O Pasquim: jornal combateu a ditadura com humor

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Por Ana Teresa Guida

Fac-símile da primeira capa do Pasquim | Foto: Reprodução

»»»O Pasquim foi um jornal de periodicidade semanal fundado em junho de 1969 e foi o modo que um grupo de jornalistas encontrou de responder ao Ato Institucional nº 5 que havia sido instaurado no ano anterior.
Seus principais fundadores foram Jaguar, Tarso de Castro, Sérgio Cabral, Carlos Prosperi, Claudius, Carlos Magaldi e Murilo Reis. Fez parte da chamada Imprensa Alternativa e misturava política, crítica social e comportamento, e tinha como principais alvos a ditadura militar, o moralismo da classe média e a grande imprensa.
Desde a sua criação contou com a colaboração e a participação de humoristas, jornalistas e intelectuais do quilate de Ziraldo, Helfil, Paulo Francis, Millôr Fernandes, Ivan Lessa, Luís Carlos Maciel, entre outros.
Uma das figuras mais importantes do Pasquim era Henfil. O cartunista utilizava ironia e sarcasmo em suas charges para driblar a censura da época. Seus famosos personagens Baixinho e Cumprido, os Fradinhos, eram completamente opostos. O primeiro era conservador e careta, enquanto o segundo era revolucionário e anarquista.
Henfil foi também o criador do polêmico Cemitério dos Mortos-Vivos, onde ele “enterrava” personalidades e celebridades que, segundo ele, eram simpatizantes ou haviam colaborado de alguma forma com a ditadura, não se envolviam com a política do país ou eram porta-vozes do conservadorismo. “Enterrou” em suas charges artistas famosos, como Elis Regina, Roberto Carlos, Clarice Lispector, Hebe Camargo, entre muitos outros. De todos, só dizia se arrepender de ter “enterrado” Elis e Clarice.
O Pasquim revolucionou pelo uso do humor como forma de contestar o cenário político da época e pelo uso de uma linguagem coloquial. Palavrões e gírias estavam estampados por todo o Pasquim, o que agradava ao grande público. Logo nas primeiras edições, atingiu vendas de 40 mil exemplares. Devido ao seu sucesso, principalmente entre universitários, subiu até chegar a 200 mil exemplares vendidos semanalmente.
Outra característica importante do jornal eram as entrevistas, que eram transcritas como uma longa conversa, inovando esse formato no jornalismo brasileiro.
Nas entrevistas, a equipe do jornal dava espaço para personalidades contrárias ao regime militar. O legado desses textos é tão grande que, em 2016, o Canal Brasil produziu e lançou uma série chamada “As Grandes Entrevistas do Pasquim”. Na série, são reencenadas 13 das 1.072 matérias do semanário.
Em 1970, o Pasquim foi submetido a censura prévia e passou a abrigar um censor do regime militar dentro da redação. Mesmo assim, a equipe conseguia, com muita inteligência, contornar os censores e aprovar algumas matérias. Mas sua constante oposição, aliada ao sucesso de público, incomodava os militares. Por isso, grande parte da equipe do jornal foi presa durante a ditadura.
Entre os que haviam sido poupados, num primeiro momento, da prisão, estavam Marta Alencar, Henfil e Miguel Paiva, que continuaram a editar o Pasquim com a ajuda de outros jornalistas, artistas e intelectuais.
A primeira edição após a prisão maciça de sua equipe recebeu a manchete “Enfim um Pasquim totalmente automático: sem o Ziraldo, sem o Jaguar, sem o Tarso, sem o Francis, sem o Millôr, sem o Flávio, sem o Sérgio, sem o Fortuna, sem o Garcez, sem a redação, sem a contabilidade, sem a gerência e sem caixa.”
Apesar do esforço, as vendas caíram.
Os jornalistas foram soltos em janeiro de 1971 e voltaram ao trabalho. No dia 24 de março de 1975 foi extinta a censura prévia ao jornal e até o fim dessa década as principais temáticas do Pasquim eram campanhas pela anistia aos condenados por crimes políticos, o que permitiria o retorno dos exilados em outros países, a libertação dos presos políticos e a livre circulação dos clandestinos.
Com a abertura política e a redemocratização no início da década de 1980, a ditadura militar deixou de ser o único alvo do jornal. Houve então uma divergência a respeito da linha editorial que deveria ser privilegiada: se uma maior radicalização política ou uma linha humorística mais descompromissada.
O Pasquim foi vendido para o empresário João Carlos Rabelo em agosto de 1988, quando a tiragem estava em torno de três mil exemplares em edições quinzenais. Com a nova direção, no mesmo ano chegou aos 80 mil exemplares. Mantiveram a veia humorística enquanto se posicionaram contra a corrupção, o capitalismo neoliberal e, após as primeiras eleições diretas presidenciais de 1989, contra Fernando Collor de Melo e tudo ligado ao novo governo.
Durante a gestão Collor, o jornal sofreu com a instabilidade econômica, e não resistiu ao cenário turbulento que já vinha desde o governo Sarney, com a hiperinflação. O Pasquim deixou de circular em janeiro de 1991.