.
Os sobreviventes da repressão têm dificuldade de colocar em palavras as suas vivências. Marcius Cortez, recifense, emigrou para São Paulo e em 1969 tornou-se mais uma vítima da violência no local. Foi considerado criminoso por participar de uma “vaquinha” para ajudar um empresário publicitário que estava exilado na Alemanha.
Em livro, narrou sua experiência. A chegada ao DOI-Codi foi traumática. “Veio outro agente de segurança, um sujeito com cara de sapo, bigodinho fino, olhos pequenos, magro, mas barrigudo, que me mostrou que eu devia cruzar a porta escura. Eu o obedeço e logo estou no fim de um corredor comprido. Subitamente entram pela mesma porta dois outros homens que me cercam e me espancam. Primeiro fui puxado pelos cabelos e levei uma cabeçada que me deixou zonzo. Foi quando o mais forte deles, um japonês, me agarrou pela gola da camisa e me acertou um direto na boca. Eu vi o sangue esguichando. Levei as mãos aos lábios e virei saco de socos, chutes e pancadas. Devo ter desmaiado.”
Contenção de danos
O coronel Ricardo Jacob, 56 anos, entrou para a escola da Polícia Militar em 1974. Ele alega que, naquela época, não sentia pressão e autoritarismo, pois sua formação não era focada na rua. Segundo ele, “a polícia é escrava do governo. Se for de esquerda, seremos de esquerda e se for de direita, seremos de direita.”
Para ele, chamar a época de regime ou ditadura é uma questão de ideologia. “Foi uma união de forças erradas, com pessoas e opiniões erradas que fez com que tudo acontecesse”, diz, referindo-se aos comunistas. O coronel, que discursou durante a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, justifica a violação dos direitos humanos para evitar “maiores danos”. “Numa situação excepcional, como um homem com uma bomba, entre acariciar e bater, não é muito difícil se decidir”, conta.
“Quem está na ‘Comissão da Mentira’ não participou dos movimentos da época, apenas ouviu falar”, diz. Para Jacob, a Comissão da Verdade só analisa as ações de militares, e não as mortes de soldados em serviço. O coronel afirma ser uma comissão “revanchista”, mas reconhece erros dos militares. “O caso de Vladimir Herzog [jornalista assassinado em 1975] foi um erro de cálculo absurdo. Houve excesso em diversos casos da época”, diz.
“Se hoje há violação dos direitos humanos, está errado”, diz o coronel. Para ele, os criminosos devem voltar a ter medo da polícia. “Uma das coisas que aprendi quando saí da escola, em 1978, é que se o bandido solta a arma ele sai andando, se não, sai deitado.”

“Precisamos esclarecer o que aconteceu no Brasil”

»»» Até os 16 anos, Tessa Moura Lacerda não tinha o nome do pai em sua certidão de nascimento. A professora da FFLCH-USP conta que os pais foram presos em 1973 por participarem da Ação Popular Marxista-Lenista em Salvador, na Bahia.
Gildo Lacerda foi transferido para o DOI-CODI em Recife e teria sido morto em um tiroteio no centro da cidade. Porém, a Comissão de Familiares de Pernambuco apurou o ocorrido com testemunhos e documentos. Gildo, aos 24 anos, havia sido morto sob tortura. Sua esposa, Mariluce Moura, com 22 anos, continuou presa na capital baiana.
“Quando minha mãe saiu da prisão, ela não podia sair de Salvador, mas mesmo assim ela tentou localizar o corpo do meu pai para dar um enterro”, afirma Tessa.
O que a Comissão apurou foi que o corpo de Gildo foi enterrado três vezes em cemitérios diferentes. A professora diz que nunca conseguiram recuperar os restos mortais do pai: “Ainda sim, eu acho que nós, familiares, devemos exigir que se devolvam esses restos mortais, esse é um apelo que eu faço”.

Gildo Lacerda | Foto: Arquivo Pessoal

Para Tessa, o grande problema do país é o desconhecimento por parte da população sobre o período militar. Ela questiona a resistência das Forças Armadas em admitir publicamente as mortes, torturas e outras violações dos direitos humanos na ditadura. “Os chefes das Forças atuais não têm relação com aqueles que estavam à frente do Exército na época da ditadura. Mesmo assim eles não admitem. Eles fingem que nada aconteceu”, afirma a professora, que compara o Brasil com Uruguai e Argentina, países que passaram por períodos de regime militar, mas cujos governos se retrataram em relação à época.
Tessa afirma que há muitos documentos fechados em todo o país e que eles deveriam ser divulgados. Ela acredita que um posicionamento oficial do Estado mudaria a percepção sobre a ditadura brasileira. “Eu acho que a gente precisava encarar de frente essa história. É preciso que se esclareça o que aconteceu no Brasil. Se trata do direito de justiça e de memória”, defende.

A professora Tessa Lacerda na FFLCH | Foto: Mariana Stocco