Oferta de saúde, educação e segurança ainda é precária no Brasil

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ANITA EFRAIM | DAVID FRARE | MARIANA STOCCO
»»» Os direitos à alimentação, à saúde, à moradia, à educação e à segurança são os mais desrespeitados no Brasil, segundo Cássio Andrade, professor de legislação da ESPM-SP e advogado da Advocacia Geral da União (AGU). Ele acrescenta que há políticas sociais que tentam mudar essa realidade. “Nossa história é recente, tendo sofrido um impulso mais considerável a partir do século 19. Como toda nação relativamente jovem, ainda se ressente da falta de maturidade, o que explica, em parte, o estágio atual de sua evolução civilizatória”, afirma.
Com o fim da ditadura militar o Brasil ainda precisava dar mais um passo em direção à democracia: mudar a Constituição. Em 1988 foi escrita a chamada Constituição Cidadã, cujo apelido vem do foco nos direitos do brasileiro, oprimidos pelas décadas de repressão, como o direito de votar diretamente para presidente. A Constituição de 1988 abrangeu, de diversas maneiras, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Carolina Souza, que é advogada e professora de direitos humanos da PUC-SP, afirma que, até a Revolução Francesa (1789), o governo era quem mais desrespeitava os direitos humanos. “A Revolução Francesa traz uma mudança de paradigma, de uma realidade que tinha um Estado absolutista, tirano. Traz novas concepções, como a ideia do Estado de Direito, que é o Estado em que todos, sem exceção, são submetidos à lei, seja o governante, seja a sociedade.” As reivindicações do povo francês no século 19, liderado pela burguesia, deram origem ao que, hoje, conhecemos como direitos humanos.
Segundo Cássio, a Constituição de 1988 contempla todos os itens propostos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948. “Nem poderia ser diferente. O Brasil, desde 1945, é membro da ONU e um de seus fundadores”, comenta. “A Constituição, como lei maior de um Estado, tem obrigação de conter aquilo que é previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, completa Carolina. Há, porém, críticas sobre a eficiência do Estado em efetivar os direitos previstos aos brasileiros.
Rene Ivo Gonçalves, engenheiro e coordenador da ONG Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, acredita que o governo não é capaz de suprir as necessidades dos moradores de rua, por exemplo. “As ONGs têm papel fundamental na ajuda à população menos favorecida”, opina. A ONG no início promovia ações assistencialistas, mas notou que o jeito de ajudar aqueles que não têm direitos era outro: mostrar que podem consegui-los. As pessoas que procuram o Centro Gaspar Garcia, normalmente, chegam com um problema e sem saber como solucioná-lo. Lá, são orientados por profissionais e conseguem organizar-se.
O cumprimento dos direitos humanos fica ainda mais complicado em regiões mais afastadas das grandes cidades. “Temos nesse caso a ausência do Estado e a ausência de mecanismos básicos para a garantia de direitos”, diz Daniel Santini, coordenador de jornalismo da ONG Repórter Brasil. O professor Cássio concorda: “Tantas vezes, a depender da região do país e do grupo social afetado, tais direitos são absolutamente negligenciados. O Brasil do sertão nordestino não é o mesmo Brasil do Sul”, explica.
Guerra urbana
Os números da violência no Brasil são superiores aos de zonas de guerra. Enquanto no Iraque morreram cerca de 184 mil pessoas em dez anos de conflito, segundo dados do Iraq Body Counter, no Brasil 450 mil pessoas foram vítimas de homicídios no mesmo período, de acordo com o Mapa da Violência 2013.
Para a analista sênior do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, o país precisa avançar muito na questão da segurança pública. “Temos altas taxas de violência, homicídios, violência familiar e doméstica. O governo brasileiro não vê a segurança como direito humano, vê como uma necessidade secundária”. Apesar de a Constituição garantir de forma sólida os direitos humanos, Carolina entende que o papel do brasileiro muitas vezes se restringe a exigir novas leis. “Nós temos a cultura de lidar com temas polêmicos sempre achando que fazer uma nova lei resolve. O desafio é olhar para as leis que existem e fazê-las saírem do papel”, completa.
Cássio Andrade elenca duas medidas para a melhoria no cumprimento dos direitos. A primeira seria o aperfeiçoamento dos aparelhos de Estado com competência para implementar políticas públicas essenciais, especialmente nas áreas de subsistência (alimentação) e saúde. “Para tais hipóteses, as parcerias com o setor privado, sob eficiente supervisão do Estado, podem ser muito úteis e, até mesmo, necessárias.” Além disso, ele afirma que os aparelhos estatais de repressão, como as polícias e o Poder Judiciário, precisam ser fortalecidos, com especial investimento em pessoal capacitado e em tecnologia da informação.
A segunda medida, a médio e longo prazos, exigiria o cumprimento espontâneo e consciente de toda a legislação, não somente a de direitos humanos, bem como o enriquecimento das pessoas e do próprio Estado. “Para que isso ocorra é necessário o investimento racionalizado e maciço em educação e em desenvolvimento científico”, afirma.
Carolina Souza destaca a necessidade de conscientização da população sobre seus direitos. “Quanto mais democrático o Estado, mais este terá possibilidades de cumprir os direitos humanos. Um regime democrático não tem uma estrutura pronta e perfeita, é preciso ter atuação da sociedade para funcionar.”
Conforme Cássio, a jovialidade da democracia no Brasil pode ser um dos motivos pelos quais a procura por direitos ainda é tão pequena na sociedade. A advogada Carolina Souza diz que as discrepâncias sociais levam a um distanciamento da população em relação ao conhecimento das leis.
Já para Santini, ainda falta muito para que a Constituição de 1988 possa ser reconhecida como uma verdadeira Constituição Cidadã.
Paralelamente, no contexto da globalização e da inserção do Brasil no mundo, especialistas lembram que o papel crescente do Brasil no contexto internacional faz com que sua voz sirva de exemplo a outros países, mas, ao mesmo tempo, torne-se alvo de olhares mais críticos em relação aos direitos humanos. Para Carolina Ricardo, o problema é muito complexo e não tem solução simples. “As pessoas precisam participar mais politicamente e os governos precisam se abrir de fato para atenderem as necessidades da população.”